Era julho de 1945 e Os Três meditavam no salão de guerra.
Haringoth, Martelo do Norte, vestia sua pesada armadura noturna e repousava
sobre tentáculos de treva. Os três meditavam no conselho de sombras. Sua face era a de um
cadáver pálido e ossudo, ele não tinha cabelos e seus olhos eram fossos negros e
apodrecidos. Ele era um guerreiro de uma nobre linhagem do clã e casa das sombras, e era
o mais jovem ali presente.
Verminal, Mãe de Monstros, carne da danação e podridão da existência, era a manifestação
do sonho de um louco. Ela não tinha olhos, mas tudo via, não tinha braços, mas a tudo tocava.
Ela era uma massa pegajosa de ossos pueris e protuberâncias cancerosas. Havia uma boca em algum lugar
seu corpo, que constantemente sibilava palavras de poder em línguas perdidas. Era velha e cheirava
a sal.
A terceira, pequenina e frágil, era a união de tudo que havia de vil e cruel no mundo.
Adele, campeã das cortes de sangue, filha do Rimador, nobre de sangue e nome. Tinha cabelos
cacheados e dourados, olhos brilhantes e púrpura e trajava um delicado vestido funerário.
Ela morreu quando tinha dez anos, coisa que aconteceu uns tantos séculos atrás.
Ela não projetava sombras.
Ela não sorria.
Haringoth, inquieto, estalou o pescoço em um giro lento e teatral. Quando abriu a boca,
sombras cativas fugiram de seu hálito. "Meus exércitos queimam lá fora para lhe comprar
essa oportunidade, irmã. Não a desperdice."
Sua voz era fria e carregava consigo a força de um clã. Escuridão líquida escorria de
seus olhos e mesclava-se as carnes magras do rosto criando uma pintura mórbida e senil.
Adele, caminhando em linha reta nas pontas dos pés, com os braços abertos, equilibrava-se
em um jogo infantil. "Irmão meu, alguma vez eu falhei em manter minha parte da barganha? A hoste
será levantada uma vez mais, fortalecida pela pureza e força de nosso Sabá. Nós já vencemos. Você verá."
Verminal gargalhou.
Ao longe, algo morria gritando.
*****
Andrew era jovem e sofria de terríveis crises nervosas.
Era também um dos lideres de guerra mais competentes que o sabá já abraçou.
Ele estava apoiado entre as vigas do teto de um prostibulo que fora parcialmente destruído durante os bombardeios a Berlim.
Abaixo dele, sete soldados russos violavam uma mulher alemã. O Brujah estava faminto e ferido. Havia sido
atingido por um morteiro no confronto da noite anterior, pouco depois de enfiar as duas mãos
na garganta de seu senhor e abri-la horizontalmente.
Andrew se concentrou na dor e ordenou que ela o deixasse. Esperou por um instante de silêncio e deixou as mãos se soltarem.
Mergulhou e matou.
*****
Ele teve um nome uma vez. Teve também uma família e sonhos e essas coisas que gente tem.
Não mais.
Ele era agora uma parte quebrada da grande verdade. Carne nos caldeirões mentais dos mestres.
*****
As sagradas fogueiras queimavam por toda Alemanha.
Hardestadt havia caído e a torre de marfim agora era uma pálida lembrança de um inimigo
outrora tido como imbatível.
O sacerdote iniciava o cântico, banhado no sangue de mortos inocentes.
"Dagon, noite escura, manta minha, consagro a ti essa vitória, consagro a ti a chama do Sabá, consagro a ti a morte do mundo"
Dagon, morto e enterrado, sorria. O sacrifício era bem vindo e o sacerdote teve seu pedido atendido.
*****
Bem vindo, ilustre visitante. Esse é um lugar onde (vez ou outra) coloco contos de vampiro. Estou lentamente atualizando com histórias feitas com personagens da quinta edição do jogo. Boa Leitura.
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sábado, 25 de julho de 2015
Noites Inquietas: Um breve prelúdio
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Vestido de festa
Sou forma e movimento. Um eco na carne do firmamento.
Faço-me títere e início o rito. Eu costurava restos de condenados e almejava presentear nossa estimada criança com um belo vestido.
Imagino que ela tenha dificuldade em compreender a magnitude de meu trabalho, e quanto me é custoso esculpir algo que reflita uma carne que eu nunca toquei. Mas é um ritual e rituais precisam ser honrados.
