terça-feira, 31 de janeiro de 2012

História de amor dos mortos - Um conto sobre o fim



Os dois antigos contemplavam o céu de Atlanta serenamente. As nuvens carregadas indicavam a tempestade vindoura, e as sirenes estridentes das ambulâncias e viaturas davam um tom especial aquele inferno de concreto.
O bispo Eilert removia as cascas das infindáveis feridas amareladas de seu rosto, que estouravam em um pus rubro e gosmento que com certa dificuldade movia-se pela face entrincheirada do Nosferatu. O companheiro dele não era muito mais atraente.
Hrotger tinha o nariz pontudo e esponjoso que pendia sob os lábios inchados e sem cor. Por todo seu corpo, protuberâncias escuras e molhadas davam a ele o aspecto de uma vítima terminal da praga negra. Seus olhos verde musgo contrastavam ferozmente com sua forma monstruosa. Eram de uma selvageria tão grande que mesmo inquisidores de determinação inferior não ousavam contemplá-los. Talvez fosse o par de olhos mais valioso de todo o sabá, afinal, foram eles que contemplaram os sinais que o profeta mais antigo do clã traçou na própria carne antes de ser tragado pelo fogo dos obuses russos. Eles guardavam os segredos que o Priscus não revelaria a ninguém antes dos antigos se levantarem.

Hrotger observou a miriade irritante de arranha céus cinzentos que se estendia a sua frente, e mentalizou a destruição de centenas de casas coloniais inglesas. Aos poucos, o panorama em sua mente deu vida a carros feios, lojas inúteis e a uma infinidade de mortais igualmente inúteis. Em seguida, prédios grandes, aeroportos, corporações, e todo lixo que fazia a humanidade feder da maneira peculiar que só eles conseguiam. Então ele imaginou fogo e trevas correndo pelas ruas e devorando tudo em seu caminho, imaginou seus tataravós despertando e fazendo com que o precioso império de vidro que os filhos de Abel levaram séculos para construir ruísse em uma única noite.

Este era o conforto cruel do ancião. Se a espada de Caim falhasse e o mundo morresse, ele morreria sorrindo.

Eilert limpou a garganta, tentando inutilmente quebrar a concentração de seu companheiro. Era difícil entender o que se passava na cabeça dele, não só por ele ser mais forte e mais velho do que boa parte dos vampiros que ele já viu, mas por que ele já ouviu do próprio falecido cardeal Monçada que os pensamentos de Hrotger pertenciam apenas a ele mesmo. Não havia magica ou poder do sangue que pudesse invadi-los. E essa era uma das principais razões pela qual o mais rancoroso dos mortos havia conservado seu lugar por tanto tempo.
O bispo se levantou e olhou para a rua que estava a dezenas de metros abaixo deles. Curioso como as duas limousines paradas em frente ao enorme complexo empresarial não chamavam atenção alguma. Ele chegava a ter raiva disso. A duzentos anos atrás, um cainita tinha que ser muito esperto para sobreviver a fúria implacável dos caçadores. Hoje em dia só era necessário um celular e meia duzia de bajuladores.
Hrotger levantou o indicador ossudo e o pousou sobre uma taça que nem de longe parecia conter vinho. O liquido era de um vermelho escuro e vivo que parecia extremamente insatisfeito em ser mantido no carcere de vidro. O Nosferatu traçou giros irregulares na taça com extrema lentidão antes de arremessá-la ao asfalto. Eilert não protestou, e em segredo lamentou pelo infortuno destino do pobre Tzimisce que havia desagradado o Priscus por todos os motivos errados.
- Sabe, meu querido bispo, não entendo a estima que vocês americanos tem por soldados desobedientes. A voz do antigo soou rouca e baixa. Um chiado desanimado proferido por um leão que tinha consciência de que a morte era próxima. Ele continuou – Em minha antiga casa, e que Satã a consuma, teríamos esfolado esta patética desculpa para um guerreiro Tzimisce exatos dois segundos após ele faltar com respeito a seu lorde.
Eilert chiou baixo, prevendo mais uma conversa desagradável com o velho.

-Responderei a esta pergunta, vossa excelência, se o senhor me responder qual é o motivo pelo qual os antigos de nosso clã tem um desprezo tão grande pela América.

Hrotger assentiu calmamente, enquanto inspecionava a mente dos pombos da janela próxima.
Não eram espiões. Não ainda. Com um comando mental ele ordenou que os sete pássaros gordos sobrevoassem o perímetro da cidade e lhe trouxessem um relatório sobre as ações de cada um de seus batedores.
-Você cria concepções errôneas a meu respeito, meu bom Eilert. Não nutro nenhuma mágoa especial por este pedaço de terra. Eu o odeio como odeio todos os outros recantos de imundice deste universo condenado.
Não havia nenhuma alteração em seu tom de voz ou em seus olhos, mas mesmo assim, o bispo sabia que ele estava mentindo. Sim – havia muito espaço na alma do vampiro para odiar, mas este lugar ocupava um lugar tremendamente especial no coração negro do Nosferatu.
Era até compreensível, dependendo do ponto de vista. O velho nunca havia feito questão de sair de sua casa ancestral, nunca havia pedido pelo status que lhe foi conferido e em nenhum instante de sua não-vida ele desejou travar uma guerra que, aos olhos dos verdadeiros mestres do sabá, era tremendamente fútil.
-Então o senhor não nutre nenhum ressentimento por estar longe de sua casa?
O velho tentou lembrar-se de como era o processo que fazia seus pulmões crescerem e se contraírem, gerando um suspiro. Ele não conseguiu.
- Permita que este velho lhe conte uma história desagradável, meu querido bispo. Ela começou quando uma vagabunda feriu meu orgulho e fez com que eu desejasse a morte do mundo, ela continuou quando uma outra vagabunda fez minha pele derreter e esculpiu minha face nisto que você observa agora. Anos mais tarde, eu vi o fogo que saia da igreja queimando uma das meretrizes junto com os únicos três seres da criação que eu aprendi a respeitar. Séculos mais tarde, veio a convenção dos espinhos e eu cuspi na cara de Von Bauren e sua corja de filhos da puta, me voltei para Vasantasena e com a orientação dela defini o que hoje os jovens chamam de Sabá. Pareceu ótimo na época, mas a falta de controle de qualidade me faz acreditar que foi a pior empreitada de que já participei. Assinei tratados, conquistei cidades, derrubei governos, estuprei príncipes e primógenos.
Eu vi linguagens nascerem e morrerem, vi fés inteiras sendo destruídas. E acredite, me envolvi diretamente em mais de um destes acontecimentos. Eu presenciei o apodrecimento de cada uma das maravilhas perversas dos últimos oitocentos anos. Me diga, boa criança, existe algo que eu possa sentir além do ódio?

