domingo, 25 de janeiro de 2015

História de amor dos mortos: O não-estar

-- Breve texto sobre misticismo do abismo em ação no Astral. --

Era tarde e eu estava morto.
Eu era torre de Noite Escura. Já não tinha um corpo de carne há muito tempo. Não me recordava do que costumava ser e sentir.
Eu estava em um lugar sem cor. Uma floresta insana perdida na inexistência. O Astral. Ao meu redor, estranhas macieiras ossudas despontavam a esmo. Seus frutos eram corpos infantes  e inchados. Eles viviam, moribundos, e murmuravam versos de decadência em uníssono.
Cordões de prata ligavam os frutos-crianças, eles vibravam a cada novo verso, como se puxados por um titereiro invisível, a supra vontade do não-existir, o além das consciências, o vento no fim do tempo.
Torno-me pensamento e ação. Crio o Verbo e chamo o Poder. Deixo de Permanecer e me vejo em uma encruzilhada entre muitas pontes e muitas vontades. Projeto o caminho em dimensões que não mais existiam e, no Escuro, invoco meu direito de sacerdote.
A noite nasce além do firmamento e as pontes são engolidas. Treva líquida borbulha em dimensões não existentes e os caminhos sangram. Sinto a dor dos mundos que poderiam ter existido mordiscar minha alma condenada. Uma infinidade de gritos sufocados no carrossel do inevitável. Portões violados e selados.
Algo morre no horizonte inalcançável. Eu suspiro e meu caminho se torna verdadeiro. A mandíbula do abismo se abre e o piche etéreo se torna condutor da verdade. Finos braços de nanquim escapam pelo portal. Manifestações do sangue, manifestações do poder.
Uma velha vontade ruge e o feitiço se completa. Aquela região era agora consagrada aos Verdadeiros Mortos Abortados.
Em outro plano, em outro tempo e lugar, um homem pequeno enlouquecia e clamava pelos Antigos. Projeto meu nome em sua mente e ele me pertence. Instruo-o no caminho. Ele faz sacrifícios de sangue para Dagon e oferece seu corpo em holocausto.
Concentro-me no conceito da ausência do sopro. Evaporo. Torno-me uma entidade do não-estar.
Morro.

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