Removo as omoplatas de um bebê mortal com uma carícia. Os ossinhos estalam e se contorcem, eram como manteiga derretendo sobre meus dedos. Ele geme e seus olhos se apertam, incapaz de entender e sentir. Obstruo suas narinas e lábios com pontos em xis e o sangue em meus dedos pinta-lhe a face. Em segundos os pulmões começam a falhar e espasmos suaves o tomam de assalto.
"Obrigado por me conceder sua doce carne, invólucro mortal"
Beijo sua testa e me ponho a devorá-lo. Seu sangue limpo e fino correndo por mim em uma torrente libidinosa de desejos rubros e libertadores. Seu coração cede com gentileza e o embalo em meus braços.
Frio, inerte, tranquilo.
Removo suas pálpebras em um puxão e agradeço-o mais uma vez antes de abandonar o corpo e me dirigir as outras doze crianças em que trabalharia naquela noite.
Perto de mim, o manequim ossudo e quente começava a tomar forma. Armazeno a pele roubada em uma de minhas bocas e faço de minhas unhas garras curvadas. Imagino o produto final e retorno ao trabalho.
Irmã, doce irmã, ficarás satisfeita com meu presente? Será ele a altura das expectativas que nutres? Será ele digno de cobrir sua forma imaculada quando a hora do rito chegar?
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domingo, 9 de junho de 2013
Os açougueiros do diabo: Fogueiras da alma, Archotes de Caim. Parte I de III
A noite era uma podridão gosmenta e pegajosa.
Andrew puxou o gatilho do rifle de caça, um suspirou cortou o vento e uma têmpora se abriu.
Ele havia esperado imóvel por um par de horas até que o seneschal voltasse de seu ofício, era alta madrugada e a Turquia queimava com os archotes do sabá.
O comunicador acoplado a seu ouvido piscou e chiou, e a doce voz da assassina lhe beijou com a suavidade de uma velha amante que o tempo matou.
"Meu Ductus, tenho um relatório."
Ele não reagiu. Alguém entrou no quarto do morto. Gritos. Medo. Cheiro de criança da noite. Veiga continuou a falar.
"A Camarilla esta negociando com os anjos de Caim. Estão abandonando a capital e direcionando um exército de carniçais pra cá. Acham que já perderam a cidade e a capela. Nosso espião instalou o transmissor no primógeno Ventrue, o sinal já esta claro. Ele esta em um blindado viajando para o norte com seis cainitas. A rosa branca da Germânia vai interceptá-los em breve. As criaturas de nosso irmão de carne obrigaram círculos de ancillae a redirecionarem seus recursos, tempo e controle sobre toda a mídia e a promover uma chacina disfarçada de revolta popular. Os mortos estão na casa das centenas. Adalbrecht convocou um Tzimisce de Munique e eles estão sitiando uma espécie de templo Assamita com o apoio do bando da chaga e do punhal. Eu estou caçando uma Harpia, precisamos saber a localização de um elísio de apoio. Perdemos cinco neófitos em um confronto com um ancião Assamita. Cicatriz está atrás dele. Minha criança está dominando repórteres em um hospital. Estão transmitindo ao vivo na internet. Está me ouvindo, meu Ductus?"
Ele estava. E estava estático. O Cainita no salão a meia quadra de distância chorava abraçado ao cadáver cinzento e podre. Pela mira amplificada o Brujah conseguia ver as cinzas se descolando das veias pretas e rugosas.
"Uma raspa de caixão" ele sibilou "como eu fui um dia." Veiga chiou do outro lado da linha, mas Andrew era alheio ao apelo de sua Toreador. O cainita desesperado tinha ombros pequenos e rosto franzino, a pela era cor de oliva e os cabelos curtos e cacheados. Seus olhos vertiam manchas vermelhas e seus lábios finos tremiam e oscilavam.
"Matei o senhor de alguém, Veiga. De alguém que eu não conhecia, por qualquer motivo que nunca me importou."
Do outro lado, ouviam-se gritos de pura agonia e a deliciosa risada da ninfeta de Caim.
"Fazemos isso com relativa frequência, meu Ductus, está tudo bem? Precisa de reforço?"
Andrew ouviu algo que parecia ser "eu já disse tudo que sei, por favor me mate" seguido por um som molhado e carmesim que em todas as línguas do mundo significava dor além dos sentidos.
Andrew piscou pela primeira vez na noite e apertou o gatilho. A bala atravessou a base da nuca e abriu a traqueia completamente, e mesmo antes do corpo cair sobre as cinzes finais do Seneschal, o sangue já jorrava.