Eilert se contraiu, irritado. Ele esperaria ouvir uma história assim de um toreador choroso, não do mais respeitado dos mestres Nosferatu do sabá. As histórias sobre o poder e a crueldade de Hrotger eram tão numerosas quanto as cabeças que ele já havia posto na ponta da lança. E lá estava ele, se lamuriando pelo vitae derramado pelos séculos.
Uma pontada de dor desconfortável atingiu-lhe a têmpora. Então ele percebeu o quanto fora estupido. O mestre do clã dos ocultos estivera em sua mente o tempo todo. O bispo abaixou a cabeça em reverencia, esperando pelo golpe que inevitavelmente sorveria lhe a vida. A reputação da disciplina rígida de Hrotger só não maior do que sua predileção pela Diablerie. No entanto, houve uma surpresa.
-Retire-se, meu querido bispo, sua lição virá no tempo certo.
Sem exitar, Eilert abandonou a sacada.
Os pombos retornaram, trazendo noticias de peões e inimigos. Uns poucos “anarquistas” foram destruidos (“eles poderiam aprender um ou dois truques com os Tzimice”, pensou o antigo), mais ou menos uma duzia de mortais foram “recrutados” (“e ai está uma coisa que poderiam aprender com os Lasombra”), um brujah idiota virou pó ao levar doze tiros enquanto defendia um bando de jovens pichadores da “opressão policial”. Em um instante particularmente inspirador, Hrotger recordou o processo que gera um suspiro.
Ele fechou os olhos e tentou se lembrar de cada um dos malditos motivos pelo qual ele estava naquele pedaço do inferno. Eram muitos, e todos começavam com o nome dela.

“Adele, sua vagabunda, juro por meu sangue que antes do fim vou cuspir em seu cadáver.”

Ele sabia que não ia. Mas era uma jura agradável de se fazer. Ele não tinha nenhuma notícia dela há pelo menos cinco décadas, e isto era o suficiente para deixá-lo ainda mais deprimido do que de costume.
A verdade é que ele estava cansado demais pra continuar essa guerra ridícula. O único propósito pelo qual ele derrubou anciões e conquistou metade da Espanha foi mostrar a ela o quanto ele era forte e o quanto ele não precisava dela. Ele arrancou a cabeça de vinte príncipes só pra gritar bem alto “estou melhor sem você!”. Mas nada disso bastou. Ele ainda sentia falta daquilo que nunca teve.

O nosferatu estendeu a mão ossuda e apertou uma das aves até que se tornasse uma massa vermelha de penas e ossos, as outras aves se agitaram e fugiram desesperadas, o velho levantou-se e observou o voo desordenado dos animais.
“Vocês são mais espertos do que o sabá desse fim de mundo, e tem mais chances de sobreviver também.”

Mais uma vez, Hrotger teve ciência de que ia morrer rindo. Rindo de todos esses patifes, destes malditos jogos de poder, do Sabá, da Camarilla, de todo esse lixo patético que o fazia considerar seriamente a possibilidade de se jogar da sacada todas as noites. Ele olhou pra baixo mais uma vez. Não, não era alto o suficiente.
Ele estava cansado demais. Cansado de todas as noites dar as mesmas ordens ao mesmo bando de patifes só pra ver quem ia esfaquear quem em troca de contratos e assinaturas. E tudo isso pra que?
Pra que a rainha das cortes do sangue descesse do maldito trono e lhe desse um tapinha nas costas?

A noite estava acabando, e a paciência dele também. Ao entrar no apartamento, que poderia, na melhor das hipóteses, ser descrito como “rudimentar”, ele teve uma ideia.

Era hora de contar aos lideres o que ele sabia. De espalhar o caos e a destruição, de iniciar o banho de sangue que despertaria os antigos de seu sono. Guerra – era isso que ele precisava fazer. Dane-se a Camarilla, dane-se o Sabá, dane-se o maldito planeta.

Ele tirou o telefone do gancho e com repudio discou os números que jurou a si mesmo que nunca mais discaria.

Após um único bipe, ele disse:
- Lorde Derek, eu tive uma visão. Precisamos conversar.



domingo, 29 de janeiro de 2012

Derek - Uma breve lembrança do pesadelo de inverno, ato I

Naquela tarde profana, o sopro do avô inverno entoava o réquiem para os caídos com uma notoriedade especial. 
Quantos guerreiros haviam sido abatidos no ataque? Era difícil ter certeza, principalmente por que os vampiros não ligavam para estes pequenos detalhes.
A ordem do voivode tinha sido clara. “Sem prisioneiros”, falhar significaria meses de punição nas caprichosas garras do demônio do leste. Não era uma possibilidade agradável.
Os quatro mortos se entreolhavam em silêncio, esperando o retorno de seu batedor.

“Quanto tempo esperaremos pelo relatório?” Disse o que parecia ser o líder dos mortos.

“O suficiente, meu irmão” Respondeu Derek, enquanto se aproximava de porta de uma igreja em chamas.

“Quantas vezes eu já lhe disse que não és meu irmão, criança! Somos soldados a serviço do mestre, e eu sou seu maldito líder, é só isso.”

Ele avançou, cansado da insubordinação do cainita desgarrado. No caminho, pegou o corpo de uma criança empalada e puxou os ossos de suas costelas para criar uma maça, rasgando carne e veias sem discernimento.

“Agora vou te ensinar a respeitar seus superiores!”

