segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Adalbrecht, Ato II: A descida ao abismo do sangue e a morte de meu ultimo desejo de vida.

Enquanto eu esfolava minhas mãos e joelhos na pedra fria, meu estômago traçava curvas em angulos desconfortaveis ao ser tomado pelo cheiro de sangue, vomito e fezes.
Após o que pareceu ser uma eternidade mergulhado no aroma putrido dos mortos, cheguei ao fundo do poço. Ali era um lugar dos mortos, um lugar onde a luz não chegava, um lugar que de tão escuro era possivel sentir a treva roçar no pescoço.
Mas eu não estava sózinho. Analisei o lugar com os pés, logo senti algo gelado e grosso. Uma corrente. Segui ela com a mão até chegar a uma perna pequena e magra. Uma perna de criança.
Ela tremeu e se encolheu quando minhas mãos tentaram descobrir quem era minha companhia de cárcere.
A outra perna tambem estava presa por um pedaço de metal deselegante e impessoal. Minhas mãos subiram, enquanto eu tentava não me enojar com a urina, o vomito e as fezes que lhe cobriam as coxas feridas. Minhas mãos pararam por um segundo em sua genitália. Uma menina.
Minhas mãos subiram pelo corpo magro e sujo, sentindo varios sulcos e arranhões lhe macularem a pele fragil. Parei em seu rosto.
Era pequeno e redondo, de bochechas retas e sobrancelhas arqueadas. Usava um laço na cabeça e tinha o cabelo cacheado e bagunçado.
Era minha irmã.
Enxuguei as lagrimas de nossos rostos e a abraçei com força. Tentei falar que a amava e que a tiraria dali, mesmo sabendo que minha voz iria ser calada pelas trevas e que minhas falsas promessas não trariam a ela nenhum consolo.

Examinei mais uma vez a corrente. Estava soldada ao chão, entre restos de ossos de crianças e animais. A familiaridade estranha que eu tinha com aquele lugar alienigena começava a doer.

A voz de meu mestre interrompeu o devaneio. Era fria e aspera, como um golpe de punhal em um coração calejado pelo sofrimento. Ele invadiu minha mente com força e me explicou o motivo de todo aquele teatro de morte.

É chegada a hora da lição, meu querido sacerdote”

Minha espinha gelou e um estranho frio tomou conta de minha barriga. O ar da mortalha de trevas começava a falhar, e meu mestre não parecia se importar com isso.

A existencia, é força... Isso não deve ser contestado, é lógico o suficiente”
Esta casca de carne a seus pés existe, e tem uma espécie primitiva de força”
Agora observe o que acontece quando se tem força e não se tem poder”

A escuridão encolheu e deu lugar a uma luz amarela e desconfortavel emanada do candelabro do teto. Meus olhos arderam e quase queimaram quando abaixei o rosto e vi minha irmã.
Alguns de seus dentes tinham caido, outros estavam tortos, seu olho esquerdo tinha sido vasado e um de seus braçinhos estava fora do lugar.
As pernas estavam imundas e pela cor de sua pele ela estava faminta. E desesperada. Ela não conseguia falar nada, só gemer. Ao redor dela, ossos de ratos e pessoas que ainda possuiam restos de carne podre. Esta era a dieta dela.

Contive meu impulso de tentar tirá-la dali e me esforcei o máximo que pude para sufocar as lágrimas. Eu sabia o que iria acontecer.

"Canalize o poder e abra o caminho"

E então ela morreu. De baixo da sombra de meu braço uma forma horrenda da cor do piche se levantou, ela era fálica e pegajosa, e com um golpe veloz, partiu a espinha de minha irmã. Eu me limitei a cair de joelhos, com os olhos trêmulos e labios oscilantes que se limitavam a lamuriar um protesto incoerente contra aquilo que eu me recusava a acreditar.

E então mais dois braços do abismo surgiram. Estes eram pontudos e secos. O primeiro atacou a coxa direita de minha irmã, penetrando o frágil membro sem grande dificuldade, e o segundo bateu como uma furadeira em seu seio de criança.

Não sei por quanto tempo eu observei os tres braços retalharem, profanarem e estuprarem o corpo de minha irmã. Mas sei que foi o suficiente para entender a lição.

Sem poder, aqueles que você ama vão sofrer. Sem poder, você se torna um expectador a disposição da crueldade alheia.

As trevas me agarraram e me levaram para cima do poço. A cada centimetro de distancia do cadáver de minha irmã, eu sentia meu peito apertar mais.

Se eu morresse agora, morreria menos.

Quando estava no topo do poço, meu mestre me permitiu contemplar o pequeno anjo desmembrado pela ultima vez. Irônicamente, ela parecia sorrir.
A dor dela ja havia acabado.

A minha ainda estava prestes a começar.

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