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domingo, 15 de janeiro de 2012

A raiz de todo o mal, ato II: Lobos e leprosos


A indecisão tomou a vampira novamente. Ela já havia assistido as matanças de seu irmão mais de uma vez. Ele era um dos mais condecorados templários do sabá germânico e com toda certeza era o mais cruel. Seu senso estético sempre incluiu vísceras e entranhas o suficiente para chocar alguns anciões de sangue menos nobre.

Se ela o seguisse para a chacina, o que ela ganharia com isso? Mais pregos no caixão?
Ela já havia assistido recém nascidos serem presos ao ventre de suas mães, ela já sentiu a consciência falhar ao ver gemêos tornarem-se siameses e siameses tornarem-se quadrupedes profanos que usavam seus intestinos como chicotes.

Talvez ela não tivesse a coragem para ser uma Ductus do sabá. Talvez ela tenha nascido na família errada, na época errada. Ou talvez ela devesse agradecer a Freya e Baldur por ter sido trazida a morte por uma das lobas do norte, e não por um dos demônios do leste.

"Agradecer"

A sinfonia de gritos quebrou seu devaneio e a pôs em movimento. Ela imaginou a reação dos mortais a contemplarem a forma monstruosa do Tzimisce. Pavor, pavor puro. Quem seriam eles, afinal?
Fugitivos buscando abrigo no coração do sabá alemão? Espiões feridos? Almas inocentes trazidas para uma guerra que não lhes pertencia?
Havia pouco tempo para ponderar. O som de ossos partidos e lágrimas sufocadas lhe dividia a alma. Não havia o que se fazer, mas se ela não acompanhasse o irmão no combate, ela iria sofrer as consequências.
No sabá não há espaço para a misericórdia, não há espaço para corações que ainda batem com paixões por "cascas de carne".

Ela cruzou uma esquina e sentiu o sangue ferver embaixo dos olhos e transbordar. O pouco ar que ainda habitava seus pulmões foi expulso em um rugido gutural enquanto as unhas saltavam dos dedos e os ossos estalados formaram garras. Era, mais uma vez, hora de matar, pelo sabá, pela mãe Europa, e por aquele que, apesar de toda a mágoa, o Tzimisce ainda era seu amado irmão.

Sobre a forma monstruosa e familiar, estavam três criaturas caricatas e retorcidas, cobertas por trapos pretos que mal cobriam sua pele esponjosa e doente. Todos eles eram horrores especiais, formas destruídas pala maldição cruel dos leprosos de Caim.

Ela examinou a cena em um instante e calculou o angulo correto para o ataque. Por todos os lados pedaços magros e cinzentos de mortais estavam expostos como as carnes de um açougue. Entre o que um dia foram crianças, velhos e mulheres ela conseguiu distinguir alguns rostos partidos que não chegaram a ter tempo de perceber a armadilha em que tinham sido colocados.

Os mortos não eram prioridade agora. Os filhos de Caim eram os inimigos. Dos três que estavam sobre o Tzimisce, dois estavam fora de combate, as garras cruéis do vampiro penetraram seu tórax de encontro ao coração e agora os órgãos atrofiados sofriam com a pressão da força monstruosa do demônio.
Ele tinha seus próprios problemas. Em sua bocarra havia uma granada sem o pino. Um movimento e seria seu fim. E o nosferatu que estava sobre ele parecia disposto antecipar o momento. Os joelhos do leproso estavam presos nos espinhos ossudos do peito do Tzimisce, eles sangravam um liquido grosso e pegajoso que a Gangrel soube na mesmo hora se tratar de sangue semita. Era hora de agir.
"Heimdall, como tu eu sou responsável pela vigília da ponte da alma de meus irmãos, que eu seja como tua espada, e que em minha fúria eu parta os gigantes do caminho"

Ela sentiu o vitae correr por suas veias. Ele a fortalecia e renovava o calor que o beijo da morte havia lhe roubado. Com um comando mental, ordenou que seu corpo se movesse mais rápido do que o tempo.

Ela saltou, traçando um arco de morte em sua colheita profana. As garras entraram na base de sua coluna e traçaram um caminho doloroso pela carne cinzenta, rasgando ossos e tecidos podres e só parando na base das costelas. O peso do corpo da Gangrel foi o suficiente para arremessar o Nosferatu a quase dois metros de distancia. Com a queda, novos ossos foram partidos e os gritos de dor não puderam ser sufocados pela prudencia do vampiro deformado.

Ela afundou as garras enquanto rugia e mergulhava no caos da besta uivante.
"Grite, grite pra mim"
Sangue para todos os lados. Era tudo conseguia ver e cheirar. Sua vontade se contorcia de pavor.
A vampira rasgou, mordeu e retalhou o leproso como se fosse um lobo sobre o cervo abatido.
"Mate, mate a todos eles"
Sangue e mais sangue. Vísceras putréfagas misturadas a intestinos e outras partes menos reconhecíveis eram dilaceradas com voracidade por garras e dentes famintos.

O rugido gutural que marcou o mergulho dos caninos poderosos no pescoço da criatura.
"Beba até que ele vire pó"

O êxtase rubro inundou o corpo da Gangrel, nutrindo-a com a paixão e o líbido que só em um momento da não-vida ela possuiu. O fluxo do elixir trazia-lhe a paz que a espada de Caim havia lhe negado. Era um instante de silêncio em meio a tempestade da alma. Era o fogo que queimava a garganta, fortalecendo e maculando a alma calejada da mulher.