Os outros dois vampiros, Arshak e Heind, não moveram um músculo. Os longos invernos de morte haviam lhes ensinado a respeitar cada um dos caprichos de seu lorde. Derek também não reagiu.
O Tzimisce segurou a haste de osso e carne com as duas mãos monstruosas, e saltou sobre seu adversário com impeto e ódio. A besta rugia e exigia sangue.
Com toda a calma habitual, Derek calculou sete formas de contra-atacar, dois segundos antes da conclusão do golpe, ele descartou a todas elas e, com um passo de dançarino, desvencilhou-se para a esquerda.
O demônio amaldiçoou seu inimigo, e gritando, girou os braços furiosamente e estocou o ar. Derek não estava mais lá.
Arshak e Heind sacaram as espadas e ordenaram que o sangue fortalecesse o corpo. Nenhum deles possuía a segunda visão refinada o suficiente para enxergar o mando de trevas de seu adversário.
Os três vampiros se reuniram, Arshak foi o primeiro a falar.
“Pelo que sabemos ele pode se esconder até a Gehenna devorar a todos nós, meu senhor.”
Heind puxava os ossos para fora das costelas, visivelmente perturbado pelo combate.
“Ele não é covarde, meu amigo, é apenas alienado demais com essa história de 'um sangue em Caim'.”
“Pro inferno com a filosofia dele” disse Esme, o líder. “Quero os malditos testículos desse verme nos portões de nosso manso.”
Ele sinalizou para que os três se separassem e procurassem por qualquer sinal do vampiro. Foi um erro fatal.
Há poucos metros dali, debaixo da sombra da cruz, Derek observava a tudo com absoluto desinteresse. Eles eram estúpidos, brutos. Fingiam ter respeito por seus mestres e tradições, mas estavam tão consumidos por sua besta que mal conseguiam se lembrar da tradição que os acorrentava ao solo da mãe Rússia.
Ele entrou na igreja arruinada, concedendo a si mesmo a luxuria de esquentar seu coração com determinação sobrenatural na casa do deus porco. Muitos camponeses fugiram para o refugio do filho do carpinteiro no início do ataque, e por algum motivo misterioso, a cruz e o sacerdote foram de pouco uso perante a sede dos quatro mortos.
Por todos os campos, bancos quebrados abrigavam pilhas de corpos cuja fé foi despedaçada e a vida extirpada. Os seis homens mais velhos da vila foram crucifixados de cabeça para baixo, sua carne para sempre profanada em nome da vontade imortal do mais cruel dos Voivodes.
“Meu amado mestre, será que isto é realmente necessário? É preciso exaltar o poder da carne e do chicote com tamanha crueldade?”
O vampiro se aproximou do altar, cobrindo a boca com a mão, por um instante, chegou a pensar que não seria capaz de contemplar a obra de arte blasfema que seus companheiros criaram.
O padre do vilarejo estava deitado sobre o altar de pedra, seu peito aberto ostentava um coração que ainda batia em soluços frágeis e irregulares. Seu intestino havia sido costurado a suas costas, formando uma cruz esponjosa e úmida. Logo ele morreria intoxicado pelas próprias fezes.
Ceifar-lhe a vida neste instante seria um ato de clemência?
Era difícil ter certeza. Derek era, acima de tudo,um assassino. Seu mestre anunciava aos quatro ventos que ele era “a mais faminta lâmina que já tive em meu salão de armas”. Afinal de contas, quantas centenas de inimigos já caíram perante seu poder? Bastava um comando do mestre para que ele levasse a espada até os confins da terra mãe.
Mesmo assim, a cada vez que ele matava, algo definhava e apodrecia dentro dele – sim, a cada vez que ele atendia a um dos sórdidos caprichos do Voivode, sua alma morria um pouco. Ela estava enclausurada, doente, mas ele não podia abandoná-la.
Esme entrou no santuário, cuspindo nos corpos em desprezo a fé do deus de seus inimigos. Derek observou-o calmamente. Ele tinha pouco mais de dois metros de altura, todo seu corpo era coberto por uma carapaça quitinosa repleta de poros gangrenosos dos quais escorria um líquido viscoso e escuro. O elmo de osso era arqueado e críptico, dando ao vampiro um aspecto alienígena e selvagem. Seu braço direito era uma espada pontuda e cheia de farpas, e no braço esquerdo, ele carregava um enorme escudo branco e vermelho feito de pessoas.
“Por acaso pretendes se esconder para sempre, verme? Saiba que posso sentir toda a imundice emanada de teu sangue inferior! Logo terás o mesmo destino da meretriz que -”
Antes de concluir a frase, Esme conheceu a desagradável sensação de ter as pregas vocais separadas do pescoço. O demônio se contraiu ao sentir o sangue espirrar torrencialmente, sua voz, antes imponente, agora era um chiado patético e amargo. Um instante depois, Derek contraiu o punho e acertou o demônio no plexo solar, a força do golpe foi o suficiente para arremessar o Tzimisce
Derek acariciou a garganta de Esme, e lentamente sorveu o sangue que lhe tingia os dedos. Ele desceu pela garganta com dificuldade, era amargo, seco. Puro sangue russo. No peito do vampiro, a besta urrou por mais e Derek contorceu a face rosnando. Ele sabia que não conseguiria resistir.
Arshak e Heind tentaram entrar, mas sabiam que não era sábio. Nada ficava entre o abutre de Novgorod e sua presa.
Abaixo dele, Esme resistia como podia, ele fez com que o sangue que lhe sobrava curasse as feridas, mas ele não foi o suficiente para devolver-lhe a carne perdida. Após um longo e desconfortável minuto, Derek falou:

“Perdoa-me, mestre, dono de meu coração e minha alma condenada. O sacrifício que lhe ofereço é pequeno e bem sei que sua sede é insaciável. Como fez nosso avô, este humilde servo agora ceifa o ramo podre da arvore gloriosa de tua linhagem. Que a morte deste desgarrado sirva de exemplo a teus filhos queridos, e que nenhum deles desonre a tradição sagrada da terra e do sangue. Perdoa-me pai pois falhei em discipliná-lo enquanto havia tempo, castigue-me pai, pois sei que mereço punição por meu erro.”

O vampiro sentiu as presas crescerem dentro da boca. Era hora de matar.
“Perdoe-me, meu irmão.”

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A história do amor dos mortos: Um breve preludio para os séculos de danação.

Olá leitor. 
Primeiramente, peço perdão pela ausência de postagens. Determinados assuntos do coração (assuntos não médicos do coração) tem me mantido distante da caneta e do caderno. Venho aqui postar o início de uma nova história, que surgiu como um teste a minha habilidade e uma declaração há uma pessoa querida. 
Eu queria escrever um romance entre um vampiro e uma mortal que conservasse todo o horror e a mítica inerente de nosso amado RPG, e acredito que o que vou postar a seguir é um ótimo início. E o vampiro? Bem, ele não brilha, ele mata, ele profana, ele destrói. Ele também é egoísta e orgulhoso ao extremo. E ele esta apaixonado.
Nos últimos anos tenho encontrado uma dificuldade absurda pra personagens que seguem a trilha da humanidade (pois é...), esta é mais uma tentativa.
E a garota?
Não sei bem, não sou eu que estou desenvolvendo a história dela.
Sim - o desenvolvimento desta história será uma obra em conjunto com uma amiga querida. Que alguns de vocês sabem quem é. Outros não. Eu não ligo.

Confira o inicio da história dela aqui.

Agora, a pergunta que muitos tem me feito nos últimos dias. Em algum momento eu terminarei uma de minhas histórias?
É bem possível, mas não tenham pressa. Eu particularmente não tenho. 
Boa leitura.

