quinta-feira, 9 de julho de 2015

Vestido de festa




Sou forma e movimento. Um eco na carne do firmamento.

Faço-me títere e início o rito. Eu costurava restos de condenados e almejava presentear nossa estimada criança com um belo vestido.

Imagino que ela tenha dificuldade em compreender a magnitude de meu trabalho, e quanto me é custoso esculpir algo que reflita uma carne que eu nunca toquei. Mas é um ritual e rituais precisam ser honrados.

Removo as omoplatas de um bebê mortal com uma carícia. Os ossinhos estalam e se contorcem, eram como manteiga derretendo sobre meus dedos. Ele geme e seus olhos se apertam, incapaz de entender e sentir. Obstruo suas narinas e lábios com pontos em xis e o sangue em meus dedos pinta-lhe a face. Em segundos os pulmões começam a falhar e espasmos suaves o tomam de assalto.

"Obrigado por me conceder sua doce carne, invólucro mortal"

Beijo sua testa e me ponho a devorá-lo. Seu sangue limpo e fino correndo por mim em uma torrente libidinosa de desejos rubros e libertadores. Seu coração cede com gentileza e o embalo em meus braços.

Frio, inerte, tranquilo.

Removo suas pálpebras em um puxão e agradeço-o mais uma vez antes de abandonar o corpo e me dirigir as outras doze crianças em que trabalharia naquela noite.

Perto de mim, o manequim ossudo e quente começava a tomar forma. Armazeno a pele roubada em uma de minhas bocas e faço de minhas unhas garras curvadas. Imagino o produto final e retorno ao trabalho.

Irmã, doce irmã, ficarás satisfeita com meu presente? Será ele a altura das expectativas que nutres? Será ele digno de cobrir sua forma imaculada quando a hora do rito chegar?

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