Como todos os outros momentos de silenciosa contemplação da vida da vampira, ele acabou.
Ela sentiu a dor da alma do nosferatunosferatu, ao imaginar seu próprio corpo derretendo e sendo re-esculpido por um artista doente. Alguem como seu irmão.

Quando o controle do corpo retornou, ela estava de joelhos no chão, observando o sangue nas mãos e na alma.
Ela não sabia quantos cainitas ela já havia matado, mas este era o primeiro que ela sorvia até secar.
Embora não tenha sido a primeira vez que algo morreu dentro dela, esta foi a primeira vez em que ela tinha sido o catalizador.

A mão monstruosa de seu irmão tocou seu ombro e a pôs de pé; era hora de continuar.

Os dois não trocaram nenhuma palavra durante o percurso. Ela quiz perguntar a ele como ele se livrou da granada, o que aconteceu com os nosferatu, quem eram as pessoas mortas a seu redor, o que estava acontecendo com ela e uma infinidade de outras coisas. Mas simplesmente não havia energia o suficiente. Eles colocaram seus prisioneiros nas costas e seguiram viagem. Após duas horas sem encontrar ninguém pelas ruas de Munique, o Tzimisce quebrou o silêncio:

"Você lutou como uma Valquíria, Skadi"

Eram palavras ineficientes, calculadas. Ela se perguntou quanto tempo seu irmão levou para formulá-las.
"Obrigado Lars."
"Possuo a resposta para a duvida que lhe assombra"
A resposta para o que? Para a eternidade de brutalidade e sanguinolência há que ela foi condenada pelos caprichos de uma vadia que ficou excitada demais com o protesto de uma garota revoltada? Para a solidão eterna e o apodrecimento da alma? Para as leis impossíveis de seguir?
"Eu não tenho duvidas, meu irmão. Tenho apenas uma certeza"
Os dentes do Tzimisce encolheram e ele fechou a boca com extrema dificuldade. Os dois cruzaram mais duas quadras antes dele terminar de formular sua frase.
"E qual seria essa certeza, minha irmã?"
"Vocês são um bando de grandes filhos da puta."  

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A raiz de todo mal, ato I: Um passeio entre os mortos.

Sete de março de 1937.

Os dois mortos entraram na cidade em silêncio, carregando nas costas os espólios de sua vitória.

O primeiro era a morte encarnada. Duas fileiras de ossos grossos e pontudos esticavam-lhe a pele grossa e gordurosa das costas. A cabeça pendia para a esquerda como se ele estivesse possuido, a mandibula arqueada e primitiva era incapaz de conter as tres carreiras de dentes serrilhados e amarelos. Sua lingua era bífida e pegajosa, e sempre estava banhada no elixir rubro que conferia sentido a sua existência.
Os braços compridos e escamosos terminavam em mãos de três dedos enrugados e unhas compridas como punhais. E as pernas grossas e peludas eram curvadas como as de um sátiro, e os pés oleosos e cheios de póros sustentavam com dificuldade o corpo do guerreiro.

Era um estandarte – Um simbolo de glória – Nele estavam depositados séculos de tradição, o orgulho dos anciões e a força de um clã.

A segunda não era tão impressionante. Uma garota alta e encorpada de cabelos cor de cobre e sorrizo ferido. Seu corpo parecia sufocado no uniforme militar, e o pouco que sobrava de sua disposição esvaia-se com a perspectiva da caçada que era cada vez mais eminente. Ela mediu cuidadosamente as palavras e de súbito interrompeu a caminhada.
" Sabe maninho, seria muito mais simples atravessar a cidade se não ouvessem tantos gritos de pavor incontrolável a cada grupo de mortais que aparece no nosso caminho."

"Digo que não". A voz do Tzimisce era rouca e funebre, um silvo baixo que indicava a ela que neste momento ele era imune a seus apelos.

Ela teria forças pra protestar se não estivesse carregando as carcaças de quatro jovens "anarquistas" nas costas. Uma única haste de madeira atravessava o peito dos quatro, tornando o transporte ainda mais exaustivo.
O guerreiro, por sua vez, carregava uma massa de ossos moles e pastosos que, pelas contas da garota, deveriam um dia ter sido sete ou oito cainitas.
Aos olhos dela, isso tudo era um esforço inutil. Dachau tinha pelo menos trinta prisioneiros, Auschwitz, sessenta, e só Caim sabia dizer quantas almas infortunadas habitavam a "sala de troféus" do carcere da carne. Era estratégicamente inviável manter tantos inimigos tão próximos. Mesmo que a possibilidade de um ataque a um campo de concentração fosse extremamente remotas, elas ainda existiam.
Os anciões da liga orádea queriam o fim da ocupação imediatamente. Os feiticeiros de Viena podiam interromper seu silêncio a qualquer instante, e assim que a guerra interna dos Brujah soviéticos acabasse, eles poderiam dedicar-se ha uma nova empreitada.
Passos apressados quebraram seu devaneio. Ela proferiu um sibilo baixo e seu irmão respondeu imediatamente. Os prisioneiros foram depositados no chão com extremo cuidado, e a guerreira prostrou-se como um animal e começou a farejar.
Ela sentiu o cheiro da vitae e do medo. Estavam feridos e cansados, ouviu uns poucos sussurros angustiados e pela velocidade dos passos imaginou o armamento que carregavam.

"Doze. Poloneses. Mortais. Duas quadras ao oeste."

O guerreiro contraiu os ossos da coluna e fez duas pontas serrilhadas saltarem do lugar em que um dia houveram mamilos. Não houve tempo para perguntar se isso era necessário ou se era apenas uma luxúria. Em um segundo o Tzimisce iniciou sua corrida.
Para o desânimo da vampira, a noite estava apenas começando.