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Há quinze anos atrás, o vampiro se sentiria extremamente culpado em executar o plano que sua mente concebeu.
Afinal de contas, o que sobrava para aqueles como ele, além da culpa?
Ele envolveu-se no manto da ausência com o cuidado habitual, e com deliberada lentidão aproximou-se de sua protegida.
Deus – como machucava olhar pra sua forma de criança. Ardia na alma pensar no tempo que ainda os separaria. Mesmo para ele, imortal como todos os malditos, era difícil conciliar a ideia de que uns tantos anos ainda o separavam das caricias dela.
Pacientemente, ele ajoelhou-se ao lado da cama, separando com toda a calma do mundo as infindáveis cobertas de seda. Pela alvura da pele, ele sabia que ela estava faminta – e que esta era apenas uma das provações que ela iria passar até o dia fatídico da vida em morte e da morte em sangue.
Cada um dos cachos dourados tinha a suavidade de uma nuvem brincalhona, e a maneira como estavam dispostos ao acaso fez com que o vampiro imaginasse constelações que ele sabia que ela jamais veria.
O leste longínquo, terra dos demônios que ele chamava de irmãos.
Será que ela gostaria das praças e dos rios congelados de Novgorod? Dificilmente. Lá era tudo tão frio e tão morto que o simples pensamento de expor sua amada aos caprichos dos Voivodes lhe trazia sombras ao sorriso.
Ele observou os lábios finos por um instante, e a besta urrou em seu peito. Seus ombros tremeram e sua consciência cedeu.
Quando ele despertou, levou dois longos segundos para se recuperar do choque obsceno. Seu dedo indicador agora repousava sobre a boca da menina, proporcionando-lhes uma curvatura pecaminosa que lhe enchia de desejo.
“Tão macia. Tão frágil. Como seria fácil me atar mais uma vez ao inferno só pra tela essa noite”
Não - A besta deve ser combatida.
Sua mão tremeu levemente quando ele tentou removê-la, e, em instante de surpresa, a garotinha moveu a língua e massageou levemente o dedo do vampiro.
Por um instante, ele deixou de estar morto. O vagalhão no intimo fez com que suas pernas tremessem e seu coração bateu outra vez. Indefeso perante a carícia, ele fez com que a falange deslizasse pelos lábios de algodão uma, duas, três vezes.
E então ele percebeu que ela estava com os olhos abertos.
Seu coração parou outra vez, e um frio desconfortável e alienígena tomou conta de sua barriga. Ele chamou pelo sangue e moveu-se mais rápido do que o tempo, com um salto exagerado, jogou-se para o outro lado da cama, aterrissando com as trevas e a elas unindo seu corpo. Quando ela não se moveu, ele se lembrou do quão estupido ele era.
Ele havia convocado o manto da ausência. Quais seriam as chances de uma criança sonolenta enxergar além do poder do vitae?
Era um pensamento tolo e desesperador. Vitae.
Será que ela algum dia entenderia as proporções draconianos que separam seus universos? Será que ela o perdoaria pelo beijo rubro que ela receberia em seu leito de morte?
Era inútil pensar nisso.
Morte gera morte, e miséria adora companhia.
Sim – companhia, esta era a ânsia de sua alma solitária. Alguém que conseguisse conviver com a crueldade dos dons de Caim. Alguém que ele pudesse chamar de sua. Alguém que seria como aquela que ele perdeu.

A simples mentalização de sua senhora deixou-o deprimido e abatido. Era hora de caçar.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma alma que sorri, ato III: o regojizo do deus

Por um breve instante, alimentei um pensamento tolo de que eles iriam entender a piada e que iriam rir comigo. Cheguei a mentalizar seus sorrisos de morte sendo violados por meu pênis. E gostei disso.
Será que um dia eles tiveram um propósito? Ou será que sempre foram sacos de carne e merda que parasitavam este universo como todo o resto lixo em descomposição?
Quando o primeiro me golpeou, estes pensamentos deixaram de fazer sentido. Fiquei de quatro como um animal, enquanto dois deles metiam em minha boca, um terceiro saciava-se com meu traseiro. E os outros nove continuavam a se masturbar, gritando obscenidades que fariam uma das prostitutas do inferno corar.
Seus gritos me deram a convicção de que precisava. Era o momento de morte. Era o momento de matar mais um pedacinho de deus.
Eles não repararam quando o primeiro começou a sangrar. Quando os gritos se intensificaram, eu já havia me tornado um deus a parte, e a matança era minha oração e meu evangelho.
Não sei quando tempo o combate durou. Eu fraturei uma costela e perdi um punhado de dentes. A dor física era grande o suficiente para não fazer diferença. E os onze mortos a meus pés estavam piores do que eu. Sim, onze.
Havia um propósito especial para o negro que tinha uma predileção pela sodomia. Levei a lamina até seu pescoço e ordenei que ele sorrisse pra mim.Ele se mostrou relutante a principio, mas após a pequena incisão peniana ele se mostrou muito mais cooperativo. A cada dente que saltava de sua boca eu sentia minha excitação crescer. Cheguei a pensar se eu ia não ia conseguir aguentar por tempo o suficiente. Mas eu sou maior que deus e o tempo cede a minha vontade.
Quando os guardas chegaram, eles levaram alguns segundos pra entender por que o negro desdentado sorria ao me chupar sobre uma pilha de cadáveres. Ele não conseguia rir muito alto, o sêmen em sua garganta o impedia. Quase chorei ao rasgá-la e ver o esperma avermelhado descer por ela.
Sim – É uma piada triste, se é que essas coisas existem.

Uma alma que sorri, ato II: ser como deus.

As ruas de Frankfurt eram uma piada sem igual.
Enquanto nobres gordos e tementes ao senhor ausente orgulhavam-se de seus carros e livros importados, a multidão de miseráveis orgulhava-se de conseguir roubar o bastante para a próxima refeição.
E quando a noite caia e o calor do corpo lhes era roubado sem preconceitos e sem respeitar a qualidade de seu sangue, eles riam da infelicidade de suas vidas e da banalidade de seus sonhos.
Sonhos eram uma coisa engraçada.
Eu sonhava com um prato de sopa fumegante e com o deus que não me ouvia. Eu queria chamar a atenção dele, queria bater nele até ele sangrar, queria violar seu corpo e ejacular em sua cara só pra mostrar que eu não precisava dele.
Após alguns anos vivendo de lixo e abrindo caminho na cadeia alimentar com as unhas, matei um homem para roubar uma garrafa de vinho e um pedaço de pão. E ai eu descobri que essa era a maneira que eu tinha de desafiar ao deus que a mim era indiferente. Não por que eu precisava disso, mas por que era divertido.
Após matá-lo, eu senti um desejo difícil de explicar. O sangue e os ossos partidos me encantavam como o canto de uma sereia profana e cruel. Eu estuprei o cadáver por horas sem alcançar o clímax desejado. E quando os policiais me algemaram, eu desejei que tudo no mundo apodrecesse e provasse meu esperma.
Quando me trancaram em uma sala imunda com doze indigentes, eu finalmente entendi a piada.
A fragilidade de meu corpo fez de mim um alvo natural. Quando a noite caiu eles se revezaram sem pressa e me estupraram sem elegância ou gentileza. Quando chegou a vez do sexto deles me penetrar, eu já não sentia dor ou ódio. Eu apenas sorria.
Pela manhã um guarda me trouxe um prato de sopa quente e um médico cuidou de minhas feridas. Se eu conseguisse chorar de rir, eu teria o feito naquele momento. Era triste e crú demais para que eu pudesse compreender, se eu não soubesse das verdades terríveis que sabia, eu teria morrido ali mesmo. Acho que o médico estava com medo de mim. Minhas risadas o distraíram enquanto ele mantinha uma distancia segura de mim. Ele não viu quando roubei o bisturi e o alicate. Ou talvez tenha visto e estivesse torcendo por mim.

