Meu ofício de sacerdote me trouxe até você. Afinal, não sou eu o guardião de meu irmão?
Chamo a treva e faço dela minha veste. Abandono o corpo e mergulho em pensamento. Sou uno com a singularidade que habita os espelhos dos caídos.
Clamo pelo poder invocando uma palavra morta e alcanço a visão. Uma criança esta sozinha e sua mãe esta sofrendo. A mãe sofria por não mais saber sentir e a criança chorava por ter fome e frio.
Extendo meus braços infinitos e toco ambas em realidades as quais elas eram alheias. O sangue se manifesta na mãe, protegendo pensamentos pesarosos e desejosos proibidos.
A criança, indefesa, treme e se encolhe. Eu e a vejo e a beijo e a conforto.
"Tú que és negra em sua semente, que sentou-se a minha mesa e bebeu de minha taça, por que choras? Acaso não se recordas que comungastes com a vontade do rei do firmamento? Tudo que tua alma alcança lhe pertence, pequenina, tudo que teus olhos de artífice imaginam existe em seu interior. Eu sou teu sacerdote, sou seu guardião, e ofereço-lhe minha mão direita. Aceite-a e venha até mim, e juntos questionaremos tuas trevas a cerca de teus tormentos. Tua vontade é soberana em teu corpo. Tú que és mais viva do que eu, levante-se e aceite meu convite."
Ela se agita, confusa. Seus olhos estavam manchados de vermelho e ela soluçava. Eu não sabia mais soluçar ou chorar. Eu estava completa e verdadeiramente morto, uno com a verdade que se esconde atrás dos espelhos.
Joan se levanta, trêmula e nua, e começa a caminhar pelo velho refúgio. Ela virá até mim com seu silêncio e sua mágoa, virá até mim com o amor que sente por minha doce irmã, e eu ouvirei, como sempre faço. Eu a ouvirei e pedirei ao abismo pela sabedoria necessária para servir a minha fiel.
Tomo forma de carne e ordeno que o sangue me aqueça. A fome ecoa em mim e mentalizo antigos campos de romaria. Penso nas grandes mortes e nos festins de carnificina de meus dias de jovem aprendiz.
As fogueiras dos rituais certamente que ainda ardiam, para outros pastores e outros rebanhos, e todos eles sentiam-se tão frágeis e despreparados para a guerra vindoura quanto eu.
A maçaneta gira e a porta de meu templo se abre. Chamo por Dagon por instinto e a luz que havia em mim morre gritando. Minha irmã entra, abraçando a si mesma e clama por meu nome.
Eu respondo criando uma tábula de treva ao lado dela e dizendo "Deite-se, irmã, deite-se e me conte o que te aflige."
Ela obedece. Todos sempre obedecem. Minha vontade não pode ser questionada em meu templo. Ela fecha os olhos e descansa seus dedos entrelaçados por sobre suas pernas lisas e pálidas.
"Perdoe-me por interromper sua meditação, Adalbrecht. Sinto-me confusa e não sei como proceder."
Sua voz era de uma docura doente. Leve e bela como só os jovens sabiam ser. Mordo meus lábios e umedeço as pontas de meus dedos no sangue quente da ferida. Na testa de minha protegida, gravo a runa de Phobos.
"Acaso não sou eu teu guardião, criança?"
Ela começa a falar e eu me faço vontade e oração.
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