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quarta-feira, 27 de março de 2019

Sofia & Jazmín


A mata era fechada, fria e cheia de remorso. Era madrugada e a lua sufocava em meio a nuvens negras e famintas.

Duas mortas avançavam por uma trilha errante em direção ao templo. Estavam cansadas e tinham sede. A primeira hávia perdido parte dos lábios no último combate. O corte ia da base do queixo até a orelha. Três foram as garras que a mãe-terra usou para sua vingança, três os talhos no rosto de Sofia.

“Se Patrick estiver errado, e a coisa não estiver aqui, vamos precisar de um novo sacerdote”, disse a vampira, usando um pedaço da manga arruinada da jaqueta de couro para limpar a ferida. Sua companheira, intocada pelas garras de Gaia por conta de sua feitiçaria, limitou-se a sorrir.

Elas caminharam até os primeiros raios de sol despontarem. Traçaram as linhas de proteção e chamaram os nomes que seu sacerdote havia lhes ensinado. O poder se manifestou e a terra lhes acolheu, protegendo-as do abraço de Apolo e da morte-em-dia.

Na noite seguinte elas caçaram. Encontraram uns poucos nativos e uns tantos mosquitos. Algo não as desejava lá, algo antigo e poderoso. Seguiram pela margem de um rio sem nome e sacrificaram uns tantos pescadores - suficiente para os rituais de cura e para os ofícios sacros, mas não para o que lhes mostraria o caminho correto.

Na quarta noite, Sofia sentiu cheiro de fé. Jazmín, a feiticeira, fez-se sombra e desvaneceu. Sua mágica fez com que ela fosse uma espiã eficiente. Ela desenhou com gravetos secos e sangue obtido em holocausto os nomes de Dagon e de seus súditos em volta do templo. Nada abandonaria o altar sem que ela soubesse.

Sofia, Ductus do bando, líder sacramentada e caçadora veterana, usou do poder de sua herança em morte para enxergar além da realidade imediata. O que ela viu garantiu a segurança do sacerdote do bando.

O templo era um círculo de rochas perfeitamente redondas. No centro deste, uma única efígie construída com barro e folhas secas. ‘Aqui moram as bruxas’, pensou a Gangrel. Aqui mora a chave do ritual.


*********

Jasmín estava confusa e frustrada. Ela leu as histórias das bruxas Catarinenses, e o que encontraram não se parecia nada com o material de referência.

Ela esperava uma das potestades mortas de panteões esquecidos, um metamorfo de uma linhagem ancestral, talvez até alguém das cortes do outro lado. O que encontraram foi, de fato, um morto.

Quando a meia-noite rugiu e o altar reagiu com a mágica inerente do local, a efígie se retorceu em diversos ângulos até partir. A terra se abriu e o ritual de contenção da Lasombra surtiu efeito imediatamente - Quando o vampiro enterrado levantou-se da sagrada sepultura, só teve tempo de mostrar as presas antes de ser imobilizado pelas membranas negras do mundo morto.

Ele era antigo e tinha cheiro de sal. Não possuía roupas, cabelos ou olhos. Suas mãos estavam amarradas com contas de oração e trazia no pescoço um colar de ferro negro. Suas presas eram seus únicos dentes, enormes e amarelos e as órbitas vazias em sua face pareciam perfeitamente conscientes do ambiente que o cercava.

Sofia aproximou-se cuidadosamente. Apanhou um punhado de terra do chão e o cheirou. Sussurrou um encantamento que fez com que seus olhos se focassem em outro tempo e lugar, após isso, lambeu a terra, saboreando-a lentamente. Jazmín fez-se em um corpo de trevas e deslizou pelo chão até estar ao lado de sua líder.

“ Ele é velho. Acho que não sabe mais quem é. O que acha?” Disse Sofia.

Jazmín fez-se corpórea novamente. O vampiro possuía símbolos estranhos e antigos no peito.

“ Acho que ele não parece ser uma bruxa e que precisamos de sangue de bruxa.”

O vampiro sorriu. Ele não estava lutando contra os tentáculos que o seguravam, seu único movimento era dos pulsos que pareciam feridos pelo rosário. Eles tremiam incessantemente.

“Tolas, tolas é o que são” Ele disse. A voz era grave e rouca. Carregava um sotaque pesado e antigo que pertencia a outra época e lugar.

A Gangrel cuspiu a terra da boca e sacou uma estaca de madeira compacta do cinto. “Quanto tempo sua magia vai mantê-lo preso, Lasombra?”

Jazmín acariciou seus olhos com a mão esquerda por um instante. Quando os abriu, eles eram negros como piche e transbordavam por seu rosto.

“O suficiente”.

*********

A Lasombra usou de sua adaga ritual com destreza e graciosidade. Traçou no pescoço do velho morto um símbolo de contenção e alimentou o feitiço com uma gota de seu sangue escuro.

O vampiro sibilou e exibiu sua língua bifurcada voluptuosamente. O vitae lhe chamava e a besta que o habitava rugia. Sofia estava de prontidão, com a estaca em punho. A noite era fria e tinha cheiro de sal.

“Estamos em segurança,, irmã. Minha magia é forte e esse cainita tem fome demais para se opor a ela”. Disse Jazmín. O morto levantou uma sobrancelha, sutil demais para que elas percebessem.

“A língua bifurcada me leva a crer que ele foi punido por mortais, mas a falta de olhos me diz que seu capataz sabia o que estava fazendo” Respondeu Sofia.

“O rosário nos pulsos possui um poder que não compreendo. Quem fez o ritual possuía os dons, mas não orava na mesma direção que nós.” Jazmín tocou o rosário com as pontas dos dedos e, um instante depois, foi arremessada por vários metros e se chocou com uma árvore. O velho morto sorriu.

“Vocês não são de minha carne, não são versadas neste mistério. Meu sangue é o sangue dos senhores dos Cárpatos e essa terra pertence a sagrada espada de Caim.”

Sofia segurou Jazmín enquanto ela se levantava. Algumas costelas haviam cedido, mas nada que não pudesse ser consertado.

A Gangrel chiou e seus olhos brilharam em um amarelo febril. “Se ele é o que diz ser, Diana vai querer que ele morra. De qualquer maneira, acho que deveríamos nos livrar dele.”

O velho grunhiu “Uma de vocês é guardiã, vocês são do Sabá. Vocês devem me prestar referência.”

Jazmín puxou a estaca das mãos de Sofia. “Seu sabá morreu por causa de déspotas como o ‘senhor’. Seus herdeiros apodrecem em uma guerra em outras terras por que a realeza morta de Caim insistiu em títulos e honrarias ao invés de nossa guerra. Não lhe devemos referência, lhe devemos nojo.”

A estaca parte a carne com a leveza de um beijo. Era encantada e sacramentada para ritos de caça. O velho morto tenta vociferar uma última maldição mas seus lábios inchados tornam-se inertes e incapazes de moldar o ar. Jazmín morde a própria língua e cospe sangue sobre a ferida, que imediatamente começa a queimar. A Lasombra usa o poder do vitae e ordena que as costelas partidas se costurem. Ela estava cançada e irritada.

Sofia segurou o morto pelas pernas e começa a arrastá-lo pelo mato. Jazmín a segue sem questionar. Após várias horas pela mata voltaram a cabana de pescadores em que cearam anteriormente. Um policial estava investigando a chacina, atônito. Foi assassinado e devorado. Com o novo carro, continuaram por trilhas incertas em meio a floresta, carregando o troféu de sua caçada no porta-malas. As noites eram incertas, inquietas. As duas sabiam que estavam sendo observadas, mas não conseguiam descobrir quem era o perseguidor.

Na noite seguinte, trocaram o carro de polícia por uma ambulância. Os socorristas que tentavam ressuscitar uma idosa infartada não foram uma ceia particularmente agradável, mas foram o suficiente. Estavam se aproximando de Florianópolis agora, prontas para encontrar seu sacerdote e sua guerreira e obter as respostas necessárias do cadáver ancestral que dividia a maca com uma senhora sem vida.

Sofia havia roubado o telefone do antigo motorista da ambulância, e usou-o para chamar Diana, sua amada e querida Tzimisce, assim que ele obteve sinal.

“Diana, meu bem, temo que nosso passeio não tenha ocorrido como o planejado.”

“É uma pena, meu amor. Patrick está tão irritado com esse lugar, vai me deixar maluca. Nada de bruxa então?”

Diana tinha uma voz doce, frágil e quase teatral. Nada nela revelava que ela era uma açougueira monstruosa e a capataz de uma dúzia de imortais. A Tzimisce possuía uma crueldade alienígena que rivalizava com a dos anciões do clã dos demônios.

“Encontramos um parente seu. Um bem antigo. Esta empacotado na carroceria.”

Houve uma leve pausa, seguida por uma risada deliciosa e exagerada.

“De todos os buracos do firmamento, ele foi se esconder aqui? Pois o traga, tenho certeza de que ele vai adorar dançar sobre o luar conosco, com nosso novo sabá.”

“Ahn...Certamente. Tiveram sorte com o Toreador?”

“Tenho certeza de que a boca dele está aqui em algum lugar, mas ele não parece muito disposto a conversar.”

Sofia desligou.O Tzimisce captivo certamente não adoraria os ritos que Diana tinha em mente. Patrick certamente faria com que ele se tornasse a mais bela boneca de vodu nas américas e com alguma sorte Jazmín não teria uma visão profética exigindo o sacrifício do ancião.

Independente do resultado, ele estava condenado. O rito precisa continuar e o velho patrono precisa ser encontrado. O Sabá morreu para renascer, e o antigo rimador guiaria a espada de Caim na guerra que está por vir.



quinta-feira, 9 de julho de 2015

O guardião de meu irmão

Meu ofício de sacerdote me trouxe até você. Afinal, não sou eu o guardião de meu irmão?