Quando voltei a cela e percebi o sorriso desdenhoso dos animais que já se masturbavam a minha espera, eu entendi que mais uma vez eu precisava ser como deus. Eu precisava matar sem preconceitos.

Uma alma que sorri, ato I: As chamas que deus me deu.


Uma breve introdução

Saudações.
Engraçado como inspiração vem e se esvai aleatoriamente. As vezes passamos horas reunindo conceitos, pensamentos, citações, verbos e adjetivos para acabar com uma obra mediócre em mãos.
E outras vezes pensamos em algo tão simples, mas tão simples, que não chegamos a dar valor. Até que temos a caneta\teclado em mãos e quando percebemos já estamos escrevendo a horas e temos um romance de horror puro e uma ode de adoração a crueldade e a insanidade que assombra os cantos mais reclusos de nossa mente. O personagem desse conto surgiu assim.

O que era inicialmente um npc secundário que seria o sire de uma de minhas queridas jogadoras acabou despertando meu interesse por seus pontos de vista curiosos e pela brutalidade de sua existência. Acabei me apaixonando por ele e criando uma monstruosidade tão terrivelmente instável que ao final do texto eu já não tinha mais certeza se tinha escrito tudo aquilo sozinho.

Meus sinceros agradecimentos a minha querida Bárbara V.C. Pelo lampejo de inspiração de mais uma de minhas aberrações que agora vão passear pelas ruas de Munique trazendo o sofrimento do outro lado do espelho consigo.

Boa leitura.
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Ato I: As chamas que deus me deu.

O fato é que tudo é uma grande piada de qualidade altamente questionavel.
Sim, todos as nossas festas e nossas matanças podem ser resumidas em um único trocadilho indecente daqueles que se ouve em um bar de fracassados em uma daquelas noites feias e sem sentido do meio de abril.
Criamos desculpas ridículas e tratados científicos patéticos para fugir da mediocridade que nos cerca. Quando ouvimos as noticias do jornal sobre o holocausto ao vivo ou sobre a criança que se prostituía para comprar as drogas que a salvariam dela mesma, usamos a mordaça da moralidade para afastar a verdade inconveniente. Mas no fundo de nossas almas podres, sabemos que estamos rindo. Que não sentimos culpa. E adoramos isso.

Meu pai ria histericamente quando minha mãe me expulsou do ventre quente que me abrigava. Ambos riram emocionados quando chorei pela primeira vez e choraram de rir quando aprendi a falar "merda".
Meu pai sorriu quando encontrou minha mãe chupando seu irmão. Ele gargalhou freneticamente quando ejaculou na boca dos dois cadáveres. Aposto com qualquer um que ele estava sorrindo quando colocou o cano da espingarda na boca e puxou o gatilho. Ele entendeu a piada, e depois que isso acontece, não há mais muito o que fazer.
Para as crianças do orfanato, cada surra e cada lição da biblía era motivo para grande regojizo. Vez ou outra passávamos noites inteiras nos divertindo, comparando o tamanho do pênis de cada sacerdote e sua eventual predileção por nossa boca ou nosso traseiro. Alguns garotos mal comportados tiveram todos os dentes arrancados para que pudessem desempenhar melhor seus funções. As vezes me pergunto se existe algo mais cômico do que alguem que sorri sem dentes.

Meus amigos também se divertiam descontando sua frustração em mim. Eu não era mais forte, mais rápido ou mais bonito, era apenas alguem que via tão pouco propósito em resistir as agruras de uma existência vazia que não fazia questão de protestar. Nós rimos sem parar durante todos os estupros, todas as surras e toda a humilhação. Era nosso ópio, nosso escudo.
Rir não é o melhor remédio, mas as vezes um sorriso cheio de dentes tortos e podres é melhor do que mais uma noite de lágrimas e dor.
Eu tive certeza de que eu estava destinado a compreender a piada quando comecei a prestar atenção no que os padres diziam na capela. Somos todos pecadores, somos culpados involuntários por toda nossa desilusão. Todos os pecados levam ao inferno, e no inferno, não existe esperança.
Quando eu quis acreditar em deus – Sim, eu quis acreditar em deus – Eu soube que eu não estaria a altura de seus parâmetros.
Mas eu tentei. Tentei impressioná-lo com meus braços de criança e com minha capacidade de mascarar a dor. Como deus, eu incendiei Sodoma. Como deus, eu matei pecadores. Com um galão de óleo, um lençol sujo e um palito de fósforo, eu levei a dor e a desgraça aquela casa de tentações. Embora eu tenha consciência de que os risos de morte de meus companheiros de estupro nunca vão abandonar minha mente, eu não guardo mágoas e não nutro arrependimento.
Se deus acreditasse em mim, tenho certeza de que ele teria ficado orgulhoso.


domingo, 15 de janeiro de 2012

As palavras do pai

"Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!"
- Mateus 6:23



Sabei disto, minha progênie,
que um tentáculo de sombra nos seguirá aonde formos.

Sabei disto, minha progênie,
que nossa vaidade para sempre se mostrará no reflexo da contemplação.


Sabei disto, minha progênie,
que nossa terra é para sempre a terra das trevas.


Sabei que quando o tempo vier,
as trevas consumirão minha alma, assim como um dia consumirão as vossas.
Escutai bem, meus filhos, minhas filhas! Não vos deixei ser consumidos por vossas
próprias trevas!


Sabei e lembrai que nosso lugar
é um lugar de sombras, de onde para sempre habitaremos, observando.
Feitos nós fomos para observar das sombras,
nosso propósito, e assim faremos.


Sabei que sempre, eu vos observarei
das sombras, através de olhos não meus próprios,
e um dia encontrarei meu caminho
para um nova morada de carne,
e novamente andarei entre vós.

A raiz de todo o mal, ato II: Lobos e leprosos


A indecisão tomou a vampira novamente. Ela já havia assistido as matanças de seu irmão mais de uma vez. Ele era um dos mais condecorados templários do sabá germânico e com toda certeza era o mais cruel. Seu senso estético sempre incluiu vísceras e entranhas o suficiente para chocar alguns anciões de sangue menos nobre.

Se ela o seguisse para a chacina, o que ela ganharia com isso? Mais pregos no caixão?
Ela já havia assistido recém nascidos serem presos ao ventre de suas mães, ela já sentiu a consciência falhar ao ver gemêos tornarem-se siameses e siameses tornarem-se quadrupedes profanos que usavam seus intestinos como chicotes.