"Não, não quero ninguém. Lembre-se que a operação é apenas um teste. Mate tudo o que puder. Já temos as informações que precisarmos, só precisamos puxar os Assamitas para a capital. Eles vão prever esse movimento e vão mandar suas crianças. Vamos matá-las e vamos capturar quem quer que esteja liderando o contra-ataque. É deles que precisamos. Mate o que quer que seja que esta gritando ai e una-se a cicatriz. Ataquem o público. Levem uns tiros, sorriam pras câmeras. Eles já sabem que somos nós."
"Entendido, fique bem, meu gatinho, Veiga desligando."
Ele pensou na insubordinação dela por um instante e sentiu o sangue esquentar. Levantou-se em um solavanco e observou a rua seis andares a baixo de seus pés.
Pessoas, gritos, sangue. Uma revolta por algo que lhe era indiferente. Tropas de choque. Cavalos. Pimenta e medo no ar. Era uma guerra, e Andrew era, acima de tudo, um guerreiro.
"Pelo Sabá, por Caim e pela regente."
Um passo curto e ele estava caindo. O voo do Ductus dos açougueiros do diabo terminou em uma sinfonia de ossos partidos e ganidos patéticos. O sobretudo ocre de oficial do Reich lhe dava um tom irreal. Ele cheirava a ódio e a pavor e a matança e a instinto. Um soldado gritou e ele ouviu travas sendo puxadas. Eles logo aprenderiam que era Andrew quem regia a orquestra.
"Olhe para dentro e veja quem você é", lhe disse a voz de seu pesadelo. "Fuja para dentro de si mesmo, como fez quando me matou."
A imagem lhe socou o estômago e lhe roubou o foco. O frio de Moscou. A anciã que lhe deu a morte beijando o cano da espingarda. A ultima maldição. O disparo. O vermelho.
Uma bala raspou a orelha do Brujah, outras três entraram em seu peito. Ele fugiu pra dentro e viu a besta sorrindo com desdém. Era hora de ser tudo o que o sangue lhe deu.
Mais dois tiros pinicaram o açougueiro, e a besta estuprou sua consciência rugindo. Ele cobriu seis metros em um salto e agarrou um cavalo pelo pescoço. Em um instante ele girou sobre os calcanhares e arremessou o animal e seu cavaleiro de encontro a multidão que corria em absoluto desespero. Andrew curvou-se como um animal, saltando, partindo, ceifando o que quer que a colheita de sua irá encontrasse ao alcance. Ele segurou uma mulher pelo calcanhar e a usou como clava enquanto avançava sobre o pelotão.
Alguém Cantava. Alguém sorria. Andrew era um fiel e a carnificina era sua Deusa e sua prece.
Algo lhe tocou nas coxas e queimou até sua alma. Ele não sentiu a dor, não sentiu o medo. Ele não sentiu que o sol estava nascendo. Ele era a morte encarnada.
Andrew puxou o gatilho do rifle de caça, um suspirou cortou o vento e uma têmpora se abriu.
Ele havia esperado imóvel por um par de horas até que o seneschal voltasse de seu ofício, era alta madrugada e a Turquia queimava com os archotes do sabá.
O comunicador acoplado a seu ouvido piscou e chiou, e a doce voz da assassina lhe beijou com a suavidade de uma velha amante que o tempo matou.
"Meu Ductus, tenho um relatório."
Ele não reagiu. Alguém entrou no quarto do morto. Gritos. Medo. Cheiro de criança da noite. Veiga continuou a falar.
"A Camarilla esta negociando com os anjos de Caim. Estão abandonando a capital e direcionando um exército de carniçais pra cá. Acham que já perderam a cidade e a capela. Nosso espião instalou o transmissor no primógeno Ventrue, o sinal já esta claro. Ele esta em um blindado viajando para o norte com seis cainitas. A rosa branca da Germânia vai interceptá-los em breve. As criaturas de nosso irmão de carne obrigaram círculos de ancillae a redirecionarem seus recursos, tempo e controle sobre toda a mídia e a promover uma chacina disfarçada de revolta popular. Os mortos estão na casa das centenas. Adalbrecht convocou um Tzimisce de Munique e eles estão sitiando uma espécie de templo Assamita com o apoio do bando da chaga e do punhal. Eu estou caçando uma Harpia, precisamos saber a localização de um elísio de apoio. Perdemos cinco neófitos em um confronto com um ancião Assamita. Cicatriz está atrás dele. Minha criança está dominando repórteres em um hospital. Estão transmitindo ao vivo na internet. Está me ouvindo, meu Ductus?"