Chamo a treva e faço dela minha veste. Abandono o corpo e mergulho em pensamento. Sou uno com a singularidade que habita os espelhos dos caídos.

Clamo pelo poder invocando uma palavra morta e alcanço a visão. Uma criança esta sozinha e sua mãe esta sofrendo. A mãe sofria por não mais saber sentir e a criança chorava por ter fome e frio.

Extendo meus braços infinitos e toco ambas em realidades as quais elas eram alheias. O sangue se manifesta na mãe, protegendo pensamentos pesarosos e desejosos proibidos.
A criança, indefesa, treme e se encolhe. Eu e a vejo e a beijo e a conforto.

"Tú que és negra em sua semente, que sentou-se a minha mesa e bebeu de minha taça, por que choras? Acaso não se recordas que comungastes com a vontade do rei do firmamento? Tudo que tua alma alcança lhe pertence, pequenina, tudo que teus olhos de artífice imaginam existe em seu interior. Eu sou teu sacerdote, sou seu guardião, e ofereço-lhe minha mão direita. Aceite-a e venha até mim, e juntos questionaremos tuas trevas a cerca de teus tormentos. Tua vontade é soberana em teu corpo. Tú que és mais viva do que eu, levante-se e aceite meu convite."

Ela se agita, confusa. Seus olhos estavam manchados de vermelho e ela soluçava. Eu não sabia mais soluçar ou chorar. Eu estava completa e verdadeiramente morto, uno com a verdade que se esconde atrás dos espelhos.

Joan se levanta, trêmula e nua, e começa a caminhar pelo velho refúgio. Ela virá até mim com seu silêncio e sua mágoa, virá até mim com o amor que sente por minha doce irmã, e eu ouvirei, como sempre faço. Eu a ouvirei e pedirei ao abismo pela sabedoria necessária para servir a minha fiel.

Tomo forma de carne e ordeno que o sangue me aqueça. A fome ecoa em mim e mentalizo antigos campos de romaria. Penso nas grandes mortes e nos festins de carnificina de meus dias de jovem aprendiz.
As fogueiras dos rituais certamente que ainda ardiam, para outros pastores e outros rebanhos, e todos eles sentiam-se tão frágeis e despreparados para a guerra vindoura quanto eu.

A maçaneta gira e a porta de meu templo se abre. Chamo por Dagon por instinto e a luz que havia em mim morre gritando. Minha irmã entra, abraçando a si mesma e clama por meu nome.

Eu respondo criando uma tábula de treva ao lado dela e dizendo "Deite-se, irmã, deite-se e me conte o que te aflige."

Ela obedece. Todos sempre obedecem. Minha vontade não pode ser questionada em meu templo. Ela fecha os olhos e descansa seus dedos entrelaçados por sobre suas pernas lisas e pálidas.

"Perdoe-me por interromper sua meditação, Adalbrecht. Sinto-me confusa e não sei como proceder."

Sua voz era de uma docura doente. Leve e bela como só os jovens sabiam ser. Mordo meus lábios e umedeço as pontas de meus dedos no sangue quente da ferida. Na testa de minha protegida, gravo a runa de Phobos.

"Acaso não sou eu teu guardião, criança?"

Ela começa a falar e eu me faço vontade e oração.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Prelúdio noturno para o grande levante

“Esta feito, minha senhora.”
A templária se levantou. O cabelo negro e liso ainda manchado pelo vermelho do combate. A seus pés, morte e miséria. O bispo havia se provado indigno de sua posição.
Adele acariciava seus próprios cachos cor-de-ouro com a mão esquerda, as maçãs do rosto estavam pálidas pela sede e seu vestido de festa havia sido arruinado, atingido em mais de um lugar pelos fragmentos de uma granada rebatida pelo definitivamente-finado bispo de Stuttgard.
“Sinto-me...vazia.” A pequenina mordeu o lábio inferior delicadamente ao falar. Sua voz baixa pairou como um suspiro pelo estacionamento. Ela encarou as paredes e os carros quebrados e os vidros partidos com pesar.
A cidade lhe era estranha , suja. O brujah despedaçado a seus pés havia questionado o julgamento da Priscus abertamente e por isso havia morrido, mas a vitória não trouxe a Adele nenhuma satisfação.
Algo a consumia já a algum tempo. Um desejo de liberdade que urrava e esperneava e era açoitado mais e mais ferrenhamente a cada noite, a cada rito, a cada movimento nas cortes de sangue.
“Rainha de meu sangue, se é alimento que desejas, o providenciarei” Disse a templária.
Mesmo em pedaços, ela era firme. Sua armadura noturna havia se dissipado no combate. Ela estava nua em sua palidez gloriosa, perfurações rosadas afligiam-lhe o ombro esquerdo e uma das mãos havia sido quebrada , fragmentos amarelados de ossos escapavam-lhe pela palma e os dedos estavam torcidos em ângulos improváveis.
“Não é a fome que me aflige, espada de meu poderio. É a fadiga.” Respondeu a Lasombra, pensativa, caminhando nas pontas dos pés divisando os restos sangrentos do inimigo abatido.
“Nomeie o que desejar, minha senhora, e será feito.” Disse a confusa templária, enquanto reatava os ossos e fazia seu corpo cuspir as ultimas balas.
“Vamos para Munique, minha campeã. Exigirei do velha profeta as respostas que ele me deve. Levante a hoste e convoque meus subordinados, é tempo de levar o martelo e a foice aos aliados de meu sire.”
A ultima palavra foi expelida com pesar. Adele não desejava mais guerra, mais batalhas. Ele não tinha cobiça real por mais poder ou domínios, mas era necessário. Era o caminho que ela sabia trilhar.   
“Será feito como ordenastes, minha senhora.” Respondeu a templária inabalável.
                                                                              .....



O lugar era o nada, e no nada existia uma torre.

Um corvo cego pairava na unica janela e sangue escorria de seu bico.

Quando as gotas tocavam o beiral, as pedras fumaceavam.

O sangue era preto e tinha cheiro de morte.

Dentro da torre dormia um mago feito de carne e sonhos e espelhos e essas coisas de que magos são feitos.
 
Ele dormia por estar cansado. Por muito tempo o mago fez torres em lugar nenhum e elas nunca foram altas o bastante.

O céu era preto e tinha cheiro de morte.

Em algum lugar no céu havia uma torre.

Na torre, um corvo cego pairava.
...



Continua.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O espelho do mago - Ato 1

Uma pequena história sobre um favor prestado a alguém que não pertencia ao sangue e a interação entre meus Lasombra e meus Malkavian, em três partes









Sou movimento, oblíquo e inconstante.
Mergulho minha Forma Espelhada na realidade primária. Um corpo a quem pertence minha vontade. Penso, manifesto, faço-me carne.
Encontro-me em um lugar enlouquecido. Sons mecânicos ecoam por corredores amarelados que cheiravam a urina e inconstância. Uma presença quase-morta me acolhia. Um eco jovem,um sussurro de consciência mordiscando a mortandade.
Deslizo por salões inquietos. Em meu caminho, mortais em vestes brancas tremem de pavor. Um coração para em algum lugar. Eles são cegos a minha presença, mas ainda conseguem me sentir.
Alimento-me de pensamentos fragmentados e absorvo horrores escondidos em mentes  oprimidas. Vejo nomes de poder e manifestações mesquinhas de ego e pretensa razão.
A vastidão quimérica do labirinto de corredores me absorve. Mil aromas alienígenas me cegam e chamo o poder para encontrar o caminho.
Em meu peito podre pulsava a fome e a dor corpórea. Eu já não mais sabia andar com a graciosidade de outrora, não mais sabia caçar aqueles do sangue que me serviam de verdadeiro sustento. O preço pelo invólucro de carne era alto.
Enfim encontro o quarto do escolhido. Atravesso o beiral da porta aberta e sou surpreendido pelo choque da aura.
Ele estava lá, pequeno e ossudo. Um garotinho, não mais velho do que Aquela que me é preciosa   era no dia em que a trouxe para a noite. Era pálido, fétido e doentio. Não tinha cabelos e sua pele purulenta parecia estar desgrudando da face. Nos cantos da boca, feridas oleosas e vermelhas se faziam presentes. Estava sobre uma cama imunda em meio a fezes e restos de comida.Um dos olhos era branco e oleoso, o outro era cinzento e semicerrado. Estava morrendo e por isso podia me contemplar.
“Você é o diabo?” Disse a voz errática da criança. Ele não tremia e não dava sinais de que desviaria o olhar. Me aproximo e ele não recua.
“Eu sou Derek e empunho o cetro do rei do firmamento, e ajo em seu nome. Sou Lasombra, rimador da hora tardia e sacerdote do fim de tudo.” Respondo em um tom mental que só os despertos sabiam ouvir. Tento mover meus lábios, mas já não me recordava do processo que formava palavras em carne.
 Eu tinha tanta fome.
“O que quer de mim? Eu juro que não fiz nada” A sobrancelha do olho vazado e os joelhos se levantam. Ele abraça as pernas e apóia o queixo nos joelhos.
“Eu venho em nome do avô de teu avô, que uma dia foi meu aliado. Tenho um dever a cumprir com aqueles de sua descendência.”
Rugidos metálicos ao longe, gaiolas se abrindo e animais regojizando. Uma luz vermelha piscava. Um coração pulsava pela ultima vez. Sangue ralo e sujo era derramado, não longe de mim.
“E...eles vão vir me pegar. Va-Vão  me machucar e e-eu não q-q-quero” A criança chorava agora. Ela não cheirava a medo ou desespero, só mágoa e ódio.
“Você esta desperto. Eles não podem te ferir. A carne é só uma casca.” Minhas palavras não surtiam efeito. Não fosse ele descendente de Tethanon, eu violaria seus pensamentos e o forçaria a entender. Mas eu não podia. Sua mente estava ferida e além do meu alcance.
“E-eu...eu não posso fugir, não tenho pra onde fugir” Negação. A condição natural da mortalidade
“Você não esta preso. Não existem paredes além dos espelhos, e os espelhos se curvam diante daqueles que olham para si mesmos. Não existem muros ou portas ou grades, olhe-se no espelho e entenda o caminho.”
Minhas palavras finalmente o tocam. Seu rosto se levanta e pende para os lados como se estivesse solto do pescoço. O olho bom gira para trás e a língua, suja e fibrosa, escapa pelo canto da boca. Ele baba antes de começar a rir histericamente e ouço passos se aproximando.
“MAS...O ESPELHO...ESTA QUEBRADO”