Talvez ela não tivesse a coragem para ser uma Ductus do sabá. Talvez ela tenha nascido na família errada, na época errada. Ou talvez ela devesse agradecer a Freya e Baldur por ter sido trazida a morte por uma das lobas do norte, e não por um dos demônios do leste.

"Agradecer"

A sinfonia de gritos quebrou seu devaneio e a pôs em movimento. Ela imaginou a reação dos mortais a contemplarem a forma monstruosa do Tzimisce. Pavor, pavor puro. Quem seriam eles, afinal?
Fugitivos buscando abrigo no coração do sabá alemão? Espiões feridos? Almas inocentes trazidas para uma guerra que não lhes pertencia?
Havia pouco tempo para ponderar. O som de ossos partidos e lágrimas sufocadas lhe dividia a alma. Não havia o que se fazer, mas se ela não acompanhasse o irmão no combate, ela iria sofrer as consequências.
No sabá não há espaço para a misericórdia, não há espaço para corações que ainda batem com paixões por "cascas de carne".

Ela cruzou uma esquina e sentiu o sangue ferver embaixo dos olhos e transbordar. O pouco ar que ainda habitava seus pulmões foi expulso em um rugido gutural enquanto as unhas saltavam dos dedos e os ossos estalados formaram garras. Era, mais uma vez, hora de matar, pelo sabá, pela mãe Europa, e por aquele que, apesar de toda a mágoa, o Tzimisce ainda era seu amado irmão.

Sobre a forma monstruosa e familiar, estavam três criaturas caricatas e retorcidas, cobertas por trapos pretos que mal cobriam sua pele esponjosa e doente. Todos eles eram horrores especiais, formas destruídas pala maldição cruel dos leprosos de Caim.

Ela examinou a cena em um instante e calculou o angulo correto para o ataque. Por todos os lados pedaços magros e cinzentos de mortais estavam expostos como as carnes de um açougue. Entre o que um dia foram crianças, velhos e mulheres ela conseguiu distinguir alguns rostos partidos que não chegaram a ter tempo de perceber a armadilha em que tinham sido colocados.

Os mortos não eram prioridade agora. Os filhos de Caim eram os inimigos. Dos três que estavam sobre o Tzimisce, dois estavam fora de combate, as garras cruéis do vampiro penetraram seu tórax de encontro ao coração e agora os órgãos atrofiados sofriam com a pressão da força monstruosa do demônio.
Ele tinha seus próprios problemas. Em sua bocarra havia uma granada sem o pino. Um movimento e seria seu fim. E o nosferatu que estava sobre ele parecia disposto antecipar o momento. Os joelhos do leproso estavam presos nos espinhos ossudos do peito do Tzimisce, eles sangravam um liquido grosso e pegajoso que a Gangrel soube na mesmo hora se tratar de sangue semita. Era hora de agir.
"Heimdall, como tu eu sou responsável pela vigília da ponte da alma de meus irmãos, que eu seja como tua espada, e que em minha fúria eu parta os gigantes do caminho"

Ela sentiu o vitae correr por suas veias. Ele a fortalecia e renovava o calor que o beijo da morte havia lhe roubado. Com um comando mental, ordenou que seu corpo se movesse mais rápido do que o tempo.

Ela saltou, traçando um arco de morte em sua colheita profana. As garras entraram na base de sua coluna e traçaram um caminho doloroso pela carne cinzenta, rasgando ossos e tecidos podres e só parando na base das costelas. O peso do corpo da Gangrel foi o suficiente para arremessar o Nosferatu a quase dois metros de distancia. Com a queda, novos ossos foram partidos e os gritos de dor não puderam ser sufocados pela prudencia do vampiro deformado.

Ela afundou as garras enquanto rugia e mergulhava no caos da besta uivante.
"Grite, grite pra mim"
Sangue para todos os lados. Era tudo conseguia ver e cheirar. Sua vontade se contorcia de pavor.
A vampira rasgou, mordeu e retalhou o leproso como se fosse um lobo sobre o cervo abatido.
"Mate, mate a todos eles"
Sangue e mais sangue. Vísceras putréfagas misturadas a intestinos e outras partes menos reconhecíveis eram dilaceradas com voracidade por garras e dentes famintos.

O rugido gutural que marcou o mergulho dos caninos poderosos no pescoço da criatura.
"Beba até que ele vire pó"

O êxtase rubro inundou o corpo da Gangrel, nutrindo-a com a paixão e o líbido que só em um momento da não-vida ela possuiu. O fluxo do elixir trazia-lhe a paz que a espada de Caim havia lhe negado. Era um instante de silêncio em meio a tempestade da alma. Era o fogo que queimava a garganta, fortalecendo e maculando a alma calejada da mulher.

Como todos os outros momentos de silenciosa contemplação da vida da vampira, ele acabou.
Ela sentiu a dor da alma do nosferatunosferatu, ao imaginar seu próprio corpo derretendo e sendo re-esculpido por um artista doente. Alguem como seu irmão.

Quando o controle do corpo retornou, ela estava de joelhos no chão, observando o sangue nas mãos e na alma.
Ela não sabia quantos cainitas ela já havia matado, mas este era o primeiro que ela sorvia até secar.
Embora não tenha sido a primeira vez que algo morreu dentro dela, esta foi a primeira vez em que ela tinha sido o catalizador.

A mão monstruosa de seu irmão tocou seu ombro e a pôs de pé; era hora de continuar.

Os dois não trocaram nenhuma palavra durante o percurso. Ela quiz perguntar a ele como ele se livrou da granada, o que aconteceu com os nosferatu, quem eram as pessoas mortas a seu redor, o que estava acontecendo com ela e uma infinidade de outras coisas. Mas simplesmente não havia energia o suficiente. Eles colocaram seus prisioneiros nas costas e seguiram viagem. Após duas horas sem encontrar ninguém pelas ruas de Munique, o Tzimisce quebrou o silêncio:

"Você lutou como uma Valquíria, Skadi"

Eram palavras ineficientes, calculadas. Ela se perguntou quanto tempo seu irmão levou para formulá-las.
"Obrigado Lars."
"Possuo a resposta para a duvida que lhe assombra"
A resposta para o que? Para a eternidade de brutalidade e sanguinolência há que ela foi condenada pelos caprichos de uma vadia que ficou excitada demais com o protesto de uma garota revoltada? Para a solidão eterna e o apodrecimento da alma? Para as leis impossíveis de seguir?
"Eu não tenho duvidas, meu irmão. Tenho apenas uma certeza"
Os dentes do Tzimisce encolheram e ele fechou a boca com extrema dificuldade. Os dois cruzaram mais duas quadras antes dele terminar de formular sua frase.
"E qual seria essa certeza, minha irmã?"
"Vocês são um bando de grandes filhos da puta."  

sábado, 14 de janeiro de 2012

Adalbrecht, ato IV: Um sonho no abismo da mente.

 Era um pesadelo. Isso não podia existir, não devia existir.