Ele estava. E estava estático. O Cainita no salão a meia quadra de distância chorava abraçado ao cadáver cinzento e podre. Pela mira amplificada o Brujah conseguia ver as cinzas se descolando das veias pretas e rugosas.
"Uma raspa de caixão" ele sibilou "como eu fui um dia." Veiga chiou do outro lado da linha, mas Andrew era alheio ao apelo de sua Toreador. O cainita desesperado tinha ombros pequenos e rosto franzino, a pela era cor de oliva e os cabelos curtos e cacheados. Seus olhos vertiam manchas vermelhas e seus lábios finos tremiam e oscilavam.
"Matei o senhor de alguém, Veiga. De alguém que eu não conhecia, por qualquer motivo que nunca me importou."
Do outro lado, ouviam-se gritos de pura agonia e a deliciosa risada da ninfeta de Caim.
"Fazemos isso com relativa frequência, meu Ductus, está tudo bem? Precisa de reforço?"
Andrew ouviu algo que parecia ser "eu já disse tudo que sei, por favor me mate" seguido por um som molhado e carmesim que em todas as línguas do mundo significava dor além dos sentidos.
Andrew piscou pela primeira vez na noite e apertou o gatilho. A bala atravessou a base da nuca e abriu a traqueia completamente, e mesmo antes do corpo cair sobre as cinzes finais do Seneschal, o sangue já jorrava.
"Não, não quero ninguém. Lembre-se que a operação é apenas um teste. Mate tudo o que puder. Já temos as informações que precisarmos, só precisamos puxar os Assamitas para a capital. Eles vão prever esse movimento e vão mandar suas crianças. Vamos matá-las e vamos capturar quem quer que esteja liderando o contra-ataque. É deles que precisamos. Mate o que quer que seja que esta gritando ai e una-se a cicatriz. Ataquem o público. Levem uns tiros, sorriam pras câmeras. Eles já sabem que somos nós."
"Entendido, fique bem, meu gatinho, Veiga desligando."
Ele pensou na insubordinação dela por um instante e sentiu o sangue esquentar. Levantou-se em um solavanco e observou a rua seis andares a baixo de seus pés.
Pessoas, gritos, sangue. Uma revolta por algo que lhe era indiferente. Tropas de choque. Cavalos. Pimenta e medo no ar. Era uma guerra, e Andrew era, acima de tudo, um guerreiro.
"Pelo Sabá, por Caim e pela regente."
Um passo curto e ele estava caindo. O voo do Ductus dos açougueiros do diabo terminou em uma sinfonia de ossos partidos e ganidos patéticos. O sobretudo ocre de oficial do Reich lhe dava um tom irreal. Ele cheirava a ódio e a pavor e a matança e a instinto. Um soldado gritou e ele ouviu travas sendo puxadas. Eles logo aprenderiam que era Andrew quem regia a orquestra.
"Olhe para dentro e veja quem você é", lhe disse a voz de seu pesadelo. "Fuja para dentro de si mesmo, como fez quando me matou."
A imagem lhe socou o estômago e lhe roubou o foco. O frio de Moscou. A anciã que lhe deu a morte beijando o cano da espingarda. A ultima maldição. O disparo. O vermelho.
Uma bala raspou a orelha do Brujah, outras três entraram em seu peito. Ele fugiu pra dentro e viu a besta sorrindo com desdém. Era hora de ser tudo o que o sangue lhe deu.
Mais dois tiros pinicaram o açougueiro, e a besta estuprou sua consciência rugindo. Ele cobriu seis metros em um salto e agarrou um cavalo pelo pescoço. Em um instante ele girou sobre os calcanhares e arremessou o animal e seu cavaleiro de encontro a multidão que corria em absoluto desespero. Andrew curvou-se como um animal, saltando, partindo, ceifando o que quer que a colheita de sua irá encontrasse ao alcance. Ele segurou uma mulher pelo calcanhar e a usou como clava enquanto avançava sobre o pelotão.
Alguém Cantava. Alguém sorria. Andrew era um fiel e a carnificina era sua Deusa e sua prece.
Algo lhe tocou nas coxas e queimou até sua alma. Ele não sentiu a dor, não sentiu o medo. Ele não sentiu que o sol estava nascendo. Ele era a morte encarnada.
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domingo, 8 de abril de 2012
Os açougueiros do diabo
A contração de pelanca e muco desempenhada pela face tumorosa de Hrotger ao terminar de ler o relatório podia ser levemente confundida com um sorriso por um observador míope e distraido.
