quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma alma que sorri, ato I: As chamas que deus me deu.


Uma breve introdução

Saudações.
Engraçado como inspiração vem e se esvai aleatoriamente. As vezes passamos horas reunindo conceitos, pensamentos, citações, verbos e adjetivos para acabar com uma obra mediócre em mãos.
E outras vezes pensamos em algo tão simples, mas tão simples, que não chegamos a dar valor. Até que temos a caneta\teclado em mãos e quando percebemos já estamos escrevendo a horas e temos um romance de horror puro e uma ode de adoração a crueldade e a insanidade que assombra os cantos mais reclusos de nossa mente. O personagem desse conto surgiu assim.

O que era inicialmente um npc secundário que seria o sire de uma de minhas queridas jogadoras acabou despertando meu interesse por seus pontos de vista curiosos e pela brutalidade de sua existência. Acabei me apaixonando por ele e criando uma monstruosidade tão terrivelmente instável que ao final do texto eu já não tinha mais certeza se tinha escrito tudo aquilo sozinho.

Meus sinceros agradecimentos a minha querida Bárbara V.C. Pelo lampejo de inspiração de mais uma de minhas aberrações que agora vão passear pelas ruas de Munique trazendo o sofrimento do outro lado do espelho consigo.

Boa leitura.
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Ato I: As chamas que deus me deu.

O fato é que tudo é uma grande piada de qualidade altamente questionavel.
Sim, todos as nossas festas e nossas matanças podem ser resumidas em um único trocadilho indecente daqueles que se ouve em um bar de fracassados em uma daquelas noites feias e sem sentido do meio de abril.
Criamos desculpas ridículas e tratados científicos patéticos para fugir da mediocridade que nos cerca. Quando ouvimos as noticias do jornal sobre o holocausto ao vivo ou sobre a criança que se prostituía para comprar as drogas que a salvariam dela mesma, usamos a mordaça da moralidade para afastar a verdade inconveniente. Mas no fundo de nossas almas podres, sabemos que estamos rindo. Que não sentimos culpa. E adoramos isso.

Meu pai ria histericamente quando minha mãe me expulsou do ventre quente que me abrigava. Ambos riram emocionados quando chorei pela primeira vez e choraram de rir quando aprendi a falar "merda".
Meu pai sorriu quando encontrou minha mãe chupando seu irmão. Ele gargalhou freneticamente quando ejaculou na boca dos dois cadáveres. Aposto com qualquer um que ele estava sorrindo quando colocou o cano da espingarda na boca e puxou o gatilho. Ele entendeu a piada, e depois que isso acontece, não há mais muito o que fazer.
Para as crianças do orfanato, cada surra e cada lição da biblía era motivo para grande regojizo. Vez ou outra passávamos noites inteiras nos divertindo, comparando o tamanho do pênis de cada sacerdote e sua eventual predileção por nossa boca ou nosso traseiro. Alguns garotos mal comportados tiveram todos os dentes arrancados para que pudessem desempenhar melhor seus funções. As vezes me pergunto se existe algo mais cômico do que alguem que sorri sem dentes.

Meus amigos também se divertiam descontando sua frustração em mim. Eu não era mais forte, mais rápido ou mais bonito, era apenas alguem que via tão pouco propósito em resistir as agruras de uma existência vazia que não fazia questão de protestar. Nós rimos sem parar durante todos os estupros, todas as surras e toda a humilhação. Era nosso ópio, nosso escudo.
Rir não é o melhor remédio, mas as vezes um sorriso cheio de dentes tortos e podres é melhor do que mais uma noite de lágrimas e dor.
Eu tive certeza de que eu estava destinado a compreender a piada quando comecei a prestar atenção no que os padres diziam na capela. Somos todos pecadores, somos culpados involuntários por toda nossa desilusão. Todos os pecados levam ao inferno, e no inferno, não existe esperança.
Quando eu quis acreditar em deus – Sim, eu quis acreditar em deus – Eu soube que eu não estaria a altura de seus parâmetros.
Mas eu tentei. Tentei impressioná-lo com meus braços de criança e com minha capacidade de mascarar a dor. Como deus, eu incendiei Sodoma. Como deus, eu matei pecadores. Com um galão de óleo, um lençol sujo e um palito de fósforo, eu levei a dor e a desgraça aquela casa de tentações. Embora eu tenha consciência de que os risos de morte de meus companheiros de estupro nunca vão abandonar minha mente, eu não guardo mágoas e não nutro arrependimento.
Se deus acreditasse em mim, tenho certeza de que ele teria ficado orgulhoso.


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