Aguentei com toda a minha força a vertigem, minha mente se contorceu e o pouco que restava de minha vontade cedeu. Eu cai e deixei a inconsciência me levar.

A paz do sono de morte. O torpor silencioso no mar de trevas da consciência. A eternidade na meia noite.

O devaneio onírico me leva ao cerne da tempestade da mente. Um sonho, sim, um sonho no escuro.
Eu não tinha corpo ou memória. Eu caia e caia. Eu não tinha nada.

Em mais de um momento senti a força de uma presença alienígena e antiga sobre minha mente. Algo que procurava pelo nada que eu era, pelo nada que eu seria para todo sempre.

Eu quis gritar em um único momento. Que foi quando me recordei da lição.
Não há verdades ou mentiras no abismo. Somente a escuridão.

Por quanto tempo eu cai? Será que aqui existe tempo?

"Não – aqui é uma terra de imortais, uma terra de seres mais antigos do que o tempo."

A voz soou como um trovão e um golpe de martelo. Doía. Doía muito saber que eu não estava sozinho em meu sonho.

Eu queria gritar e implorar para que a coisa devolvesse meu corpo e minha memória. Mas isso não ia acontecer. A queda continuava e o ser monstruoso era alheio a minha tormenta.

Tudo ali era alheio a mim. Eu não era mais nada.

Então eu finalmente compreendi a lição. Não significamos nada para o abismo. Todos nós não somos nada senão suas eternas crianças.

Eu acordei.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A raiz de todo mal, ato I: Um passeio entre os mortos.

Sete de março de 1937.

Os dois mortos entraram na cidade em silêncio, carregando nas costas os espólios de sua vitória.

O primeiro era a morte encarnada. Duas fileiras de ossos grossos e pontudos esticavam-lhe a pele grossa e gordurosa das costas. A cabeça pendia para a esquerda como se ele estivesse possuido, a mandibula arqueada e primitiva era incapaz de conter as tres carreiras de dentes serrilhados e amarelos. Sua lingua era bífida e pegajosa, e sempre estava banhada no elixir rubro que conferia sentido a sua existência.
Os braços compridos e escamosos terminavam em mãos de três dedos enrugados e unhas compridas como punhais. E as pernas grossas e peludas eram curvadas como as de um sátiro, e os pés oleosos e cheios de póros sustentavam com dificuldade o corpo do guerreiro.

Era um estandarte – Um simbolo de glória – Nele estavam depositados séculos de tradição, o orgulho dos anciões e a força de um clã.

A segunda não era tão impressionante. Uma garota alta e encorpada de cabelos cor de cobre e sorrizo ferido. Seu corpo parecia sufocado no uniforme militar, e o pouco que sobrava de sua disposição esvaia-se com a perspectiva da caçada que era cada vez mais eminente. Ela mediu cuidadosamente as palavras e de súbito interrompeu a caminhada.
" Sabe maninho, seria muito mais simples atravessar a cidade se não ouvessem tantos gritos de pavor incontrolável a cada grupo de mortais que aparece no nosso caminho."

"Digo que não". A voz do Tzimisce era rouca e funebre, um silvo baixo que indicava a ela que neste momento ele era imune a seus apelos.

Ela teria forças pra protestar se não estivesse carregando as carcaças de quatro jovens "anarquistas" nas costas. Uma única haste de madeira atravessava o peito dos quatro, tornando o transporte ainda mais exaustivo.
O guerreiro, por sua vez, carregava uma massa de ossos moles e pastosos que, pelas contas da garota, deveriam um dia ter sido sete ou oito cainitas.
Aos olhos dela, isso tudo era um esforço inutil. Dachau tinha pelo menos trinta prisioneiros, Auschwitz, sessenta, e só Caim sabia dizer quantas almas infortunadas habitavam a "sala de troféus" do carcere da carne. Era estratégicamente inviável manter tantos inimigos tão próximos. Mesmo que a possibilidade de um ataque a um campo de concentração fosse extremamente remotas, elas ainda existiam.
Os anciões da liga orádea queriam o fim da ocupação imediatamente. Os feiticeiros de Viena podiam interromper seu silêncio a qualquer instante, e assim que a guerra interna dos Brujah soviéticos acabasse, eles poderiam dedicar-se ha uma nova empreitada.
Passos apressados quebraram seu devaneio. Ela proferiu um sibilo baixo e seu irmão respondeu imediatamente. Os prisioneiros foram depositados no chão com extremo cuidado, e a guerreira prostrou-se como um animal e começou a farejar.
Ela sentiu o cheiro da vitae e do medo. Estavam feridos e cansados, ouviu uns poucos sussurros angustiados e pela velocidade dos passos imaginou o armamento que carregavam.

"Doze. Poloneses. Mortais. Duas quadras ao oeste."

O guerreiro contraiu os ossos da coluna e fez duas pontas serrilhadas saltarem do lugar em que um dia houveram mamilos. Não houve tempo para perguntar se isso era necessário ou se era apenas uma luxúria. Em um segundo o Tzimisce iniciou sua corrida.
Para o desânimo da vampira, a noite estava apenas começando.

A sina dos degenerados


Dorother observava a nova obra de sua cria com muita perplexidade.
"Quero ser um turco sarnento se isso for uma pintura renascentista"
O quadro retratava o dia a dia em um bordel parisiense, meretrizes oferecendo seus dotes a velhos e jovens marinheiros, aristocratas e artesãos, as paredes eram de um marrom horrível e as cortinas tão vermelhas que chegavam a ferir os olhos, pouco a pouco ele começou a identificar as figuras, o velho gordo em trajes de nobre era Haringoth, arcebispo de Frankfurt, a meretriz em seu colo era Maugham, alta sacerdotisa gangrel, o marinheiro que dançava sobre a mesa com uma garrafa de vinho em cada mão era Yorrance, mestre de koldunismo e embaixador das terras do leste, e a mulher escondida atrás da cortina com uma adaga prateada era Bertha, ductus do bando do cálice e da cicatriz.
Era horrivel, simplesmente horrível, era vergonhoso imaginar que sua cria tenha pintado algo tão estupidamente amador, simples, fútil. O que agravava a situação era que não só esse, mas cada um dos ultimos 23 quadros de Yorrlov eram do mesmo nível de incompetência.
Havia algo errado, isso era um fato.
Quando Dorother o encontrou, pintando a santa ceia com os dedos na praça das nações, há quase 15 anos atrás, ele achou que tinha encontrado o mais talentoso de todos os mortais, por meses ele observou o trabalho de Yorrlov com a mais absoluta perplexidade, quando chegou a hora do abraço Dorother sentiu um extase tão grande que imaginou que se a Gehenna viesse e os antediluvuanos o devorassem ali mesmo, ele morreria feliz.
Semanas depois ele percebeu que estava tremendamente enganado, após o abraço Yorrlov se tornou, na melhor das hipóteses, um artista medíocre.
Havia algo errado, algo muito errado, pena que Dorother estivesse deprimido demais para tentar descobrir a solução desse misterio.
Yorrlov voltaria de Berlim na semana que vem, e mais uma vez Dorother teria que fingir que amou a obra , que a achou bela e profunda, e que com certeza sera lembrada pelas gerações futuras como uma das mais belas obras produzida pelos mortos.
Dorother podia ter todos os defeitos do mundo, mas ele jamais iria destruir outra cria.