- Se eu tivesse meia duzia de bandos competentes feito o seu por aqui, meu bom Andrew, já teriamos conquistado este continente imbecil.
O nosferatu caminhava pelo salão do conselho de guerra, examinando casualmente a expressão de cada um dos quatro bispos presentes. Ele parou em frente ao Brujah.
- Teu esforço será recompensado, soldado. Escolha o lugar de qualquer um dos meus bispos daqui. Ele será teu.
O silêncio dominou o ambiente enquanto cainitas com o dobro da idade do Ductus se entreolhavam nervosamente, e mesmo nas mesas distantes, onde ficavam os nômades e os bandos menores, não havia som algum.
O Brujah ajeitou a gravata, sentinto-se subitamente asfixiado pelo terno risca-de-giz. Ele odiava muita coisa no universo, e se ele fizesse uma lista, a politíca do sabá estaria quase no topo. Quase.
Provavelmente, Veiga já havia terminado o interrogatório com o tal "arconte" que Adalbrecht capturou a mais ou menos duas horas atras e só Caim sabe quantas almas desafortunadas já encontraram seu fim na ponta das garras do Cicatriz.
Provavelmente, Veiga já havia terminado o interrogatório com o tal "arconte" que Adalbrecht capturou a mais ou menos duas horas atras e só Caim sabe quantas almas desafortunadas já encontraram seu fim na ponta das garras do Cicatriz.
Neste exato momento, ele podia estar na Grécia caçando lobisomens. Podia estar em Moscou caçando infernalistas. Podia estar em París com os dois braços enfiados na garganta de algum déspota senil. Mas não, ele estava ali, em algum canto imundo de Boston assistindo seus "líderes" alfinetarem as costas uns dos outros como pré-adolescentes espinhentas se dilacerando pela atenção do melhor jogador de futebol da escola. Era, na melhor das hipóteses, patético ao extremo.
- Sinto-me enormemente lisonjeado, lorde Hrotger. Mas temo que meu lugar seja na liderança de um bando de guerra. Como o senhor bem sabe, fiz um juramento perante a taça e a regente. Os açougueiros do diabo são soldados sacramentados por Caim e irmãos inseparáveis. Não tenho a intenção de questionar seu julgamento, priscus Hrotger, apenas desejo deixar claro que é pela vontade da regente que sou parte da lâmina, e não da empunhadura, da espada de Caim.
Houve um leve murmurio na sala, suprimido rapidamente pela tosse tuberculosa do Nosferatu. O velho não parecia nenhum pouco incomodado com a declaração do Brujah, e uns poucos até tiveram a sagacidade necessária para perceber que ele esperava por ela. Hrotger segurou Andrew pelos ombros com as mãos esponjosas e compridas, e falando muito mais alto do que de costume, disse:
- Neste caso, Ductus, saiba que meu convite continua de pé. Sempre serás bem vindo a minha mesa, como aliado e como amigo, e se o desejo da nossa excelentíssima regente mudar, terei o orgulho de te oferecer um de meus bispados.
Andrew forçou seu melhor sorriso e tentou não parecer muito artificial, sem muito sucesso. Ele não praticava muito essa habilidade. Felizmente, Hrotger aparentava já ter alcançado seus objetivos. A conversa seguiu para outros rumos pelas próximas três horas, e todos, em especial os bispos, fizeram questão de ignorar a existência do Brujah.
Ele se encostou em uma coluna e tentou se distrair tamborilando em uma parede próxima. Mesmo quando seus dedos entraram no concreto e as pequenas rachaduras se espalharam pela sala, ele não se sentiu em paz. Hrotger calculou que ele consultava o relógio cerca de quatrocentas e vinte vezes a cada hora e meia, e que por mais que fosse divertido mantê-lo ali, era também perigoso. Com um aceno e meia duzia de palavras gentis, ele dispensou o Ductus, que, sorrindo sinceramente pela primeira vez na noite, se apressou na direção de sua van.
No caminho ele ordenou que levassem Cicatriz, o guerreiro de seu bando, até ele. Ele começou a dirigir apressadamente pelas colinas sinuosas e em pouco mais de vinte minutos estavam dentro do convento de São Tomé. Sem muitas cerimônias, mataram tudo o que encontraram.
