quinta-feira, 9 de julho de 2015

Prelúdio para uma noite de trabalho


Vez ou outra eu me considerava o pior Ductus do mundo.
Eu sei que certamente não sou o pior, já estive na América e vi como aquelas piadas funcionavam, mas porra, não é um trabalho fácil.

Veiga estava puta com alguma coisa. Adalbrecht queria ir para a Grécia visitar um monumento de alguma merda. A novata era uma novata e Cicatriz estava ocupado trabalhando em algo que envolvia criancinhas e tripas.

E Devus estava sumido, pra variar.

Eu gostava do moleque. Era meio mole, meio indeciso, mas ainda era bom em improvisar. Aquele ar de "eu sou inofensivo demais pra que você preste atenção em mim" fazia dele um infiltrador dos melhores e apesar dele ser tão malkaviano quanto qualquer outro malkaviano do sabá, ele sabia raciocinar.

Mas ele sumia o tempo todo e isso me deixava puto. Mandei a novata atrás dele mas duvido que ela tenha muita sorte. Ela anda chorando e sofrendo e fazendo essas coisas que gente que morreu ontem faz.

Sempre culpei a musica dos anos oitenta por isso. Temos uma geração de molengas que ouvem musicas tristes e lamentam as dores da existência nas nossas linhas de frente por causa do The Cure e do The Outra Merda. Mas foda-se, as crianças da oposição são mil vezes mais choronas.

Adele vai nos convocar em breve. É impossível que nenhum bispo tenha ficado no caminho dela em seis meses. Katherine, a templária, me ligou uma semana atrás dizendo pra estarmos prontos pra matar alguma coisa na América do Sul. Tentei aprender o idioma e desisti quando descobri que existiam meia duzia deles e que todos soavam como um peixeiro polonês asmático tendo um infarto.

Meu telefone toca e meu devaneio é interrompido. Joan, a novata. Deixo a campainha vibrar três vezes e atendo.

"Meu Ductus, eu encontrei nosso infiltrador."

Puta merda.

"Conte-me mais, soldado."
"Ele está na Inglaterra, comigo, caçando um imortal. Diz que não pode retornar antes de confrontar seu inimigo."

Puta merda outra vez.

"Quanto tempo?"
"Não sei dizer, meu Ductus, perdoe-me."
"Matem logo e voltem, temos que trabalhar."
"Sim senhor."

Ela desliga e eu puxo um cigarro do bolso. Cogito por um instante agradecê-la por ter feito algo que duvidei muito que ela conseguisse fazer, mas desisto. Não estamos no sabá pra ganhar tapinhas nas costas. Estamos aqui pra fazer guerra.

Absorvo as informações com a fumaça descendo pela garganta. Devus, caçando alguém, tendo inimigos? Estamos em um trem em direção ao inferno e a entropia é a maquinista. Isso não faz nenhum sentido. Eles não são guerreiros, não foram treinados pra isso, o que será que eles tem em mente, ainda mais nas terras da coroa inglesa, onde tudo é procedimento, etiqueta e futilidade?

Envio uma mensagem de texto para um francês escroto que me devia um favor. Ordeno que ele proteja a novata e que tire os dois de lá inteiros. Mando outra pra veiga atualizando o status da missão da criança. Ela me responde um instante depois.

"Se ela se ferir, você morrerá mil vezes antes de eu me cansar de você, amado Ductus."

Não respondo. Sei que ela estava sendo sincera. Sei que cada vez que a recruta se move eu me fodo um pouco mais.

Termino o cigarro e o apago com a sola da bota. Acendo outro.
O telefone toca outra vez, da Alemanha. Meu estômago gela e atendo.

"Lorde Manoel Dias, Rio de Janeiro, Brasil, acusado de alta traição, conspiração e corrupção infernalista. O briefring completo te espera com seu contato no aeroporto Galeão. Reúna seu bando, você tem dois meses."

E silêncio. Apago o segundo cigarro e abandono o refúgio. Preciso matar alguma coisa, preciso ver sangue jorrar. Meu peito queimava e eu sabia que nos próximos dias tudo ficaria pior.

Eu odeio a porra do Rio. Odeio infernalistas e odeio ter que lidar com um bando que esta ocupado demais cuidando da própria não-vida pra poder lutar pra guerra em que se alistaram.

Avisto um ônibus de turismo ao longe. Chamo o sangue e removo uma placa de sinalização. Quando ele se aproxima, salto em direção ao vidro dianteiro e o parto com minhas botas. O metal urra e se contorce horrorizado quando o veículo tomba.

Todos gritam. Eu não.

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