Continua.

domingo, 25 de janeiro de 2015

História de amor dos mortos: O não-estar

-- Breve texto sobre misticismo do abismo em ação no Astral. --

Era tarde e eu estava morto.
Eu era torre de Noite Escura. Já não tinha um corpo de carne há muito tempo. Não me recordava do que costumava ser e sentir.
Eu estava em um lugar sem cor. Uma floresta insana perdida na inexistência. O Astral. Ao meu redor, estranhas macieiras ossudas despontavam a esmo. Seus frutos eram corpos infantes  e inchados. Eles viviam, moribundos, e murmuravam versos de decadência em uníssono.
Cordões de prata ligavam os frutos-crianças, eles vibravam a cada novo verso, como se puxados por um titereiro invisível, a supra vontade do não-existir, o além das consciências, o vento no fim do tempo.
Torno-me pensamento e ação. Crio o Verbo e chamo o Poder. Deixo de Permanecer e me vejo em uma encruzilhada entre muitas pontes e muitas vontades. Projeto o caminho em dimensões que não mais existiam e, no Escuro, invoco meu direito de sacerdote.
A noite nasce além do firmamento e as pontes são engolidas. Treva líquida borbulha em dimensões não existentes e os caminhos sangram. Sinto a dor dos mundos que poderiam ter existido mordiscar minha alma condenada. Uma infinidade de gritos sufocados no carrossel do inevitável. Portões violados e selados.
Algo morre no horizonte inalcançável. Eu suspiro e meu caminho se torna verdadeiro. A mandíbula do abismo se abre e o piche etéreo se torna condutor da verdade. Finos braços de nanquim escapam pelo portal. Manifestações do sangue, manifestações do poder.
Uma velha vontade ruge e o feitiço se completa. Aquela região era agora consagrada aos Verdadeiros Mortos Abortados.
Em outro plano, em outro tempo e lugar, um homem pequeno enlouquecia e clamava pelos Antigos. Projeto meu nome em sua mente e ele me pertence. Instruo-o no caminho. Ele faz sacrifícios de sangue para Dagon e oferece seu corpo em holocausto.
Concentro-me no conceito da ausência do sopro. Evaporo. Torno-me uma entidade do não-estar.
Morro.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A história de amor dos mortos: prelúdio para uma viagem noturna

Derek sempre sentia que estava esquecendo de alguma coisa que para alguém vivo seria muito importante.
Ele atravessou a rua da metrópole como se nada mais existisse. Invisível aos mundanos, cada cheiro e cor lhe era uma lembrança dolorosa.
Munique era velha e, como todas as coisas vivas, estava morrendo.
“Eu acredito no ódio” Lhe disse sua pequena companheira improvável. Os amantes não vistos pararam por um instante em uma grande praça aberta, de mãos dadas, escolheram um banco protegido das luzes mecânicas da noite e ali permaneceram, Adele no colo de seu senhor.
“ Acredito que já debatemos a respeito em um século passado, minha criança.” Sua voz soou mais melancólica do que ele desejava. Gotas de nanquim sangravam na realidade próxima e as flores apodreciam gritando horrorizadas.
“De fato, meu amor. Na terra dos gregos, quando encontramo-nos com a Helena. A rosa velha. Ela disse-me que somos paixão e fome,  discordastes e fizestes de nossa estadia uma lição. Afirmastes que eramos egoísmo e carne, que a paixão de nosso vício era uma manifestação negativa de algo que fomos quando vivos, caçadores, e que os séculos nos moldavam tanto quanto permitimos. Hoje eu descordo do senhor.”
Derek ponderou. Seus olhos se fecharam e uma voz morta lhe sussurrou pedaços de insanidade. Ele a calou com um abano dos dedos e desejou que houvesse treva.
O pequeno espaço foi tomado de assalto pelas vísceras pretas do mundo caído. A pouca vegetação que resistiu a presença profana da criança morreu gritando. Não havia  som e tempo, e o antigo finalmente sentiu-se em paz. Ele tocou a mãozinha diminuta de sua amada e beijou sua orelha. Ela se eriçou e se esticou, seus cachos dourados roçando o queixo fino do ancião.
“Você diz que somos ódio por ele parecer natural a nossa essência, criança minha. Quando assume tal fato me leva a pensar em um dualismo torto e romântico, em que tenhamos um oposto exato de amor. Creio que isto seja muito improvável. Poucos de nós de fato melhoram ou pioram com o tempo. Deixados alheios a nossas filosofias, permanecemos estáticos, por mais cruéis ou viciosos que sejamos. Criamos os caminhos ou somos levados a eles em uma tentativa desesperada de fugir da estaticidade aterradora de nossa maldição peculiar. O culto ao sangue, a carne, a noite... Cada um tem suas promessas, mas sabemos que, no fim, fomos nós que criamos uma ordem hierárquica de leis e tradições que mantiveram nossa sanidade e integridade ao longo dos séculos. A chama humana de nossos inimigos, o que seria se não uma negação de nosso eu interior, o ‘self’ daqueles judeus esquisitos dos livros que você tanto ama?”
Adele sorriu e apertou a mão de seu senhor. O toque suave lhe trouxe memórias de outros tempos, de todos os anos malditos que passaram distantes por todos os motivos errados do mundo.
“Creio que não me expressei adequadamente, meu Derek.” Uma pequena pausa, um comando mental para um escravo em outro continente. “Acredito no ódio por que é ele que sinto em mim quando chamo o poder. Em algum momento eu fui uma criança oca, um pedaço de um nada. Esses judeus esquisitos que tanto desprezas tem teorias das mais interessantes a esse respeito. Somos moldados pelo meio, enquanto vivos, enquanto mortos, temos a perda deste molde  de forma gradual, e o definhamento não é atenuado pelas filosofias de morte, como dissestes, ele é disfarçado. Você se lembra do nome de sua mãe de carne? Certamente que isso foi importante um dia. Certamente que teu ofício de sacerdote e teus muitos invernos de abismo lhe tomaram essas memórias preciosas. Quando eu era jovem, você me confessou que sua mãe lhe deu um cobertor  em uma noite cruel, e que isso acabou matando-a. Por muitas noites, eu rezei escondida, agradecendo sua mãe por isso enquanto dormia em seus braços. Você teria me repreendido se eu tive lhe confessado isso na época, não? Mas estou divagando, perdoe-me. Sua mente é invulnerável a tudo exceto a seu próprio ego. Você escolheu esquecer dessas coisas, e escolheu não esquecer de mim. Você escolheu esquecer das cores do mediterrâneo para que pudesse se maravilhar com elas novamente caso viajássemos juntou outra vez, e escolheu não esquecer jamais de alguém que um dia lhe feriu, mesmo que tenha o destruído em uma era que o tempo engoliu. O mundo não se recorda de Naboslav, o cruel, mas Derek, meu sacerdote, o mataria mil vezes mais porquê isso satisfaria seu ego, mesmo sendo uma negação do caminho. Você, como eu, é amor e ódio, meu Derek, pois estas são as únicas verdades que nos mantém sãos.”
Derek desvaneceu e se fez noite. Seu ser uniu-se a treva conjurada e a engoliu, e ele tornou-se um ser líquido de sombra e horror. Adele seguiu os passos do mestre e tornou-se, também, o espelho do mundo morto.
Ele era uma coisa fria e pavorosa. Uma enorme massa surreal de tentáculos e bocas, com duzias de dentes serrilhados e opacos, e mais surgiam a cada segundo. Ela, por sua vez, era uma boneca monstruosamente  oblíqua, uma criança da noite feita de um breu profano que caçoava das amarras de toda a criação.
A consciência de Derek rugiu além das grades do universo e ao levante de sua voz uniram-se os rangidos das correntes que prendiam deuses abortados na aurora da criação.
“Somos noite, criança. Somos pavor. Você e eu não podemos nos prender as leis e conceitos daqueles menores do que nós. Você é minha rainha e eu sou seu sacerdote. Eu sou a apoteose com a noite e este é seu destino. Todos os jogos e sorrisos e discursos são menores do que a verdade do abismo e bem sabes. Eu sou o cetro do rei do firmamento, você é a  coroa. Não há filosofias ou artes maiores do que nós e bem sabes.”
Derek borbulhou e retomou seu corpo. Mais uma vez, estava nu na noite. Sua amada logo o seguiu, seu vestido delicado pairando sobre a carne macia com duzias de lacinhos vermelhos.
“Adoro quando você fica assim, Sire” Ela sorri e as covinhas de seu rosto trazem um suspiro aos lábios de Derek. “Sabe que não entendo dessas coisas nem metade do que você e que eu juro que já tentei. Você me disse pra esperar o tempo certo, me disse isso já fazem uns quinhentos anos, nunca argumentei. Eu fiz os ritos mesmo quando estávamos longe e eu me ocupei com outras mil coisas. Sei que muito de meu poder vem disso e sei que o senhor me explica tanto quanto pode. Mas as vezes acho que ainda me falta algo fundamental. Eu sinto falta de cada parte humana de mim, e cada vez que jogo esses jogos tolos, me sinto bem. Quando minha templária escova meus cabelos, eu me sinto bem. Quando o senhor me beija e quando navegamos por mares tranquilos, me sinto bem. Não peço que entendas, mas desejo que o senhor não me julgue. Isso pode ser feito, meu Derek?”
“Teu desejo é meu caminho, minha Adele.”
Ele se aproximou lentamente, abrindo os braços suavemente e então envolvendo a criança. Os dois permaneceram abraçados por um longo momento.
“Eu senti sua falta, meu Derek. Você sempre foi tudo de humano que existia em mim. Sempre vai ser. Por mais blasfemo que seja, a noite não é maior do que o afeto que sinto por você. Você me deu amor e ódio, quer admita isso ou não. Entende meu ponto agora? Somos maiores que o ego, somos a feitiçaria profana que nos manteve unidos mesmo depois de tudo.”
Derek se recordou de uma batalha antiga ao lado de uma aliada rancorosa. Em momentos perdidos, ele se sentiu pequeno e frágil. A chama humana queimou-lhe a carne a cada noite que passou longe de sua amada criança.
“O que sou, sou por você, no abismo. Eu não sei mais odiar, minha Adele, mas sei amar. Este é meu propósito na existência, é estar a seu lado. Nossa feitiçaria é uma ferramenta para um fim, e o fim é mais claro agora. Somos um do outro e este é o sentido do ser.”
Ela intensificou o abraço, dedinhos frágeis e brancos uniram-se e tornaram-se rosados pelo esforço. Derek sentia que seu universo inteiro estava a lhe abraçar.
“Será que a velha rosa ainda existe? Eu gostaria de rever a terra dos gregos. Tio Boukhelpos também costumava passear por lá. Talvez devêssemos viajar mais, meu senhor. Tenho tanto a te mostrar.”
Derek ponderou por um instante. Helena há muito havia se escondido. Mas ele sabia onde encontrá-la. O cheiro do sangue era forte naquela terra, mesmo de linhagens tão esquecidas. E quanto a Boukhelpos, sim, seria agradável encontrar o velho guerreiro. Sua ultima conversa havia sido em uma floresta escura da Africa, enquanto caçavam a prole de Montano. Certamente que havia muito o ser aprendido com o filho do tenebroso.
“Teu desejo é nosso caminho, minha querida”
“Vamos parar em meu reino. Preciso lhe apresentar minha templária, é uma criança adorável que passou décadas ouvindo seu nome. Creio que ela tem muito a aprender com o senhor.”
“Será feito. Mas receio que eu precise de um mapa escrito em Latim para planejar a rota. E sem computadores, querida. Eles estão além de minha compreensão.”
“Eu posso cuidar disso, amor meu. Estava me perguntando se você admitiria que odeia computadores.”
O sorriso sarcástico da criança confundiu o Lasombra tremendamente. Ele se sentiu feliz e, por mais de um instante, vivo. Pensou em palavras de poder e desejou uma jornada tranquila. Pensou nos lábios de sua criança e nos beijos que trocariam em lugares perdidos e envelhecidos. Pensou no profeta louco e nas visões que compartilhariam. Pensou em Kella e se certificou de que ela estava morta e enterrada.
“Talvez tenha razão, minha querida. Mas não da maneira que imagina. Eu nunca ofendi um computador. São eles que me odeiam e ofendem. Juro que nunca os provoquei.”
“Existe uma ironia deliciosa nisso, Derek meu. Você já destruiu civilizações por elas terem me ferido, mas é incapaz de vencer um inimigo que não tem braços ou dentes. Entende que precisa mudar?”
“Eu juro que tento” Disse, incomodado, o atônito Derek.
“Daremos um jeito nisso em breve. Será a mais desafiadora das lições que já tive, tenho certeza.”
“Prometa ser paciente, minha cria.”
“Prometo que não matarei nada no treinamento”
Sorrindo, os dois amantes ofuscados deslizaram pela treva, devorando a vida que encontraram no caminho. Adele, feliz por estar sendo, pela primeira vez, a mestra, e Derek, confuso como nunca esteve antes.
Ao longe, um corvo grasnou anunciando a chuva vindoura. O corvo mudou de forma e se segurou desajeitadamente no parapeito. Aisha rastreou o antigo por quase três décadas, e agora finalmente sabia do destino dele.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Demônios na noite fria