Da mais jovem e pura noviça até a mais venerável das madres, todas sofreram horrivelmente antes de perecer. Enquanto Cicatriz usava suas unhas como tesouras e alicates para arrancar dentes e pedaços de gordura, Andrew urrava e deixava que a besta o conduzisse. Por duas duzias de corredores ele simplesmente correu, socando e chutando tudo que estivesse em seu caminho, destruindo com ódio e voracidade e clamando pelo sangue das inocentes sem respeito por sonhos ou esperanças. Quando a consciência oscilante retornou, ele segurava pelo pé uma menina que no caminho havia quebrado a mandibula e torcido os braços em ângulos muito improváveis, e na outra mão, um pesado crucifixo de madeira que a julgar pelas marcas de sangue estava sendo usado como marreta para partir os ossos do que quer que ele visse pelo caminho. Seguindo o rastro de sangue, ele abandonou o convento, no pátio, Cicatriz coletava alguns troféus da noite enquanto ajeitava os toques finais de sua obra maligna.
Seis mulheres idosas ainda vivas agora eram um único ser aracnídeo e doente, o sangue escorria livremente das feridas abertas, e no centro da coisa horrenda, um numero incerto de cabeças sem voz chorava de pavor.
"Vão" Disse o Tzimisce, com a rispidez habitual, "Vão e trilhem seu destino em meio ao mundo de mentira que os homens de teu deus fizeram"
Após o gesto simbólico, os dois vampiros entraram no carro, e seguiram viagem silenciosamente. Só quando entraram na garagem do prédio arruinado no meio do subúrbio, é que Cicatriz esboçou uma reação.
- Mein Ductus, wo bist du?
- Estou aqui do teu lado, meu amigo, por que a pergunta?
- A canção fúnebre cantada pelo sangue ardente de tuas veias contraria a dança de tuas palavras, meu estimado irmão. Diga-me, onde está você?
Andrew não gostava de poesia. Na verdade, ele gostava de bem poucas coisas, e cicatriz era uma delas. Este foi o motivo pelo qual ele não encheu o Tzimisce de porrada naquele momento. Ele parou o carro sem pressa, e após descerem, ele contemplou a face do companheiro.
É verdade, ainda haviam alguns aspectos vagamente humanóides. Dois olhos cinzentos e pequenos e uma boca vermelha e inchada. Pronto, esses eram os traços humanóides. O Brujah não sabia exatamente entre quais chifres, espinhos ou ventosas ficavam as orelhas de seu companheiro, e nem sabia se ele tinha nariz. Todo seu corpo era pouco mais que um grande pedaço de carne ossuda cheia de retalhos, falanges e protuberâncias quitinosas e reptilianas, como se uma infinidade de porcos tivesse se reunido a seu redor e resolvesse que todos deveriam mordê-lo apenas uma vez. E Andrew o amava e respeitava mais do que qualquer outro ser da criação.
Sete décadas de sangue e guerra. Sete décadas de mágoa e ódio. Sete décadas compartilhando o sangue na sagrada taça do Valderie.
O devaneio foi interrompido pelo som aguda da porta do elevador, Andrew avançou cautelosamente enquanto contraia os dedos, ele sentiu um cheiro de perfume barato e sangue menstrual e cerca de dois segundos depois, viu os braços compridos de seu companheiro penetrarem no elevador e saírem carregando um tubo intestinal vermelho e púrpura que pertencia a uma mulher de meia idade que neste momento estava indecisa entre a dor e a pavor, em um segundo movimento resoluto, cicatriz torceu e puxou o orgão com força, arrancando a mulher do chão e arremessando-a contra a viga próxima. O intestino se rompeu, espalhando sangue e fezes indiscriminadamente pelo chão cinzento. Alguém ia ter um trabalho infernal pra limpar aquilo.
Os dois deixaram a mulher agonizando em meio as próprias tripas e subiram até o sexto andar do prédio arruinado, quando as portas do elevador se abriram, Andrew sentiu o habitual calafrio percorrer sua espinha. O cheiro de vitae e morte era suave demais para os mortais notarem, mas não pra ele, perto dali, sua Toreador continuava com sua obra maligna.
Aquele andar inteiro pertencia a eles, e embora os quartos nunca tenham sido formalmente divididos, cada um dos membros do bando sabia que tinha seu espaço. Cicatriz entrou na porta mais próxima, e Andrew teve a impressão de ouvir gemidos de criança vindos de dentro do apartamento. Ele preferiu não averiguar. Com passos lentos e cansados, ele alcançou uma das portas e parou com a mão no trinco. Havia sido uma noite infernal.
