quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A boneca e seu sacerdote

A garotinha saltitava pela calçada, e seu guardião a observava com um largo sorriso nos lábios.

Era divertido ver como os mortais se afastavam instintivamente da pequena Sibelle. Essa sensação esquisita que até ele, que já passou pelo inferno mais de uma vez, achava difícil de controlar. Essa maldade, essa impressão de que ela fez coisas terríveis, e de que ela fez isso sorrindo e cantando.
Ela entrou em uma loja de brinquedos chamada “Spielzeuge Kaiserreich”, e seu guardião entrou logo atrás.
A pequenina parecia perdida no paraíso, se esforçando para observar todas as maravilhas desse reino mágico ao mesmo tempo.
Nós vamos fechar logo". Disse um homem barbudo e gordo, de traz do balcão.
"Não, não vão". Respondeu o Tzimisce.
"Si-Sim senhor".
O guardião sentiu a mãe diminuta de Sibelle tocar a sua, e sua pele gelou e se contraiu, “Yuri, Yuri, venha aqui, por favor”.
Era difícil resistir a ela, muito difícil, não por algum poder sobrenatural, nem pelo senso de dever. A verdade é que Yorrance a amava, ele a amava dês da primeira vez que a viu, e isso era um sentimento muito estranho para um Koldun.
Ele a acompanhou até a estante das bonecas de pano, na seção “brinquedos antigos”.
Os olhos de Sibelle brilhavam enquanto ela examinava cada uma das pequenas obras de arte, e gradualmente, o fulgor foi substituído por tristeza.
-O que foi meu anjinho?
Você já teve uma boneca Yuri?
Sim, papai me deu uma feita com os ossos de minha bisavó, para que eu pudesse falar com ela, mas isso faz muito tempo.
Eu nunca tive uma dessas...
Você quer uma? 
O brilho purpura e febril retornou ao rosto da menina, e seu sorriso fez com que a alma de Yorrance tremesse.
Eu... Eu gostaria muito Yuri, qual você acha que eu devo levar?
Há que você quiser, querida.
Ela se esqueceu da discrição, começou a pegar, apalpar, cheirar e abraçar cada uma das bonecas como se der repente elas fossem fugir e nunca mais pudessem ser alcançadas.
Quatro homens mal encarados entraram na loja, Sibelle os ignorou, e Yorrance deu uma rápida passeada por suas mentes;


Kartven e seus cães, servos da poderosa “resistência anarquista” da Alemanha.


Eu acho que esta na hora de fechar. Disse o que parecia ser o líder, um homem careca e alto, com uma Colt na mão esquerda.
O atendente da loja, antecipando perigo, correu para o depósito, enquanto os outros três, Vindhelvér, Erzét e Erich, se espalhavam lentamente. Erzét se deslocou até a prateleira de jogos de videogame, Vindhelvér, que carregava um taco de Baseball, se refugiou atrás do balcão, e Erich, que estava armado com uma espingarda calibre. 12 ficou ao lado do careca. 
Yorrance examinou a loja por um instante, calculou a distancia que percorreria em um segundo e quantos deles seriam destruídos no trajeto. As prateleiras eram frágeis e não serviriam de cobertura para os jovens agressores. Era hora de distraí-los.
Já estamos saindo, ela só vai escolher uma boneca.
Sabemos quem são vocês, e já que estamos aqui sem nada pra fazer, resolvemos terminar o que deveriamos ter feito há muito tempo.
Uma bala cortou o ar. O tiro não foi direcionado a Yorrance, nem a Sibelle, mas sim a boneca que ela estava segurando, o algodão se rompeu e voou para todos os lados. E um segundo depois, Kartven Montverr percebeu que cometeu um enorme erro, o ultimo e o maior de sua vida.
-Y.. Yu... Yuri...
O sacerdote se concentrou, e ordenou que o sangue fortalecesse seu corpo.


Um dos inimigos, Vindhelvér, parecia estranhamente incomodado, Yorrance caminhou sua mente e viu que ele pensava em uma garotinha de oito anos chamada Herta, e de como ela estava esperando por ele agora, ansiosa para contar que tirou A em álgebra.
- Nós temos que matar a criança Kart? Ele perguntou, e em resposta, Kartven riu.

Os olhos da pequenina transbordaram. Lágrimas escuras e viscosas que feriram as paredes da sanidade de seus algozes.
- Vá para casa, abrace sua filha e a afogue na pia do banheiro, depois se despeça de sua esposa, e com sua melhor faca, corte seus pulsos bem fundo, sangre bastante e morra.
A voz da Lasombra ecoou pela loja, trazendo as verdades do abismo consigo. O homem saiu pela porta sem dizer uma palavra.
Erzét e Erich pensaram em correr, em gritar, em implorar por misericórdia, mas não houve tempo.
De trás da prateleira de jogos de videogame uma sombra se levantou e engoliu tudo a seu alcance, e após um segundo de breu absoluto, Érzet deixou de existir.
Erich atirou duas vezes, e nas duas acertou a imensa escuridão que tomava conta de Sibelle, em resposta, a escuridão apenas se intensificou.
Yorrance sorria agora. Era bom que ela gastasse alguma energia, isso a faria ficar com fome, e possivelmente adiantaria os planos de sua rainha.
- Esperem vocês não podem fazer isso! Gritou Kartven, e continuou – Nós nos rendemos!
Aparentemente, Sibelle não ouviu.
Dois tentáculos cresceram, e agarraram Erich, que tentava desesperadamente recarregar sua arma, eles o apertaram em direções opostas, fazendo com que seus ossos torcessem e estalassem.
Yorrance tentou impedir que Sibelle matasse Kartven com um comando mental, mas ela estava furiosa demais pra ouvi-lo.
Ela juntou as mãos como em uma oração, e olhou fixamente para seu odiado inimigo, Com toda a serenidade de uma criança, ela disse:
 - Desapareça, eu quero que você deixe de existir.
Uma serpente de escuridão saiu de suas mãos, e após atravessar o peito de Kartven, se enrolou nele e mordeu fundo, rasgando seu pescoço e depois o devorando por inteiro.
Alguns segundos depois, a escuridão recuou e Yorrance pode em fim relaxar.
A loja foi destruída, os inimigos derrotados, e a criança magoada.
A atenção do sacerdote voltou a sua amada:
querida, você quer escolher outra boneca?
- Não, não quero Yuri. Eu quero sair daqui e matar todas as pessoas que esse homem mal amava.
Tudo bem meu amor, mas lembre-se, só temos até as duas da manhã, se ficarmos até muito tarde na rua mamãe vai ficar preocupada.
- Mamãe vai entender Yuri. Eu estou faminta.

Ia ser uma longa noite.

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