- Creio que lhe matei em nosso ultimo encontro.
- Deveras, me mataste, tenebroso. Vim lhe pedir perdão por minha presunção. Eu era jovem e tolo.
Derek levantou o cetro de rei do firmamento, um fálico pedaço de penumbra apodrecida e, de seu trono de meia-noites, ordenou que se fizesse a treva.
O salão era pedra lisa e cinzenta, o coração da noite fria,  palácio do guardião, fora esculpido em sono e pesadelo. Não haviam velas ou meios mecânicos de claridade, só a grande porta de entrada talhada em rocha virgem e as mais malditas palavras da língua morta.
Ele fechou os olhos e se concentrou em uma memória a muito perdida. A criatura a sua frente, em algum momento que a peste engoliu, levantou espada e palavra contra ele. Eram noites pesadoras de um período roto da cristandade, e ele, sacerdote que era, tornou-se furioso pela negação do absoluto poderio do abismo.
- Eu lhe destruí e viestes pedir perdão?
A coisa sorriu, dentes pontudos e pálidos, impecavelmente belos e ferozes. Era um corpo sem gênero ou vestimenta, humano e falho, de costelas salientes e cabelos longos e acobreados. Os olhos eram duas piscinas cálidas e esverdeadas, e os braços, curtos e firmes, terminavam em mãos pontudas cheias de garras.
- De certo isto é inesperado, acredito, mas ainda assim rogo para que esqueças da desfeita que te fiz, tenebroso.
O lasombra levou a mão livre ao queixo e ordenou que o trono crescesse. Era uma coisa vil, líquida e saliente, da qual transbordavam olhos cegos e apêndices membranosos que teimavam incessantemente em fugir do refúgio da noite fria e levar o terror do mundo-espelho  ao mundo-carne.
- Se não tivesses invadido meu manso, eu nunca mais recordaria de suas palavras ou ações, demônio. Nós não vemos o tempo da mesma maneira, você e eu.
- De fato, não. Foram dois séculos no inferno esculpindo minha forma para que pudesse retornar, e o fiz gritando e chorando, pois este é o quinhão dos derrotados. Uma dor ínfima se comparada a cair do céu, entenda, mas ainda assim um processo nada agradável.
- Compreendo.
Uma longa pausa. Derek não compreendia, nem tão pouco se importava. Ele mais uma vez chamou o escuro e pintou o chão e as paredes de nanquim. Ele não gostava da claridade dos olhos do visitante.
- Entenda, lorde rimador, que meu povo há muito busca contato com seus mestres. Há muito que podemos ganhar na batalha que esta por vir. Uma aliança, o mundo morto e o mundo em chamas, e certamente a vitória será nossa.
Derek considerou as implicações por um instante e usou de um comando mental para dar ordens a seus peões. Pensou em sua cria germânica e se assegurou de que estava protegida, pensou em sua aliada Tzimisce e ordenou que ela se fortalecesse em sangue virgem para o inverno vindouro. Pensou em sua senhora para sempre consumida e sussurrou seu nome. Pensou na promessa do abismo.
"Pois nove são os ciclos da alma, nove são as verdades do abismo, e nove são os legados de teu avô."
- O abismo não tem interesse em negociar com os caídos, demônio. Eu falo pelos mortos quando digo que sua guerra mesquinha não nos interessa. Nós somos a treva que antecede a primeira luz, e somos a treva que reinará quando a chama do demiurgo se apagar. Somos o início e o fim, somos o tudo no nada, somos os rimadores que criaram o verbo e os detentores das nove verdades.
O demônio franziu a testa, descrente.
- Meus senhores não tocam o abismo, mas bem podem tocar esse plano. Não os queremos como inimigos, rimador, propomos aliança e o fazemos com a mão direita, propomos lealdade e o fazemos de livre vontade. Não tome nossa gentileza como meia-verdade.
Derek estalou os dedos e a realidade se partiu.
Fragmentos do escuro vidro derretido caíram em cascata sobre o momento, roubando a cor e a força do demônio. Ele caiu e se contorceu, gemendo e se contorcendo mais uma vez, a procura do tato perdido no mergulho vertical nas eternas trevas do mundo não-nascido. Um trovão ecoou na imensidão escura, um pensamento rimado por mil legiões famintas, um sopro da inteligência ancestral dos deuses abortados.
Derek estalou os dedos novamente, e o som foi um chicote na consciência torturada da criatura que lentamente retornava a existir.
- Você vê, demônio? Temos pouca necessidade de aliança com teu reino.
O demônio vomitava um líquido escuro e pegajoso, pedaços de seu invólucro que se descolaram da pele e dos ossos na curta jornada a casa dos perdidos. Seus olhos e ouvidos sangravam e haviam poros escuros brotando de sua têmpora.
- Perdoe-me pela rispidez, mas é tarde e estou cansado. Creio que seus superiores lhe deram um prazo para conseguir sua aliança, providenciarei-lhe um quarto a altura de sua nobreza, e continuaremos esta conversa nos anos que ainda lhe restarem, Adramelech.
O som do nome fez o demônio se perder em meio ao vômito e tentar gritar, gorfando pateticamente em chiados roucos e sujos. Um circulo púrpura brilhou em volta do demônio que sentiu o pouco que lhe restava ser drenado.
- Vocês gritam seus nomes quando descem a minha casa, gritam a plenos pulmões, ainda que os mesmos sejam falsos. Temo que tenha pouco a aprender de ti, mas gostaria de conversar com teu mestre, se for possível. De qualquer modo, durma e descanse, amanhã terá uma longa noite, convidarei uma amiga para se juntar a nós, uma Tzimisce. Não compreende o que isso significa, não é? - Derek sorriu, pela primeira vez em muito tempo - Ela é uma neta de Eldest, uma das tocadas por sua parente, Kupala. Estes nomes você conhece. Durma bem.
O demônio buscou forças inutilmente, a cada tentativa pífia de movimento, o círculo pulsava e a dor se fazia ainda mais presente. Ele chamou o inferno e não obteve resposta, chamou pelas almas que havia acorrentado e elas se provaram incapazes de se manifestar.
Por fim chamou por deus e, mais uma vez, só obteve silêncio.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

História de amor dos mortos - Um abismo de promessas viciadas

- Acaso tu me amas, meu servo?