Não pela caçada, pela chacina, ou pelo excesso de trabalho. Mas pela maldita reunião. Enquanto ele perdia tempo em reuniões com velhos deprimidos que ocupavam disputando pedaços de terra e fatias de carne, soldados lutavam guerras e inimigos planejavam conspirações. Andrew tinha que repetir o código do cavaleiro mentalmente quarenta vezes por noite para não explodir de ódio e rasgar o pescoço de meia duzia de idosos pretensiosos. O temperamento tradicional dos Brujah tinha um efeito tremendamente negativo sobre ele, e sinceramente, ele esperava ansiosamente pelo dia em que pudesse explodir e levar seu descontentamento ao meio das costelas de algum arcebispo descuidado.
"Entre, irmão" Disse uma voz suave e fria que pareceu crescer dentro do quarto. Andrew viu as sombras que se projetavam na parede moverem-se com calma, agrupando-se atrás de um velho criado mudo, como se saíssem do caminho para não perturbá-lo. O vampiro suspirou. Talvez uma conversa com seu sacerdote pudesse lhe trazer um pouco de paz.
Ele abriu a porta sem pressa, e entrou no salão de trevas. Havia uma única luz no ambiente, uma vela amarelada e fina, apoiada em um prato de porcelana segurado por Adalbrecht. Ele era alto, magro e pálido. Estava nu no escuro, e sombras inquietas dançavam sobre suas costelas como se o lambessem com volúpia. Seu rosto era fino, frio e cadavérico, uma lembrança amarga do inverno, que trazia um brilho azulado e pisciano que rugia em contraste com as órbitas negras de seus olhos. Seu cabelo comprido era escuro o suficiente para mesclar-se a treva perene do quarto, e com um leve suspiro, o lasombra roubou o calor do corpo de seu companheiro.
- És bem vindo em minha morada, irmão, entre, e compartilhe de minha sabedoria.
Andrew se aproximou do sacerdote, e em uma leve reverência, beijou a testa do guardião.
- Caminhe pela sombra da alma sem medo, meu Ductus, venha comigo e me explique o motivo de tua tão afortunada visita. Vejo duvida e ódio em teu peito, e sangue em tuas mãos. Acaso viestes buscar por conselhos ou por refúgio de teus inimigos?
- Vim lhe fazer uma pergunta, meu irmão. Perdoe-me se o faço em hora tardia.
- Todas as horas são tardias para os mortos, meu Ductus. Tú entras sem medo no refúgio da noite escura, e mesmo assim carregas em teus olhos a chaga da duvida.
Andrew sorriu. Mais uma vez ele chegou a conclusão de que odiava poesia, e odiava quando tentavam usar frases mais bonitas do que o necessário, e odiava a calma eterna de Adalbrecht, e odiava sentir o cheiro de tripas e lágrimas no quarto vizinho, e odiava esse continente de merda e odiava essa guerra de merda. Ele se concentrou e encheu os pulmões de ar, e depois soltou-o lentamente. Essa noite estava sendo mais longa do que o necessário.
- Irmão, estou cansado e preciso de um conselho. Será que esta empreitada americana vale o esforço? A própria regente não moveu um dedo para ajudar...E eu tenho perdido metade de minhas noites em reuniões inúteis com a diretoria. Me sinto culpado, enquanto você e os outros lutam uma guerra, eu recebo tapinhas nas costas de velhos alienados. Quando poderemos ir embora, irmão? Quanto tempo até percebermos que esta guerra não vai ter fim simplesmente por que nossos lideres não querem que tenha?
O Lasombra recuou um passo, e estendendo o braço, ordenou que o abismo engolisse a vela, mergulhando ambos no silêncio do além mundo.
- Tu que caminhas no escuro em direção ao ser, não feche teus olhos perante a verdade que a noite lhe rouba. Aqueles que perderam a convicção não são de tua responsabilidade, irmão. Concentre-se em teu propósito aqui, nós somos a pedra fundamental, o padrão pelo qual os outros vão ser julgados. Se a operação não é de teu agrado, Ductus, posso entrar em contato com meu mestre e conseguir uma transferência para outro front, mas entenda, isso terá consequências.
Andrew ficou tremendamente satisfeito com a resposta. Com um comando, ele poderia ir embora, e só teria que inventar uma desculpa para que a turba de abutres não o atormentasse. Claro – havia toda uma série de complicações. Mas elas que se danem, a America que se dane e esse bando de imbecis que vá pro inferno. Eles já fizeram demais.
- Pergunte a seu mestre se ele não quer um novo casaco de peles, ou uma biblioteca, um um polegar de príncipe, ou o que quer que seja, mas nos tire daqui Adalbrecht. Esse lugar vai me deixar louco.
