quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

História de amor dos mortos - Um sonho na noite escura


De pé no salão de sombras, Derek sonhava.

Em algum lugar muito distante havia um velho profeta que pensava nele. Era uma criatura de poder e idade avançadas, que via além das paredes e escrevia em sua pele pedaços da história do fim. Nessa história, sua pequenina estava feliz e completa, e a promessa era finalmente cumprida. O céu era negro e vomitava lamúrias sobre todas as conquistas e todos os desejos dos homens, e o universo morria. Em outro canto do sonho, havia um louco e sua bola de cristal. Ele a observava por horas e fio enquanto procurava por segredos místicos que o levariam ao outro lado do espelho. Um dia ele encontraria essa chave, e se arrependeria amargamente de ter desejado saber mais. Derek o veria no abismo. No norte, sempre no norte, estava a espada feita de sangue e juras. Guerra, destruição, vidro partido e sorrisos rasgados no rosto dos caídos  Os Tzimisce se levantavam, e junto com eles iam as hordas de carne que estupravam a sanidade e a paz de todos os infelizes que cruzavam seu caminho. E sempre havia o sul.

Lá onde estavam seus irmãos o pesadelo dormia. Uma fortaleza feita para o fim. Quão estúpida era essa ideia? Difícil precisar, mas uns tantos poderes da casa dos guardiões acharam digno de seu status opor resistência simbólica ao plano mestre do pai ancestral. Derek havia protestado contra o projeto desde o princípio  afinal os esforços necessários para a construção da темная ночь drenaram a atenção de quatro dos sete conselheiros por quase noventa anos, e mesmo assim ela ainda estava incompleta. Era certo que estaria pronta antes do fim e é certo que ela serviria de estandarte do poder do clã pelos séculos seguintes, mas ainda assim era um preço alto a pagar.

Ele suspirou e já não estava mais lá onde tudo se perde. Ele via um tumulo na beira de uma estrada esquecida pela criação. O astral. Encostado a lápide estava um corpo de criança com o peito desnudo e em carne viva. Havia um buraco no lugar que deveria ostentar um coração pulsante. Ela não tinha face e nem cabelos e de suas mãos pequeninas uma rosa de nanquim pendia sem vida. Os dedos sangravam um líquido viscoso e escuro e a palidez da pele era acentuada pela perpétua vibração escarlate da encruzilhada sem-mundo. Ele sabia que era Adele. O guardião se aproximou calmamente e levantou o rosto sem forma. Era liso, macio. Seu polegar roçou o queixo que não devia existir e a pele da menina se rompeu em um estalo de ossos e carne molhada e da boca sem lábios um som se projetou.

"Eu te esperei, meu pai, meu amante, eu te esperei mesmo quando você gritou que iria embora para nunca mais voltar. Eu te esperei e te odeio".

O rosto estava se encharcando em sangue vivo e Derek se concentrava para não gritar. Ele já tinha tido esse pesadelo antes e sabia como acabava.

Os céus começaram a cair como cartas de baralho. Pedaço a pedaço, eles desciam em flashes caleidoscópicos e explodiam em uma miríade de pedaços ao se chocar com o chão. Adele sorria. A lápide foi engolida pela terra que não estava mais lá enquanto o que restava do mundo continuava a ser devorado pelo branco eterno da inexistência. A luz o ofuscou e o nada lhe queimava a retina. Ele caiu de joelhos sentindo a pele ser dilacerada por chamas mais impiedosas do que o próprio sol enquanto o medo vermelho o tomava e cegava sua vontade. Ele tentou gritar mas o ar já não estava mais lá para inundar seus pulmões. Ele tentou chorar mas suas lágrimas viravam fumaça antes de deixarem seus olhos. Em um ultimo vislumbre, ele contemplou o vermelho que beijava o peito aberto de seu amor. E então o guardião levantou o rosto.

Adele sorria.