Perguntou o suserano, enquanto tentava recolher o intestino que insistia em escorrer pelo tapete felpudo, manchando a pele curtida dos escalpos das virgens para sempre ali acorrentadas.

- Sim, meu mestre. Eu te amo tanto quanto a força de teu sangue e tua feitiçaria me permitem, mas minha sede é alheia aos caprichos de teu laço rubro. Nesta noite, encontrarás tua morte final

O velho rugiu, e o que deveria soar como um trovão mal passava de um chiado idoso e senil. Em seu silêncio contemplativo, Derek observava sua nova obra profana.

Naboslav, seu mestre amado e voivode destas terras, tentava alcançar uma perna que talvez não fosse sua. Haviam tantos pedaços de Slachta e de cainitas desafortunados por ali que era difícil ter certeza da origem de cada membro. Entranhas, braços, cabeças e outras partes menos reconhecíveis estavam dispostas sem seguir algum padrão especifico, dispostos ao acaso pelas mãos de um açougueiro descuidado. As mãos do Lasombra tremiam agora, tanto quanto tremeram quando ele ordenou que os cães do mundo morto rasgassem e partissem a frágil realidade daquele momento aterrador. Ele queria ajudar seu mestre, queria dizer que sentia muito, que tudo ia ficar bem, que tudo foi um erro cruel e que ele queria ser perdoado.

A força do laço perdurava, mesmo naquele instante de morte sublime.

Derek fechou os olhos e, falando na língua morta, chamou a escuridão. Uma nuvem pesada e viscosa engoliu velas gordas e pedaços de carne atormentada, e finos braços de piche se enrolaram em pedaços de carniçais de guerra há pouco abatidos, tirando-os do caminho.

Uma única parte do salão de armas conservava sua luz, um circulo claustrofóbico e trêmulo que em seu interior abrigava a carcaça quase inerte de Naboslav. Outrora, Naboslav o Koldun, agora, Naboslav o derrotado. O Tzimisce reuniu as poucas forças que lhe restavam enquanto colocava seus dedos no lugar. O indicador havia sido completamente dilacerado por uma das bestas do abismo, bem como parte da palma da mão esquerda. Ele avaliou a situação com cuidado enquanto procurava por sua genitália. Não, ela não estava em nenhum lugar visível. Por algum motivo alienígena ao ancião, seus testículos lhe faziam muita falta. Era hora de recorrer ao poder do laço, embora o velho tivesse certas duvidas a respeito da existência do mesmo.

- Me digas, meu filho, por que levas-te tua espada a meu peito? Acaso não lembras quem esculpiu tua lâmina em carinho e osso?

O Tzimisce sabia que sua habilidade com palavras amorosas era, na melhor das hipóteses, rudimentar. Mas era o que lhe restava, considerando o pouco sangue que ainda fluía por seu peito. De algum lugar da escuridão, a voz serena e melodiosa do Lasombra se projetou, fria e amarga como sempre foi, e ainda assim, tão majestosa quanto a descendência russa lhe permitia.

- Me chamas de filho, mestre.

O Tzimisce tentou conter o asco sem muito sucesso enquanto colocava no lugar uma costela que havia se dobrado em um ângulo muito improvável. Ele se lembrou dos lamentos de seus prisioneiros cristãos, da forma tola e fútil como gritavam e imploravam. Ele não ia implorar, não agora, nem nunca. Ele pensou em assumir a forma de sangue e fugir pela janela que estava em algum lugar da escuridão, pensou em tentar dominar a vontade de seu servo mais uma vez, mas mudou de ideia rapidamente quando ele surgiu do mar de trevas e cravou a lança em sua recém adquirida perna. A dor física era insignificante, a dor no orgulho, por outro lado, era intolerável. Sim, ele precisava implorar, precisava enganar esse bastardo maldito e então lhe arrancar a beleza osso por osso quando suas forças retornassem.

segunda-feira, 26 de março de 2012

A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte 2

Dresden, Treze de Fevereiro de 1945.


Kath entrou no salão de sombras, ao seu lado, Margareth Freyer, a templária mais feroz e leal da casa das sombras, protetora sacramentada de Adele, a flor do abismo e a rainha do sangue de ébano. E em seu peito, ela carregava uma notícia terrível que traria ódio e violência a alma apodrecida de uma anciã.

Quando as portas do salão de meias-noites se abriram, a Brujah sentiu as pernas perderem a força e sua convicção falhar, por toda a extensão do ambiente, a pura treva dançava a valsa fúnebre regida pela pequena anciã. Fios de sombra traçavam curvas sinuosas de encontro as carnes infantis da guardiã, cobrindo-a com uma camisola noturna e sapatinhos de laço vivo. O breu lhe penteava os cachos loiros com carinho e cuidado, e atrás dela, em um trono de medo, repousava a forma material do puro horror.

A uma altura incerta, um massa disforme e corpulenta borbulhava para dentro de si mesmo, ostentando dentes de escuridão opaca e uma quantidade de olhos e apêndices em constante mudança. A coisa flutuava pela sala, derramando breu líquido por vários orifícios de propósito desconhecido. Kath foi tomada pela estranha sensação de que sua mente estava se fragmentando, e após um segundo de hesitação dolorosa, a voz da anciã roubou sua dor solene:

  • Saudações, Katherine da casa dos indomáveis. Seja bem vinda a meu santuário. Entre, por favor.
  • Com sua licença, Adele, campeã da casa das sombras.
Seguida de perto por Margareth, Kath deu três passos receosos para dentro do salão de horrores. Sombras indecisas avançaram em direção a ela e subiram por suas botas militares, roubando-lhe o calor e então se distanciando com um gesto da anciã.

  • Entendo que trazes noticias de nossos irmãos no sul, Brujah.
  • Trago noticias pesarosas, vossa iminência. Dresden será bombardeada ainda esta noite, é hora de evacuar a cidade.

Adele Levantou uma sobrancelha, sem demonstrar muita surpreza.

  • Conte-me mais
  • Mil e trezentos aviões aliados cruzaram a França com quase quatro mil toneladas de bombas incendiárias e explosivas. Uma bomba para cada duas pessoas da cidade, minha senhora.

Margareth soluçou, incrédula, e calculou mentalmente qual seria a força necessária para neutralizar esse ataque, pesarosamente chegou a conclusão de que esta força simplesmente não existia naquela hora perdida. Kath continuou:

  • É necessário que a senhora de a ordem de evacuação imediatamente, visando poupar nossos soldados.

Adele abaixou a cabeça, murmurando para si mesma:

  • Eles tem aviões, nós temos dragões.
  • Temos três, senhora, e a casa Tzimisce não concordou em sacrificá-los neste combate.

A pequenina levou a palma da mão diminuta a testa, e acariciou sua têmpora levemente.
  • E quanto a Yorrance, o Koldun?
  • Ele defende nossos feiticeiros em Berlim, senhora.
  • E os soldados de carne de Verminal?
  • Em Munique, protegendo a catedral, junto com as fúrias, o implacável, o conselho dos martelos, a rosa dos ossos e a cruz de Caim.
  • E a legião das sombras da Espanha?
  • Sitiada pela França, Itália e Inglaterra, bem como pelos assassinos do oriente, contratados pelos Ventrue, e pelos Giovanni.
  • E a Wehrwulf?
  • Detendo o avanço russo, junto com Haringoth, Hans, o bando da cicatriz e meus filhos e irmãos da rosa branca da germânia.
  • Quantos temos aqui?
  • Vinte e sete cainitas, nove deles com menos de dez invernos de morte. Nós três somos as mais velhas e poderosas da cidade.
  • E quanto a Dorother?
  • Ele levou suas crias para Hamburgo ontem, obedecendo as ordens da Cardeal.

Adele contraiu os dedos, rasgando a pele delicada do rosto. Filetes de sangue escuro desceram por seu rosto, tingindo de treva o que antes era um mar tempestuoso e azulado.

  • Derek...
  • Perdão, senhora?
  • Meu criador me disse uma vez que se eu continuasse com esta guerra eu acabaria abandonada por todos, enfrentaria traições de todos os lados, quebraria promessas importantes e clamaria pela ajuda dele. E disse também que ele não viria. Maldito bastardo.
  • Senhora...Preciso de sua ordem, o tempo é curto.
  • Vários séculos atrás, um parente de sangue meu ergueu a primeira parede de pedra que ainda hoje é parte desta cidade. Em morte, eu dediquei metade de meus anos a defendê-la. Sob meu comando, ela sobreviveu a pestes, religiões, franceses e todo esse tipo de lixo. Aqui é minha casa, e digo que vou ficar e defendê-la.