O Brujah ouviu meia duzia de palavras em uma lingua língua estranha, antiga, e então teve a sensação de que correntes grossas estavam subindo por suas pernas; Era o frio do abismo, a matéria da inexistência. Mesmo após meio século de convivência com o sacerdote, Andrew não havia se acostumado com elas. Após um minuto longo e incerto, as trevas voltaram para seu refugio primordial, revelando paredes sem cor em um quarto sem móveis.
- Três dias, meu Ductus, em três dias estaremos velejando no mar noturno para nossa casa ancestral.
Andrew sorriu, surprezo. Ele não fazia ideia do que o sacerdote tinha feito, mas a experiência lhe ensinou a confiar em cada palavra dele. Três dias e ele estaria longe desse hospício.
- Obrigado, meu amigo, sem tua ajuda este bando estaria fadado a ser tão patético quanto todos os outros grupos de crianças que vemos por aqui. Se me permite, vou descansar.
Adalbrecht fez uma reverência pesada e sem som, e sentou-se sobre as próprias pernas enquanto puxava fios de sombra com os dedos. O Brujah se retirou, sentindo o cansaço bater sobre os ossos, após sete passos no corredor escuro, sentiu mãos delicadas tocarem sua cintura.
- Se eu fosse uma inimiga, tu estarias mais uma vez morto, meu amado Ductus.
A voz era doce, melodiosa, repleta de um carinho teatral e cômico que ambos sabiam que não existia. Andrew relaxou o corpo e se encostou preguiçosamente na carne macia de sua torturadora. Ele sentiu a textura dos mamilos macios tocando suas costas e se deixou levar pela sobriedade onírica daquele momento.
- Veiga, minha querida, se fostes uma inimiga, eu ainda levaria anos para finalmente morrer.
O riso dela ecoou pelos ouvidos do Brujah, como sinos tocados por crianças jocosas em uma hora inadequada, ela o envolveu em seus braços com cuidado, e levou os lábios finos e rubros até o pescoço dele, em um encontro seco e inocente, o vampiro tremeu.
- Você esta exausto Andrew, venha deitar-se, meu relatório pode esperar até amanhã, e minha cama tem fome de seu corpo.
Ele quiz perguntar o que diabos aquilo queria dizer, ou quais as intenções dela, mas simplesmente não parecia adequado. Ele já tinha visto ela fazendo sexo com algumas vítimas, e não foi algo muito agradável. Entranhas e vísceras demais, ferro quente e lâminas demais. Paixão e perversão demais. O Brujah tentou protestar, sem muito sucesso, e quando já estava na entrada do quarto, as mãos macias da Toreador já estavam trabalhando no fecho do cinto dele. Quando ela acendeu a luz, o Brujah finalmente entendeu o propósito de todo o teatro romântico.
Os matadouros do inferno deveriam ser mais acolhedores do que aquele quarto doente, e a própria palavra crueldade parecia ofendida pela vulgaridade blasfema do templo de luxúria. O prisioneiro ainda estava ali – na verdade, estava em todos os cantos – em pedaços separados, unidos por ossos costurados com esmero por uma cirurgiã louca. Seu peito e sua cabeça estavam deitados sobre a grelha de um forno ainda incandescente, decorados com pedaços de carvão avermelhado em meio a pulmões perfurados e intestinos esticados pelas paredes. Uma das pernas - e só Caim sabe como ela chegou lá – foi trespassada por meia duzia de hastes pontudas e cinzentas, e a outra, no outro lado da sala, repousava em uma bacia de água fervente. Os testículos do arconte ainda estavam unidos ao pênis, a cerca de quarenta centímetros de altura, presos por uma argola e dois alicates paralelos, e em sua garganta aberta, repousava uma esfera metálica e espinhenta.
Seja lá quais fossem os crimes deste cainita, ele já teria os confessado. Não que isso fizesse diferença, claro, Veiga era uma artista, e não era de desperdiçar material. Ela moveu-se pelo quarto, tendo o cuidado de não tropeçar em algum orgão abandonado a esmo, e ficou de pé, com as pernas abertas, sobre a cabeça do vampiro torturado. Após esfregar seu intimo na boca cheia de agulhas do pobre coitado algumas vezes, ela soltou um gemido arfante e voltou-se para Andrew.
- O que esta esperando, meu Ductus? Deixe-me ser tua neste momento sublime.
Andrew respirou fundo mais uma vez. Ia ser uma noite infernal.
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