De pé no salão de
sombras, Derek sonhava.
Em algum lugar muito
distante havia um velho profeta que pensava nele. Era uma criatura de
poder e idade avançadas, que via além das paredes e escrevia em sua
pele pedaços da história do fim. Nessa história, sua pequenina
estava feliz e completa, e a promessa era finalmente cumprida. O céu
era negro e vomitava lamúrias sobre todas as conquistas e todos os
desejos dos homens, e o universo morria. Em outro canto do sonho,
havia um louco e sua bola de cristal. Ele a observava por horas e fio
enquanto procurava por segredos místicos que o levariam ao outro
lado do espelho. Um dia ele encontraria essa chave, e se arrependeria
amargamente de ter desejado saber mais. Derek o veria no abismo. No
norte, sempre no norte, estava a espada feita de sangue e juras.
Guerra, destruição, vidro partido e sorrisos rasgados no rosto dos caídos Os Tzimisce se levantavam, e junto com eles iam as hordas de
carne que estupravam a sanidade e a paz de todos os infelizes que
cruzavam seu caminho. E sempre havia o sul.
Lá onde estavam seus
irmãos o pesadelo dormia. Uma fortaleza feita para o fim. Quão
estúpida era essa ideia? Difícil precisar, mas uns tantos poderes da
casa dos guardiões acharam digno de seu status opor resistência
simbólica ao plano mestre do pai ancestral. Derek havia protestado
contra o projeto desde o princípio afinal os esforços necessários
para a construção da темная ночь drenaram a atenção de
quatro dos sete conselheiros por quase noventa anos, e mesmo assim
ela ainda estava incompleta. Era certo que estaria pronta antes do
fim e é certo que ela serviria de estandarte do poder do clã pelos
séculos seguintes, mas ainda assim era um preço alto a pagar.
Ele suspirou e já não
estava mais lá onde tudo se perde. Ele via um tumulo na beira de uma
estrada esquecida pela criação. O astral. Encostado a lápide
estava um corpo de criança com o peito desnudo e em carne viva.
Havia um buraco no lugar que deveria ostentar um coração pulsante.
Ela não tinha face e nem cabelos e de suas mãos pequeninas uma rosa
de nanquim pendia sem vida. Os dedos sangravam um líquido viscoso e
escuro e a palidez da pele era acentuada pela perpétua vibração
escarlate da encruzilhada sem-mundo. Ele sabia que era Adele. O
guardião se aproximou calmamente e levantou o rosto sem forma. Era
liso, macio. Seu polegar roçou o queixo que não devia existir e a
pele da menina se rompeu em um estalo de ossos e carne molhada e da
boca sem lábios um som se projetou.
"Eu te esperei,
meu pai, meu amante, eu te esperei mesmo quando você gritou que iria
embora para nunca mais voltar. Eu te esperei e te odeio".
O rosto estava se
encharcando em sangue vivo e Derek se concentrava para não gritar.
Ele já tinha tido esse pesadelo antes e sabia como acabava.
Os céus começaram a
cair como cartas de baralho. Pedaço a pedaço, eles desciam em
flashes caleidoscópicos e explodiam em uma miríade de pedaços ao
se chocar com o chão. Adele sorria. A lápide foi engolida pela
terra que não estava mais lá enquanto o que restava do mundo
continuava a ser devorado pelo branco eterno da inexistência. A luz
o ofuscou e o nada lhe queimava a retina. Ele caiu de joelhos
sentindo a pele ser dilacerada por chamas mais impiedosas do que o
próprio sol enquanto o medo vermelho o tomava e cegava sua vontade.
Ele tentou gritar mas o ar já não estava mais lá para inundar seus
pulmões. Ele tentou chorar mas suas lágrimas viravam fumaça antes
de deixarem seus olhos. Em um ultimo vislumbre, ele contemplou o
vermelho que beijava o peito aberto de seu amor. E então o guardião
levantou o rosto.
Adele sorria.
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