Margareth se ajoelhou, deixando que os longos cabelos escuros caíssem sobre o casaco militar.

  • Hoje e sempre, sou tua espada, minha mestra.

Katherine tentou encontrar palavras para protestar e sentiu a raiva aquecer seu sangue.

  • Vossa iminência, com todo o respeito a seu julgamento, não existe nenhuma chance de vitória.
    Um riso timido escapou dos lábios de Adele, preenchendo o salão com uma alegria infantil e alienigena. Era algo que simplesmente não deveria existir ali.

  • É isso que os mestres do clã Brujah, os “indomáveis”, ensinam a suas crianças? Que estar em menor número enfrentando um inimigo com armamento superior é motivo para se render? Pobre criança...Saiba que se eu precisar pintar o firmamento com o nanquim do abismo assim o farei, e que por minha vontade nem mesmo uma única criança de peito vai perder seu sono essa noite. Entenda isso, patética desculpa para uma templária: Eu sou Lasombra, e os Lasombra nunca perdem.

Kath corou, forçando o sangue a lhe dar força e ódio “Eu...preciso...resistir” Margareth recuou um passo e puxando fios de escuridão, criou uma lâmina comprida e reta. Ela só esperava um comando.

  • Senhora... Preciso saber quais são suas ordens.
  • Diga a todos que quem quiser fugir não será punido, mas também não será bem vindo em minhas terras. E isto vale para aqueles que “estratégicamente” se ausentaram nas ultimas semanas.
  • Sim...Entendido. Tenho um ultimo aviso, se a senhora me permitir.
  • Claro, criança, fale de uma vez.
  • Uma Tzimisce russa chamada “Kella” avisou ao arcebispo de Barcelona que atacaria Dresden quando os céus fossem pintados de vermelho. Por intermédio de seus mensageiros, ele ordenou que eu lhe entregasse este aviso caso a senhora se recusasse a abandonar a cidade.

A pequenina mordeu os lábios, e uma fumaça azeviche e perfumada levantou das gotículas que tocaram o chão. Não – Hrotger não mentiria para ela – Não depois de todo esse tempo.

  • Ordeno que todos os cainitas a mim subordinados abandonem a cidade imediatamente, incluindo você, minha querida templária. Que seus carniçais os conduzam até Munique. Eu vou ficar e lutar.

Margareth se ajoelhou novamente, cerrando os punhos.

  • Perdoe-me, senhora, mas fiz um juramento perante o abismo e perante a taça. Enquanto houver vitae em minhas veias, lutarei para garantir tua glória e teu esplendor. Sou tua espada, e súplico humildemente que não traves teu combate sem mim.

Adele levantou os cantos dos lábios com gentileza, formando covinhas brincalhonas e angelicais.

  • Humildade nunca foi uma qualidade de que um Lasombra pudesse se orgulhar, minha templária. Kella é uma matusalém, e na companhia de meu senhor enfrentou dragões da Rússia e participou do ritual que levou ao sono a mais velha monstruosidade do clã Nosferatu. Ela já derrotou uma das serpentes do mundo morto e provavelmente destruiria a coragem de teu coração de guerreira simplesmente olhando em teus olhos. Ordeno que auxilies Katherine na evacuação da cidade, minha querida, e que partam imediatamente.

As duas guerreiras foram pegas de surpresa pela suavidade das palavras de Adele. Ela estava pronta para entrar em um combate que sabia que estava perdido. E ainda haviam mil e trezentos aviões rumando para a cidade.

Katherine se despediu formalmente e começou a marchar, seguida de perto pela hesitante Margareth. Acompanhada pelas trevas silenciosas, a garota cujo corpo não envelheceu mais do que quatorze invernos, manifestou seu poder de forma odiosa:

  • Maldito sejas tu, Derek, que deu a mim teu amor e a ela tua lealdade. Não vou me ajoelhar e pedir ajuda – me ensinas-tes a não me curvar a ninguém – Saibas que neste momento eu te odeio mais do que tudo no mundo, e que vou rasgar, morder e violar a pele imunda de sua confidente e jogar os pedaços sangrentos dela aos cães do abismo, só pra te mostrar o quanto te desprezo e o quanto te amo. É por você, meu senhor, que vou permitir que o reino que construí desfaleça diante de meus olhos. Que os dois milhões de mortais que protejo derramem sangue e lágrimas sobre tuas mãos, que morram todos! Que sofram tanto quanto vou sofrer quando eu mesma rasgar teu peito e tomar teu coração pra mim! Maldito, mil vezes maldito! Por que você escolheu que fosse assim?

A pequenina se esvaia em lágrimas e sombras. Ela ordenou que seu servo chamasse Dagon e convocasse a legião dos famintos. Ela pagaria o preço, qualquer que ele fosse. Do lado de fora, duas templárias confusas assistiram ao nascimento de nuvens escuras, vivas e viscosas. A notícia do ataque era vomitada por rádios e torres em todos os cantos, e mortais corriam desesperadamente as centenas para seus porões. Duas duzias de vampiros foram convencidos a abandonar a cidade imediatamente pelos túneis apertados que apenas os mortos conheciam. E ao longe, uma sirene gritou de horror.

Os aviões estavam chegando.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A história do amor dos mortos: Uma noite de doença


O vampiro deslizou pela janela com graciosidade, em um salto calculado atravessou os três metros que o separavam do chão e aterrissou com suavidade. A imundice da cidade o golpeou com força , tomando de assalto suas narinas e fazendo com que o aristocrata desejasse não possuir o olfato tão aguçado. Ele observou o feudo vagarosamente, e usando uma velha técnica que seus irmãos de armas chamavam de “contar os corpos”, ele mentalizou o número de casas, distinguiu aromas e calculou quanto tempo conseguiria se manter no pequeno vilarejo.
Infelizmente, não era muito tempo. Quatro meses, no máximo. Depois disso ele teria que abandonar seu pequeno anjo aos caprichos do destino.
O vampiro afastou o pensamento agourento concentrando-se em seu objetivo imediato. Apesar de sempre sonhar com o dia em que voltaria a fazer jorrar vitae de almas condenadas, ele sabia que neste momento não era apropriado. Ele via pouco mais do que trinta casas acabadas e tomadas por um tapete branco e opressor. Seriam os germânicos tão avessos ao pai inverno?
Não havia uma única pessoa fora de casa, nenhuma vela acesa, até mesmo os lobos agora desfrutavam do sono comatoso que só o frio do norte pode trazer.

Fazia muito tempo que o vampiro não caminhava livremente por um vilarejo. Era uma sensação desesperadora, especialmente para ele, acostumado a ser o centro das atenções sempre que deixava a máscara cair.
A máscara. As vezes ele esquecia disso, e pessoas tinham que morrer. Esta era a lei desde os tempos de seus avós – silêncio ou morte final.
E este era o maior perigo. Se algum de seus irmãos de danação considerasse o plano dele ofensivo, ele facilmente seria condenado a prestigiar o nascer do sol. Sim, seu amor pela garota era perigoso e blasfemo em mais de uma maneira – e este risco tornava o esperança de triunfo ainda mais entorpecente.

A passos largos, a fome crescia. Fugir do mar azulado dos olhos de sua amada lhe custou mais vitae do que ele havia contabilizado para aquela noite. Ao passar pelo quartel arruinado imaginou quantas patéticas desculpas para soldados ali dormiam. Meia duzia, talvez ainda menos.
“Será que eles vão ser o suficiente para livrar este pedaço gelado do inferno da anemia de meu beijo?”

Não – mesmo que fossem seis duzias de homens de fé, eles não teriam chance. A fome o compelia a ser sempre mais forte, a ser o eterno carrasco das pobres almas que cruzavam seu caminho. Era difícil conviver com isso. O vampiro tinha consciência de que era um assassino e de que mataria tudo aquilo que aparecesse em seu caminho se tivesse a oportunidade, ele não possuía respeito algum a existência alheia e mais de uma vez fez escreveu longos tratados sobre a morte da alma nos mansos de seus irmãos de armas.
E lá estava ele, desesperadamente apaixonado por uma pequena flor de carne, um anjo triste que podia encontrar seu sono de morte a qualquer instante, pouco mais do que uma boneca de porcelana na mão do mais cruel dos carrascos, o tempo.
Ele avisou um casebre do outro lado da rua, um abrigo baixo e sujo de madeira e barro. O teto fora pintado de branco e era impossível saber se as flores ao lado da porta eram rosas ou crisântemos. A neve não deixava de ser irônica.
Levantando um leve sorriso, ele encostou a bochecha pálida na porta e se concentrou nos sons que mortais nunca conseguiriam ouvir. Conseguiu distinguir sem dificuldade que haviam ao menos sete pessoas no único comodo da casa, possivelmente uma família inteira. Ele empurrou a janela para a esquerda calmamente e sem dificuldade alguma entrou na casa. O arrependimento veio um segundo depois, e ele quase chorou ao ouvir a besta gritar.
O ar da doença distribuía sua graça sem preconceitos no berço dos recém-nascidos. As duas crianças que dificilmente tinham mais de um mês de vida carregavam na face as manchas vermelhas que eram o sinal do fim. A peste estava chegando, e ela não pouparia ninguém. Sobre a cama de palha, haviam duas mulheres idosas, um homem jovem esquelético e duas meninas que deveriam ter a mesma idade de sua amada. Eles não tinham cobertas ou casacos para espantar o frio, também não tinham comida sobre a mesa ou lenha para criar o fogo libertador. E todos eles, em maior ou menor grau, estavam doentes. O vampiro moveu-se cautelosamente, controlando o impeto de matança, e abriu a boca de uma das velhas. Os poucos dentes que lhe restavam estavam podres e amarelados, e a língua tinha um aspecto cinzento e asqueroso. Ela não sobreviveria aquela noite.
Ele se perguntou sobre qual seria o procedimento adequado, e, sem obter uma resposta clara, orou ao deus do abismo que não o ouvia para que a sabedoria de sua senhora lhe tomasse por apenas um segundo, que ele tivesse o lampejo de inspiração necessário para trazer luz as trevas da alma cansada.
Aparentemente, Tchernobog não o ouviu.

