quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma alma que sorri, ato II: ser como deus.

As ruas de Frankfurt eram uma piada sem igual.
Enquanto nobres gordos e tementes ao senhor ausente orgulhavam-se de seus carros e livros importados, a multidão de miseráveis orgulhava-se de conseguir roubar o bastante para a próxima refeição.
E quando a noite caia e o calor do corpo lhes era roubado sem preconceitos e sem respeitar a qualidade de seu sangue, eles riam da infelicidade de suas vidas e da banalidade de seus sonhos.
Sonhos eram uma coisa engraçada.
Eu sonhava com um prato de sopa fumegante e com o deus que não me ouvia. Eu queria chamar a atenção dele, queria bater nele até ele sangrar, queria violar seu corpo e ejacular em sua cara só pra mostrar que eu não precisava dele.
Após alguns anos vivendo de lixo e abrindo caminho na cadeia alimentar com as unhas, matei um homem para roubar uma garrafa de vinho e um pedaço de pão. E ai eu descobri que essa era a maneira que eu tinha de desafiar ao deus que a mim era indiferente. Não por que eu precisava disso, mas por que era divertido.
Após matá-lo, eu senti um desejo difícil de explicar. O sangue e os ossos partidos me encantavam como o canto de uma sereia profana e cruel. Eu estuprei o cadáver por horas sem alcançar o clímax desejado. E quando os policiais me algemaram, eu desejei que tudo no mundo apodrecesse e provasse meu esperma.
Quando me trancaram em uma sala imunda com doze indigentes, eu finalmente entendi a piada.
A fragilidade de meu corpo fez de mim um alvo natural. Quando a noite caiu eles se revezaram sem pressa e me estupraram sem elegância ou gentileza. Quando chegou a vez do sexto deles me penetrar, eu já não sentia dor ou ódio. Eu apenas sorria.
Pela manhã um guarda me trouxe um prato de sopa quente e um médico cuidou de minhas feridas. Se eu conseguisse chorar de rir, eu teria o feito naquele momento. Era triste e crú demais para que eu pudesse compreender, se eu não soubesse das verdades terríveis que sabia, eu teria morrido ali mesmo. Acho que o médico estava com medo de mim. Minhas risadas o distraíram enquanto ele mantinha uma distancia segura de mim. Ele não viu quando roubei o bisturi e o alicate. Ou talvez tenha visto e estivesse torcendo por mim.

Quando voltei a cela e percebi o sorriso desdenhoso dos animais que já se masturbavam a minha espera, eu entendi que mais uma vez eu precisava ser como deus. Eu precisava matar sem preconceitos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário