Mostrando postagens com marcador conto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador conto. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Um instante de presciência

Era tarde e eu estava morto.
Algo havia me abandonado. Algo quente e bonito cujo nome eu já não mais me recordava. Uma pessoa, uma sensação, algo parecido.
Eu tinha tanta fome.
Em minha mente, flashes de momentos não vividos. Dores as quais eu era estranho. Um passado que já não era mais meu. Eu ouvia aqueles que não estavam ali, e eles chamavam com tanta força, gritavam para mim, dentro de mim. Estava tão nervoso.
O posto de gasolina era a neutralidade da insignificância. Eu não sabia dizer se estava ali de verdade. Nada ali, nem minha existência, importavam. Nada exceto ele, que de todo o cardume torpe da casualidade, era o mais bonito.
As portas se abrem em um silvo. Como se nada mais existisse, me ajusto a realidade temporal e as cruzo, invisível aos olhos dos cegos. Ele estava lá, atrás do balcão, um boné vermelho e um avental, um sorriso cansado e noturno, olhos verde e musgo. A sua frente, um casal de argentinos atípicos e barulhentos. Síbilo morte e ambos tremem e choram apavorados por conta de uma abominação que não estava lá. Síbilo doença e eles apodrecem, mudos, enquanto as paredes da alma imortal se partem. Eles, fracos, morrem por dentro enquanto meu escolhido treme de pavor.
Se movimento vagarosamente para trás do balcão. Os estrangeiros encolhem-se em posição fetal e sangram pelos olhos e ouvidos.
O doce aroma adocicado de míngua mental desperta o caçador em mim.
Tenho tanta, tanta fome.  
Posiciono-me atrás de minha refeição. Embriago-me com o  cheiro de seu suor e suplico por um perdão que não existia. Bebo de sua culpa enquanto roubo sua memória. Ouço sua pulsação e entro na sintonia. Ataco. Mato.
Meus lábios mergulham no mar rubro do ser anônimo de minha vítima. Minha língua toca a alma e lambe a culpa. O fluxo do doce vitae me toma e faz de mim o ceifador.
Em minha consciência, um caleidoscópio. Sinto o gosto de cada promessa e vislumbro os futuros agora impossíveis. O corpo enrijece em meus braços e o coração acelera, implorando por uma misericórdia que não existia em mim.
Seco, ele vai ao chão. A ultima batida de seu peito ainda ecoando em meu ser. Pego um maço de cigarros detrás do caixa, ainda torpe pelo calor da vida roubada. Algo sussurra em mim. Torno-me novamente uma ranhura na ferida do universo, invisível aos além do sangue. Observo a tela de cristal líquido enquanto acendo o cigarro. A fumaça escapava de minha magia. Ela flutuava sozinha, desenhando câncer  e apodrecimento na carcaça inerte do mundo morto.
Um novo som. Culpa. Ele é calado por um rugido interno. “Mais”, gritava o eu surdo a mim. Abandono a loja e me dirijo ao horizonte. Algo pesava no fundo do peito. Carregava o gosto de meu amado no fundo do peito e o saboreava. Havia qualquer coisa de baunilha e passado em sua essência.
Afasto os pensamentos com um esforço hercúleo. Concentro-me no futuro próximo. Uma cidade cairia, um príncipe seria decapitado, A Espada reinaria em mais um pedaço fétido do Brasil. Penso nas outras dez mil mortes de outras dez mil noites. Penso em dez mil noites que estavam por vir e em dez mil sabores de mentes e corpos interrompidos.
Algo em mim grita mais uma vez, em rejúbilo. A parte morta de mim estava satisfeita.
E eu tinha tanta, tanta fome. 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A história de amor dos mortos: Espinhos do caminho

- Como tem passado teu senhor, criança?
- Com a graça do sangue, ele está em paz, meu lorde. Já há umas tantas décadas peregrinamos pela terra européia. Teus castelos são muito bonitos.
- São monumentos do tempo. Da fragilidade da existência e da efemeridade temporal do ser. Cada uma dessas fortalezas um dia será pó e cada deus e cada templo, uma marca oculta nas entranhas da terra.
- Eu compreendo...Perdoe-me se soei ignorante. Meu caminho é diferente do teu, lorde rimador.
- Não tive a intenção de lhe ofender e por isso peço perdão. Não cabe a um sacerdote questionar a visão de outro.
A mulher sorriu, sua pele amendoada cintilando a meia luz da taverna incinerada. A guerra havia passado por ali antes dos vampiros, e o pouco que restava do telhado rangia em um lamento seco e febril. O vilarejo como um todo era uma pequena coleção de cinzas e murmúrios sufocados. Em um canto ou outro ouvia-se um pássaro perdido, mas, além das poucas manifestações de natureza quase-morta, tudo era desolação.
Vasantasena ajeitou as longas madeixas escuras por trás dos ombros.
- Viestes até mim quando eu chamei, lorde abismal. Não me deves desculpa nenhuma, qualquer outro que compartilhasse de seu entendimento teria ignorado meu apelo.
Derek, um corpo de sombras e duvidas, moveu-se em duas dimensões para a parede próxima.Tentáculos membranosos apoiaram-se em restos de mesas enquanto borbulhavam incessantemente para dentro de si mesmos.
- Tu és filha de carne de um rei, és filha de sangue de um amigo querido. Malkav, o sábio gentil, fala por tua boca de profeta. Não cabe a mim, sacerdote das meia-noites, ignorar teu chamado.
- E mesmo assim, lorde tenebroso, não me agracias com a visão de tua imagem de carne.
O lasombra concentrou-se por um instante e deu uma quantidade incerta de olhos e bocas a sua forma de horror oblíquo. Ele mudava, regurgitando a matéria escura do abismo na face indefesa da criação.
- Perdoe-me, filha de Malkav. É parte de um rito. Meu cárcere se esvaiu de minha memória. Eu sou treva e espelho agora, sou  o reflexo de meu interior. Muito tem de acontecer para que eu possa retornar a forma de corpo.Não é por má vontade que me apresento em minha pureza, é por dedicação e oração.
Ela sorriu novamente, abraçando a si mesma, como se tentasse agarrar o calor que fugia em desespero.
- Como bem dissestes, não cabe a um sacerdote questionar a visão de outro. Se perdoares minha indulgência, acredito que seja hora de discutirmos assuntos de maior importância.
- Como queiras, Vasantasena.
Os dois discutiram por boa parte da noite e da seguinte, refugiando-se dos raios libertadores do sol no abraço da terra. Vasantasena era versada em muitos assuntos que para Derek eram uma tremenda incógnita. Ela soube do ataque a casa do pai tenebroso, ele soube do mesmo acontecimento, anteriormente,  por Boukhelpos, mas não era conveniente discutir estes detalhes com sua companheira. Por mais que lhe fosse querida, a cria de Unmada ainda era ignorante do grande esquema das coisas, e era melhor que continuasse assim.
Ela lhe contou também sobre a poderosa insurreição dos jovens, da quebra dos grilhões e da traição dos antigos.Lhe contou sobre o perigo que sua pequena corria, sobre as ambições de Adele e a conspiração do jovem Hrotger. Sobre as guerras que estavam por vir e os doces espólios da vitória. Derek, no silêncio que a idade lhe trouxe, ouviu cada argumento e cheirou cada emoção. Ele olhou nos olhos do futuro e perguntou ao abismo mais de uma vez se seus temores estavam corretos.
Em sua maior parte, estavam.
Ao fim de um longo discurso, a exausta Vasantasena tinha os olhos carregados de esperança. Pálida pela fome, ela repousava deitada no chão, com as presas em riste e a túnica umedecida pela relva.
- Virás comigo, lorde Derek, virás comigo para a capela dos espinhos, discursar sobre a liberdade que poderemos conquistar, caso não tenhamos medo de tentar?
- Receio que devo prezar pela segurança de minha cria, estimada amiga. Por mais que eu compreenda a sabedoria de tua oratória, meu dever como sacerdote tem prioridade. 
Ela suspirou, e o ar expelido dos finos lábios arianos desenhou uma curva branca e lenta na noite, fumaça de pulmões mortos condensada na frieza do lasombra.
- Se a Camarilla continuar a existir e os anarquistas forem derrubados, não vai haver um amanhã para seu culto, lorde magistrado. Suplico-lhe, reconsidere sua posição.
Derek, uno com a mortalha da noite, escorreu e deslizou para perto de sua aliada. O levante do corpo noturno carregou consigo o pouco calor que aquela taverna esquecida ainda ostentava.
- Digo que não. Tua rebelião  é parte de um plano e bem sabemos quais serão os frutos dela. É um lampejo na noite escura. A Camarilla é água e a anarquia é fogo. Alimente a chama antes de pô-la a prova.
- Falas de um futuro que pode não existir, lorde da mortalha sem reflexo. Eu olho para a frente e só vejo escuridão.
- Fostes tu de meu sangue, profetisa, eu lhe ensinaria a enxergar no escuro. Mas não posso, pois esse não é o desejo da noite e teu sangue sacro seria maculado por aquilo ao qual você nunca pertenceria completamente. Peço que tenhas paciência. E isso eu lhe prometo, malkaviana, por mais doloroso que seja a principio, teu legado irá perdurar em sangue e guerra pelos séculos que virão.
- Guerra você diz, guerra por aquilo que nos é de direito, guerra para quebrar o grilhão do laço. Por que isso se faz necessário, rimador dos  perdidos? Tu me forneces tua palavra e isso é mais do que eu poderia esperar, mas ainda não me sinto satisfeita. Meu senhor não se conformará com a necessidade de derramamento de sangue e permanecerá com a Camarilla. Todo meu clã irá sofrer e definhar nas mãos dele e dos outros sábios. Mais uma vez meus irmãos serão párias, serão tolos enfeitando salões decadentes de horrores jocosos cujo único propósito é manter a chibata ao alcance da carne pueril de seus filhos e netos.
- Não cabe a mim julgar teu senhor, que é mais sábio do que eu. O que me cabe é reafirmar meu compromisso como teu aliado e defensor. Meu clã irá ao teu auxílio, Vasantasena. Os Tzimisce também. Faça de teu discurso um rugido e inflame o coração dos jovens. O mundo esta mudando e eles tem isso a seu favor. Seja chama nas veias daqueles que por muito tempo contemplaram a efemeridade frágil do cárcere. Por duas vidas de homem eu fui prisioneiro do laço e bem sei que ninguém deseja existir acorrentado. Estarei contigo, não em carne, mas em poder. Vá e sirva seu destino, sacerdotisa. Vá e pense em minhas palavras. É um grande momento e o que me resta cumprir meu desígnio das sombras.
- Elas são o teu lugar, Derek, velho entre os jovens. Tenho uma ultima pergunta, se for conveniente.
- De bom grado lhe oferecerei qualquer sabedoria que possuir, Vasantasena.
- Os velhos de teu clã, como aceitarão os jovens de nosso movimento libertador? Serão eles diferentes dos tiranos a quem nos opomos?
- Eles já estão em guerra, posso lhe garantir. A convenção é a justificativa de que precisam. A revolta é esperada por aqueles que observam. Precisam de um nome, e nenhum é melhor do que o seu neste momento, pois ele carrega sangue real e visão. Fogo e água.
-Sinto que sou mais uma das ferramentas a dispor dos estratagemas dos velhos, meu amigo.
Derek, imerso em noite, sussurrou para longe em sua língua morta. A malkaviana sorriu fechando os olhos e em um lampejo de inconsciência, deixou de resistir.
- Será feito como designastes, lorde  rimador.
- Não tema. A lua brilha da noite escura e trás a visão aos de teu augúrio. Estarei contigo quando chegar a hora.
A malkaviana dormiu e ao som de uma palavra de feitiçaria, absteve-se do mundo de seus sonhos. A  forma de sombras circulou o corpo inerte e, com um ultimo suspiro, fez com que um filete de nanquim escapasse de si e penetrasse as narinas da indefesa Vasantasena.
A noite liquida gerada pela tenebrosidade a envolveu como um manto, protegendo-a dos raios fatais do alvorecer. O lasombra desvaneceu e deixou de ser e estar.
                                                            .         .          .
Verso de minha obra, lampejo de meu poder.

Por ti canalizo o invólucro que do sul transborda.

Herdeiro de minha mácula,  eterno cetro de minha vestimenta de rei do firmamento.

Espelho de minha forma, navegante do mar de Vênus, escudo do segredo da perpétua consciência.

Chamo teu nome e o faço com a mão esquerda, Derek dos caídos, sacerdote dos desauridos.

Onde estiveres, Derek das meias-noites, ouça o chamado daquele a quem és consagrado.

Onde estiveres, filho de meu sangue, saibas que na noite, tudo nos é revelado.

Uma espada. Um caminho.
                                     .                                     .                                      .
Derek detestava a terra dos ingleses. Era um dos poucos lugares que lhe causava alguma reação que não fosse absoluta indiferença. Em sua primeira incursão ele havia encontrado um velho sacerdote gaulês que lhe ofereceu alguma sabedoria, mas além deste encontro ao acaso, tudo naquele reino apertado e fedorento lhe causava asco.
Ele era agora um pássaro feito da matéria negra do não-ser, sem olhos ou som. Suas asas eram diminutas lâminas negras, cortando a esmo o céu europeu. Vez ou  outra ele se dava ao trabalho de mergulhar sobre um cainita descuidado, cobrindo-o com a derradeira manta nanquim e fazendo-o dormir para sempre no aperto abismal.
O sangue era um carcereiro cruel com o Lasombra. Mesmo com pouco mais de seis séculos, mortais não o nutriam. Certamente que seu poder pessoal era maior do que de muitos outros com sua idade, mas ainda assim, era um preço alto a pagar.
Ele pousou sobre a abadia da sagrada coroa e escondeu sua forma com um dos poderes do sangue. O vilarejo dormia no horizonte. “Thorns”. Em sete meses, seu plano daria os primeiros frutos e os assamitas seriam acorrentados.
A Camarilla, em seus seis anos, não podia existir sem contestação. Era preciso que as fogueiras da inquisição fossem alimentadas ferrenhamente, com sangue jovem e escuro, e que os velhos tremessem de medo em seus castelos.
Lasombra reinava no mundo morto, Tzimisce liderava a insurreição sobre a carne de sua cria, Saulot, perdido em seus sonhos, esperava pelo momento de retornar.
Saulot, gentil Saulot. Derek não podia compreender como demorou tanto a entender o estratagema. Muitos de seus aliados mais queridos tinham o sangue sacro dos iluminados, e nenhum deles seria capaz de tamanha manobra por si.               
Seja como fosse, o fim almejado chegaria e o abismo devoraria toda criação.
Derek pensou por um instante em sua cria, em todas as tristezas e sofrimentos que teria que  ela iria suportar, em toda a mágoa que nutriria por ele. Sussurrou um dos nove nomes de Dagon e  clamou por quietude.
Era hora de organizar prioridades.
Sua cria precisava ser protegida a todo custo, logo, a insurreição anarquista precisaria continuar a sobreviver a inquisição e a minar os recursos da Camarilla e de seus recém-conquistados aliados Giovanni. Eles precisavam de números e ideologia. De ritos que os unificassem e ordenassem, de uma hierarquia que nunca fosse enfatizada diretamente e de um punho de ferro que os controlasse sem que soubessem. Um tirano seria tão bom quanto qualquer outro, então, por hora, Gratiano e algum koldun fossem suficientes. Eles precisariam de apoio dos outros clãs e precisariam também manchá-los com sangue Tzimisce. O rito da quebra de laço cobraria seu quinhão.
Depois, seria preciso dar tempo ao tempo e garantir que o esforço de guerra não fosse desperdiçado em meio a intrigas e maquinações de cainitas ambiciosos. Quando a civilização humana esquecesse do valor da heráldica e a nobreza de sangue fosse substituída completamente por posse material, quando a comunicação fosse veloz e o deslocamento de grandes exércitos fosse possível em poucos dias, ele chamaria o poder e inflamaria a paixão nacionalista em um país em pedaços, erguendo ali sua fortaleza. A Espanha seria uma escolha lógica se seu desprezo pela aristocracia pudesse ser mantido nos séculos seguintes, mas ela era uma solução de curto prazo. Quando a lâmina da igreja se tornasse cega, o reino todo ruiria. A Germânia, por outro lado, seria muito mais adequada a esse propósito, caso fosse exaurida o suficiente de seu orgulho e poder.
Sim, a Germânia, em um futuro podre e virulento, em guerra contra o mundo, em ruínas. Ela seria a base final de seu poder e a catalizadora do fim. Sua cria, a pequena Adele, seria rainha no mundo morto e ele, sacerdote dos abortados, teria seu merecido descanso.
A oeste,  em outro país, um lorde Ventrue conspirava com seus asseclas. Eles também sabiam do que estava por vir, e se esforçavam para mobilizar recursos e riquezas para os confins da terra. A Europa estava prestes a se tornar uma gigantesca ferida putrefata na história cainita, e muito precisava ser feito para garantir que algo restasse da convenção.
Em Moscou, uma velha Tzimisce despertou de seu sono com um rugido que calou os céus. Ela chamou a carne molhada da terra para si e tomou forma de cervo. Kella pôs-se a marchar e a matar. Para ela, seria uma longa jornada. Para Derek, mais uma vez perdido na imensidão de seus pensamentos noturnos, seria um eterno embate.
A história cainita estava prestes a se reinventar e ele, lorde rimador, alto sacerdote das meias-noites, seria a força motriz por trás de cada evento. 

Uma espada. Um caminho.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tripas - Chuck Palahniuk

Saudações, queridos leitores.

Um pequeno aviso: Esse conto não é para todos. Se você por acaso acha que minhas histórias são gore demais, vá para outro post. Essa aqui é muito, mas muito pior. Sério.

Nesta quarta-feira ensolarada, resolvi fazer um post que, em vários aspectos, é diferente dos meus habituais. Primeiro, por que não é um texto meu, segundo, por que não fala sobre vampiros, e terceiro, por que é muito mais bizarro e pesado do que o de costume.

Sim, é uma obra prima da destruição de convenções sociais, fruto da mente psicótica e doente de Chuck Palahniuk, autor de clube da luta.

A história a seguir é um conto do livro "assombro", que minha querida Anna me emprestou alguns meses atrás e que eu tive a felicidade de encontrar na internet. Reza a lenda que mais de setenta pessoas desmaiaram as leituras deste controverso e apaixonante texto, que com uma frieza e sarcasmo brutais, espoem de maneira crua e sádica situações bizarras que só seres tão mesquinhos e degenerados quanto nós, seres humanos, são capazes de propiciar.
Boa leitura.




Um amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar. Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos vendo a grande noite que ele preparou.

Então, esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para um bolo de cenoura. E vaselina.

Como se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.

Em casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.

Então, esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para descer, naquele momento.

Ele remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas debaixo da cama.

Depois do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.

Esse amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário. Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para dar um nome.

As pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês: esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa….

Enquanto você desce as escadas, então – mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter dito. A réplica mais avassaladora.

Esse é o espírito da escada.

O problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que você pensa ou faz.

Alguns atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem discutidos.

Agora que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais o encontravam, uma toalha enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos, intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.

Outro amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, na qual o mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o cabo dentro, e isso os faziam gozar melhor. De forma mais intensa.

Esse irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em russo. Dicas de punhetagem.

Depois disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque ele está no hospital.

Ele tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas. Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.

Pelo telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa, no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.

Chapado e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o trabalho.

Até mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos. Eles reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase gozando quando percebe que a cera não está mais lá.

O fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue sentir a cera dentro de seu pau.

Das escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.

Depois do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.

O garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir campainhas, pessoas gritando. Game shows.

Os raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga. Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo. Está ficando maior e mais expesso, coletando cristais de cálcio, está batendo lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina. Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.

O garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam. Sobre o que o seu irmãos mais velho da Marinha escreveu.

No telefone, nesse momento, ele começa a chorar.

Eles pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.

Enfiando coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.

O que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por dois, três, quatro minutos.

Só de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava, meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.

Depois disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.

Esse era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava ficando gorda e dando a luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas nais quais você não se preocupa que te pegam.

A melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte era ficar pelado e sentar nela.

Como os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cú chupado? Mesmo assim, num minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.

Num minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado, aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.

Num momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão no trabalho e minha irmão no balé. Ninguém estará em casa por horas.

Minhas mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento no fundo.

Faço isso de novo, e de novo.

Deve ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cú sendo chupado, eu não preciso de mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul, meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.

E então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.

Médicos de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente fica. A maioria na Flórida.

As pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não estou chegando para fora da água também.

Ainda nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no meu ouvido fica mais alto e mais forte.

As brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água, que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de alguma refeição semi-digerida.

Só há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da piscina, só esperando para me comer.

Então… eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento, mas ainda segurando firme no meu cú. Com outro chute, estou a centímetros de conseguir respirar. Ainda sentido a cobra presa no meu traseiro, estou bem próximo de escapar.

Dentro da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e ácidos graxos Ômega 3.

Ver essa pílula foi o que me salvou a vida.

Não é uma cobra. É meu intestino grosso e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.

Os médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão. O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de 180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.

O que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins e ervilhas.

Essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou, mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.

Deus proíba que meus pais vejam meu pau.

Com uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.

Se você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá para segurar.

Uma camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.

Você então vê contra o que eu lutava.

Se eu largo, sai tudo.

Se eu nado para a superfície, sai tudo.

Se eu não nadar, me afogo.

É escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.

O que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo curvado. Mergulhado na árgua turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta dele, gotas gordas de esperma.

Ou isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue, morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.

Algo sobre o qual nem os franceses falam.

Aquele irmão mais velho na Marinha, ele ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…,” os russos dizem, “Preciso disso como preciso de dentes no meu cú……

Mne eto nado kak zuby v zadnitse.

Essas histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem, qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que morrer.

Droga… mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.

Senão, o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cú. Se você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de novo.

Não é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não comeriam mais frutos do mar.

É difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a cozinhar ovos pochê.

Todas aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim….

Precisava disso como precisaria de dentes no cú.

Hoje em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e encontro aquilo intacto na privada.

Depois que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei mais do que pesava aos 13 anos.

Outro problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia, “Aquela porra daquele cachorro era maluco.”

Mesmo do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para deixar aquele cachorro sozinho por um segundo….”

E então a menstruação da minha irmã atrasou.

Mesmo depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso meus pais nunca mencionaram mais isso novamente.

Nunca.

Essa é a nossa cenoura invisível.

Você. Agora você pode respirar.

Eu ainda não.