Talvez a família ainda resistisse a meia duzia de noites, mas este tempo seria mais do que o suficiente para que a febre rubra se consumisse todo o feudo. Há quanto tempo será que eles sofriam em silêncio? Seriam as pessoas deste lugar maldito tão indiferentes a ponto de não perceber que a morte estava a espreita?
Ele conhecia a sensação, e não se orgulhava disso. A fome destrói o coração dos homens.

Ele levantou uma das meninas pela cintura, sentindo uma estranha dor tomar seu peito. Ela era loira, magra e frágil. Uma mancha escura repousava sobre seu pescoço e descia pelo seio em formação. Ela suspirou baixinho, um gemido doloroso e doente. Derek segurou sua mandíbula com o polegar e o dedo médio, e em um gesto carinhoso, puxou a arcada dentária com gentileza e força. O sangue ralo começou a escorrer generosamente, e em poucos segundos, ela estava morta. O vampiro a deitou no chão frio e beijou sua testa.

"Morte gera morte."

Ele chamou a noite profunda e ordenou que as trevas destruíssem em silêncio e que elas levassem os cadáveres consigo. Sete braços negros e famintos se levantaram e envolveram pescoços e peitos, apertando com toda a determinação do mundo morto. Após doze segundos dolorosos, Derek abandonou a casa e retornou ao castelo com pensamentos sombrios e verdadeiros. A peste poderia se expandir e devorar a todos neste fim de mundo, e se ele se alimentasse de qualquer um, a doença iria se propagar por seu beijo para todo o sempre. E então Adele morreria, seu mundo morreria e seu sonho se perderia em meio a solidão.

Ele se sentou no chão, ao lado da criança, e segurando sua mão diminuta, ele chorou. 

A história do amor dos mortos: Um ato de mágoa simbólica

Derek sorriu sem jeito enquanto sua companheira removia seu punho de dentro da caixa torácica do traidor recém abatido.
"Giangaleazzo, escória antitribu, una-se ao abismo em nome de Caim, do Sabá e da casa das sombras" Disse o vampiro com a habitual rispidez romântica e teatral.

"Acho que estamos ficando velhos demais pra isso, meu amigo". Disse Kella.

"Acho que estamos velhos demais pra essa guerra estupida a pelo menos nove séculos". Respondeu o Lasombra.

Eles se entreolharam, concordando em um silêncio triste e verdadeiro. Ela espalmava o sangue sujo e os pedaços de ossos podres com asco e indignação, todos os cinco olhos cinzentos da metamorfista estavam perdidos em pensamentos distantes, malignos.

"Com todo o respeito, Lorde Derek, posso lhe perguntar qual foi o motivo que levou esta criatura que agora se encontra a nossos pés a trair seu clã, aliar-se a Camarilla, caçar seus filhos e irmãos e tentar converter nossa estimada Adele?"

"Eu não tenho estas respostas, Kella, e sinceramente não me importo com nada disso. Ele é um traidor, um conspirador e um inimigo. A morte final o alcançou por isso, e agora Milão irá queimar e mais uma vez vai pertencer ao sabá."

"Você nunca foi um bom mentiroso."

Ele abaixou a cabeça e ordenou que as sombras formassem um machado em suas mãos, a lâmina fria e negra maculou a realidade daquele instante de silêncio doloroso, e os dois velhos continuaram a caminhar. Ela retomou a conversa após um curto incidente que envolveu dois ônibus de turistas, algumas viaturas, um nosferatu confuso e excessivamente confiante e quinze braços do abismo.

"Eu não compreendo. Lutamos um pelo outro desde o tempo em que os dragões de sangue forte assombravam os sonhos dos camponeses de nosso manso e mesmo assim eu não te compreendo."

Derek parou e tentou calcular alguma resposta confortável, sem muito sucesso. Ele deslizou as costas das mãos sensíveis pelos cabelos longos e grossos de sua companheira, e então beijou demoradamente a bochecha espinhenta e ossuda da Tzimisce.
Cada centímetro do corpo profano de Kella havia sido desenhado com carinho pela caneta de um poeta louco. Os seios rosados e fartos, a cintura fina e assexuada, as pernas felinas e magras, os braços cheios de esporas pontudas...Cada detalhe foi estudado e aperfeiçoado por séculos de determinação  inquebrável. Ela era, afinal, uma das mais antigas e poderosas guerreiras do clã e casa do leste, uma das mestras do sabá e a ponte fundamental entre os metamorfistas e a velha guarda do clã. O lasombra a respeitava e admirava mais do que ele era capaz de explicar, não só pelo poder da idade e da taça, mas pela lealdade e confiança que só os seculos de dores e mágoas compartilhadas são capazes de dar.
Ela ficou visivelmente chocada com a súbita demonstração de afeto e algo dentro de sua pele draconiana e escamosa tremeu quando os sete espinhos das costas ficaram eriçados e hesitantes.

"Sinto muito." Disse o vampiro em um tom anormalmente alto "Acho que deixamos nossas almas apodrecerem por tanto tempo que as vezes esquecemos que um pequeno gesto de amor pode dar sentido ao que não tem sentido. Nós estamos morrendo há muito tempo e sabemos disso. Você tem seu ofício de carne e eu tenho minha obrigação como sacerdote, mas todas as noites, quando o sol esta prestes a esmurrar nossa cara, sabemos que estamos morrendo e que tudo que nos resta é um eventual ato de amor."
Durante todo o resto da noite, eles não trocaram uma única palavra. Enquanto soldados de carne e bandos menos importantes vigiavam saídas e aeroportos, os misticos do clã das sombras do norte sitiaram uma capela e pilharam tomos de conhecimento e magia que muitos julgaram estar para sempre perdidos. Os Tzimisce de sangue ariano conduziram exércitos de cães do inferno e carniçais guerreiros pelos esgotos, auxiliados por muitos olhos e orelhas anonimas, eles varreram seis ninhadas com o conhecimento que a vida imunda do subsolo pode lhes dar.
A unica  resistência efetiva veio por parte dos Giovanni, que lutaram clamando por seus mortos e seus ritos obscenos. Don Pietro foi destruído, bem como sua esposa, filhos, e os filhos de seus filhos. Nada pode resistir por muito tempo a fúria de dois matusaléns magoados.

O sol já irradiava seus primeiros raios dolorosos quando Derek conduziu sua companheira pelo abismo de volta para o refúgio ancestral em Moscou. Ao fim da viajem, Milão mais uma vez era a capital do sabá na Itália.

Os dois vampiros foram acariciados gentilmente pelo doce frio da fortaleza subterrânea. Há duzentos e cinquenta anos o santuário do Lasombra protegia os segredos mais terríveis da mãe Rússia, e a pelo menos cento e cinquenta ele era também o refugio e o laboratório de Kella. Eles se sentaram sobre a tampa de um dos quatro caixões de pedra e permitiram que a letargia diurna lhes tomasse o corpo. Instantes antes do beijo de Morpheus, A Tzimisce chiou e suspirou as palavras que lhe roubaram a mente durante toda aquela noite de conquistas dolorosas.

"Tudo aquilo que amei, amei em Caim e na metamorfose. Hoje acho que não sei mais amar. O que realmente nos resta, meu amigo?"

"Acho que se em algum momento aprendemos a amar de verdade, isso se foi com o sangue. O que nos resta, como eu disse, são eventuais atos simbólicos."

Derek Chamou as trevas e em um gesto teatral e solene, envolveu sua companheira em seus braços antes de deitar-se sobre a pedra fria. No abraço dos mortos atormentados, não havia um só pensamento ou suspiro. Eles estavam cansados e estressados demais para chegar a qualquer conclusão sobre seus próprios sentimentos atrofiados.

Em outro lugar e em outra noite, a cria pródiga de Derek ordenou que seus assassinos atacassem dois bispos da cidade do México. Ela queria acabar com aqueles conflitos inúteis, com aqueles Lasombra  inúteis, e com aquela regente inútil. Ela não era a mais forte, nem a mais velha e possivelmente não era a mais adequada para assumir o controle do Sabá. Mas era um risco necessário.
A rainha das cortes de sangue estava prestes a iniciar seu plano mestre, e ao final disso tudo, ela poderia despedaçar o peito e o orgulho de seu senhor só pra mostrar a ele que ele estava errado quando disse que abraçá-la foi o maior dos erros e que os dois nunca deveriam ter feito a jura que jamais conseguiriam cumprir.
No fundo de seu coração negligenciado, ela sabia que este era o amor que só os mortos sabiam cultivar, a história de séculos de ódio e paixão dilaceradoras que consumia a vontade e condenava ao inferno cada um de seus pensamentos.
"É por você, meu sire, que levarei a espada a seu peito. É por minha devoção a você que te destruirei, farei isso chorando, e estarei chorando por tudo aquilo que nunca conseguimos ser."

A história estava chegando ao fim. A história de amor e morte que só aqueles que se apaixonam por todos os motivos errados sabem contar.

Adele chorou naquela noite, e Derek a acompanhou inconscientemente. Naquela noite fria e sem sentido, uma Tzimisce confusa travou um combate terrível contra si mesma e fez uma promessa em nome de tudo aquilo que que já não lhe significava mais nada.
"Vou matar vocês dois antes do fim, e vou gritar aos quatro malditos ventos o quanto sou grata a cada um de vocês por me ensinarem o caminho da metamorfose e o caminho do coração."

domingo, 15 de janeiro de 2012

As palavras do pai

"Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!"
- Mateus 6:23



Sabei disto, minha progênie,
que um tentáculo de sombra nos seguirá aonde formos.

Sabei disto, minha progênie,
que nossa vaidade para sempre se mostrará no reflexo da contemplação.


Sabei disto, minha progênie,
que nossa terra é para sempre a terra das trevas.


Sabei que quando o tempo vier,
as trevas consumirão minha alma, assim como um dia consumirão as vossas.
Escutai bem, meus filhos, minhas filhas! Não vos deixei ser consumidos por vossas
próprias trevas!


Sabei e lembrai que nosso lugar
é um lugar de sombras, de onde para sempre habitaremos, observando.
Feitos nós fomos para observar das sombras,
nosso propósito, e assim faremos.


Sabei que sempre, eu vos observarei
das sombras, através de olhos não meus próprios,
e um dia encontrarei meu caminho
para um nova morada de carne,
e novamente andarei entre vós.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Adalbrecht, ato IV: Um sonho no abismo da mente.

 Era um pesadelo. Isso não podia existir, não devia existir.

Aguentei com toda a minha força a vertigem, minha mente se contorceu e o pouco que restava de minha vontade cedeu. Eu cai e deixei a inconsciência me levar.

A paz do sono de morte. O torpor silencioso no mar de trevas da consciência. A eternidade na meia noite.

O devaneio onírico me leva ao cerne da tempestade da mente. Um sonho, sim, um sonho no escuro.
Eu não tinha corpo ou memória. Eu caia e caia. Eu não tinha nada.

Em mais de um momento senti a força de uma presença alienígena e antiga sobre minha mente. Algo que procurava pelo nada que eu era, pelo nada que eu seria para todo sempre.

Eu quis gritar em um único momento. Que foi quando me recordei da lição.
Não há verdades ou mentiras no abismo. Somente a escuridão.

Por quanto tempo eu cai? Será que aqui existe tempo?

"Não – aqui é uma terra de imortais, uma terra de seres mais antigos do que o tempo."

A voz soou como um trovão e um golpe de martelo. Doía. Doía muito saber que eu não estava sozinho em meu sonho.

Eu queria gritar e implorar para que a coisa devolvesse meu corpo e minha memória. Mas isso não ia acontecer. A queda continuava e o ser monstruoso era alheio a minha tormenta.

Tudo ali era alheio a mim. Eu não era mais nada.

Então eu finalmente compreendi a lição. Não significamos nada para o abismo. Todos nós não somos nada senão suas eternas crianças.

Eu acordei.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A boneca e seu sacerdote

A garotinha saltitava pela calçada, e seu guardião a observava com um largo sorriso nos lábios.

Era divertido ver como os mortais se afastavam instintivamente da pequena Sibelle. Essa sensação esquisita que até ele, que já passou pelo inferno mais de uma vez, achava difícil de controlar. Essa maldade, essa impressão de que ela fez coisas terríveis, e de que ela fez isso sorrindo e cantando.
Ela entrou em uma loja de brinquedos chamada “Spielzeuge Kaiserreich”, e seu guardião entrou logo atrás.
A pequenina parecia perdida no paraíso, se esforçando para observar todas as maravilhas desse reino mágico ao mesmo tempo.
Nós vamos fechar logo". Disse um homem barbudo e gordo, de traz do balcão.
"Não, não vão". Respondeu o Tzimisce.
"Si-Sim senhor".
O guardião sentiu a mãe diminuta de Sibelle tocar a sua, e sua pele gelou e se contraiu, “Yuri, Yuri, venha aqui, por favor”.
Era difícil resistir a ela, muito difícil, não por algum poder sobrenatural, nem pelo senso de dever. A verdade é que Yorrance a amava, ele a amava dês da primeira vez que a viu, e isso era um sentimento muito estranho para um Koldun.
Ele a acompanhou até a estante das bonecas de pano, na seção “brinquedos antigos”.
Os olhos de Sibelle brilhavam enquanto ela examinava cada uma das pequenas obras de arte, e gradualmente, o fulgor foi substituído por tristeza.
-O que foi meu anjinho?
Você já teve uma boneca Yuri?
Sim, papai me deu uma feita com os ossos de minha bisavó, para que eu pudesse falar com ela, mas isso faz muito tempo.
Eu nunca tive uma dessas...
Você quer uma? 
O brilho purpura e febril retornou ao rosto da menina, e seu sorriso fez com que a alma de Yorrance tremesse.
Eu... Eu gostaria muito Yuri, qual você acha que eu devo levar?
Há que você quiser, querida.
Ela se esqueceu da discrição, começou a pegar, apalpar, cheirar e abraçar cada uma das bonecas como se der repente elas fossem fugir e nunca mais pudessem ser alcançadas.
Quatro homens mal encarados entraram na loja, Sibelle os ignorou, e Yorrance deu uma rápida passeada por suas mentes;


Kartven e seus cães, servos da poderosa “resistência anarquista” da Alemanha.


Eu acho que esta na hora de fechar. Disse o que parecia ser o líder, um homem careca e alto, com uma Colt na mão esquerda.
O atendente da loja, antecipando perigo, correu para o depósito, enquanto os outros três, Vindhelvér, Erzét e Erich, se espalhavam lentamente. Erzét se deslocou até a prateleira de jogos de videogame, Vindhelvér, que carregava um taco de Baseball, se refugiou atrás do balcão, e Erich, que estava armado com uma espingarda calibre. 12 ficou ao lado do careca. 
Yorrance examinou a loja por um instante, calculou a distancia que percorreria em um segundo e quantos deles seriam destruídos no trajeto. As prateleiras eram frágeis e não serviriam de cobertura para os jovens agressores. Era hora de distraí-los.
Já estamos saindo, ela só vai escolher uma boneca.
Sabemos quem são vocês, e já que estamos aqui sem nada pra fazer, resolvemos terminar o que deveriamos ter feito há muito tempo.
Uma bala cortou o ar. O tiro não foi direcionado a Yorrance, nem a Sibelle, mas sim a boneca que ela estava segurando, o algodão se rompeu e voou para todos os lados. E um segundo depois, Kartven Montverr percebeu que cometeu um enorme erro, o ultimo e o maior de sua vida.
-Y.. Yu... Yuri...
O sacerdote se concentrou, e ordenou que o sangue fortalecesse seu corpo.


Um dos inimigos, Vindhelvér, parecia estranhamente incomodado, Yorrance caminhou sua mente e viu que ele pensava em uma garotinha de oito anos chamada Herta, e de como ela estava esperando por ele agora, ansiosa para contar que tirou A em álgebra.
- Nós temos que matar a criança Kart? Ele perguntou, e em resposta, Kartven riu.

Os olhos da pequenina transbordaram. Lágrimas escuras e viscosas que feriram as paredes da sanidade de seus algozes.
- Vá para casa, abrace sua filha e a afogue na pia do banheiro, depois se despeça de sua esposa, e com sua melhor faca, corte seus pulsos bem fundo, sangre bastante e morra.
A voz da Lasombra ecoou pela loja, trazendo as verdades do abismo consigo. O homem saiu pela porta sem dizer uma palavra.
Erzét e Erich pensaram em correr, em gritar, em implorar por misericórdia, mas não houve tempo.
De trás da prateleira de jogos de videogame uma sombra se levantou e engoliu tudo a seu alcance, e após um segundo de breu absoluto, Érzet deixou de existir.
Erich atirou duas vezes, e nas duas acertou a imensa escuridão que tomava conta de Sibelle, em resposta, a escuridão apenas se intensificou.
Yorrance sorria agora. Era bom que ela gastasse alguma energia, isso a faria ficar com fome, e possivelmente adiantaria os planos de sua rainha.
- Esperem vocês não podem fazer isso! Gritou Kartven, e continuou – Nós nos rendemos!
Aparentemente, Sibelle não ouviu.
Dois tentáculos cresceram, e agarraram Erich, que tentava desesperadamente recarregar sua arma, eles o apertaram em direções opostas, fazendo com que seus ossos torcessem e estalassem.
Yorrance tentou impedir que Sibelle matasse Kartven com um comando mental, mas ela estava furiosa demais pra ouvi-lo.
Ela juntou as mãos como em uma oração, e olhou fixamente para seu odiado inimigo, Com toda a serenidade de uma criança, ela disse:
 - Desapareça, eu quero que você deixe de existir.
Uma serpente de escuridão saiu de suas mãos, e após atravessar o peito de Kartven, se enrolou nele e mordeu fundo, rasgando seu pescoço e depois o devorando por inteiro.
Alguns segundos depois, a escuridão recuou e Yorrance pode em fim relaxar.
A loja foi destruída, os inimigos derrotados, e a criança magoada.
A atenção do sacerdote voltou a sua amada:
querida, você quer escolher outra boneca?
- Não, não quero Yuri. Eu quero sair daqui e matar todas as pessoas que esse homem mal amava.
Tudo bem meu amor, mas lembre-se, só temos até as duas da manhã, se ficarmos até muito tarde na rua mamãe vai ficar preocupada.
- Mamãe vai entender Yuri. Eu estou faminta.

Ia ser uma longa noite.