Minsc - O ultimo Ventrue da Alemanha

Uma frase definia a existência de Minsc, e era a frase que ele usou quando viu o tamanho do estrago na Spielzeuge Kaiserreich.

Que grande merda.


Ele olhou para a vitrine por um instante, tentando se lembrar de cada pequeno infortúnio que o levou a estar ali, parado em frente ao que parecia ser um pequeno apocalipse.
Bem, seu pai, Albert Von Witchestein, morreu com honra de um guerreiro, conseguiu matar três americanos antes de ter a mandíbula separada da cabeça por um tiro de Fuzil, sua mãe, Carllota, morreu como uma prostituta, e foi estuprada 14 vezes antes dos soldados se cansarem dela. Minsc assistiu a tudo das sombras, e, mesmo que sua vontade fosse outra, sobreviveu.
Sua esposa morreu a 24 anos, acreditando que ele estivesse morto há muito tempo, câncer, a doença da moda. Seu filho mais velho, Klopper, foi morto pelo Implacável, uma das bestas do Sabá, por ouvir muita musica americana. Seu filho mais novo, Mark, esta com 39 anos, internado pela terceira vez na clinica de recuperação de drogados e vagabundos em geral.


“Que vida bacana”.


Para um observador casual, a loja foi atingida por um relâmpago, um terremoto e um furacão, não necessariamente nessa ordem. Mas Minsc sabia o que aconteceu. Ele viu as armas, os ossos quebrados e as manchas de piche no chão.


O chefe vai ficar puto. Melhor eu consertar isso antes que a merda chegue ao ventilador.”


Ele passeou pelo que sobrou da loja, desinstalou uma câmera de segurança e seguiu o fio até o computador embaixo do balcão. Assistiu ao vídeo pacientemente e gravou em um CD. 
Droga Kart. Eu gostava de você, e você foi se meter logo com esse bando de imbecis.
Minsc não sabia muito sobre o Sabá, e nem queria saber, na verdade, pra ele eles eram um bando de doidos que pulavam sobre fogueiras e rezavam pro diabo. Que diferença fazia se eles eram mais velhos, mais poderosos e mais organizados que os anarquistas? 
É tudo culpa do diabo, com certeza eles venderam suas almas ou coisa assim, não existe outra explicação.
Ele caminhou até o depósito, e lá encontrou um homenzinho patético, gordo e barbudo, que choramingava sem parar sobre demônios e o fim do mundo.


-Levante-se e me diga o que aconteceu.


O homem não se levantou, e não disse nada alem de eles vão me pegar, eles vão me pegar”. 
Minsc nunca foi muito bom com esse negócio de “dominação”.
-Escuta aqui seu velho imbecil, eu estou tentando melhorar as coisas e salvar sua maldita pele, então é melhor você me contar o que aconteceu! Conte-me agora!


É o fim do mundo, vamos ser engolidos pela escuridão, ele vai acordar e nos consumir em sua fome, 
a todos nós! Procure abrigo nas veias do proscrito! Pois só ele ira sobreviver!


O homem desmaiou.


-Merda, de novo essa droga. Odeio essa baboseira esotérica sobre o fim do mundo.


Ele se lembrou da outra vez que ouviu essa história. No bairro árabe, a vergonha de Munique, um comerciante de tecidos viu aquela garotinha matar um assamita e diablerizar outro. A garotinha. Ela esteve aqui essa noite também.
Que coincidência esquisita.
Minsc não tinha certeza se o poder de apagar memórias funcionava sobre pessoas inconscientes, mas ele passou meia hora inventando uma desculpa elaborada e a implantando na mente do homem. 
Ao sair da loja pegou uma lata de spray preto do chão e escreveu “Em nome de Alah” na parede da loja.


Que se dane. Já fiz demais.


De um beco muito escuro, uma criatura gorda, feia e retorcida observava, com deleite.
Era divertido pra ela sentir o ódio dele, a indignação com essa existência, as incertezas e a vontade de acabar com tudo. Se a criatura não agisse rápido ele ia por fim a sua própria existência sozinho, e ela não queria o ventrue anarquista no quinto Círculo.

A boneca e seu sacerdote

A garotinha saltitava pela calçada, e seu guardião a observava com um largo sorriso nos lábios.

Era divertido ver como os mortais se afastavam instintivamente da pequena Sibelle. Essa sensação esquisita que até ele, que já passou pelo inferno mais de uma vez, achava difícil de controlar. Essa maldade, essa impressão de que ela fez coisas terríveis, e de que ela fez isso sorrindo e cantando.
Ela entrou em uma loja de brinquedos chamada “Spielzeuge Kaiserreich”, e seu guardião entrou logo atrás.
A pequenina parecia perdida no paraíso, se esforçando para observar todas as maravilhas desse reino mágico ao mesmo tempo.
Nós vamos fechar logo". Disse um homem barbudo e gordo, de traz do balcão.
"Não, não vão". Respondeu o Tzimisce.
"Si-Sim senhor".
O guardião sentiu a mãe diminuta de Sibelle tocar a sua, e sua pele gelou e se contraiu, “Yuri, Yuri, venha aqui, por favor”.
Era difícil resistir a ela, muito difícil, não por algum poder sobrenatural, nem pelo senso de dever. A verdade é que Yorrance a amava, ele a amava dês da primeira vez que a viu, e isso era um sentimento muito estranho para um Koldun.
Ele a acompanhou até a estante das bonecas de pano, na seção “brinquedos antigos”.
Os olhos de Sibelle brilhavam enquanto ela examinava cada uma das pequenas obras de arte, e gradualmente, o fulgor foi substituído por tristeza.
-O que foi meu anjinho?
Você já teve uma boneca Yuri?
Sim, papai me deu uma feita com os ossos de minha bisavó, para que eu pudesse falar com ela, mas isso faz muito tempo.
Eu nunca tive uma dessas...
Você quer uma? 
O brilho purpura e febril retornou ao rosto da menina, e seu sorriso fez com que a alma de Yorrance tremesse.
Eu... Eu gostaria muito Yuri, qual você acha que eu devo levar?
Há que você quiser, querida.
Ela se esqueceu da discrição, começou a pegar, apalpar, cheirar e abraçar cada uma das bonecas como se der repente elas fossem fugir e nunca mais pudessem ser alcançadas.
Quatro homens mal encarados entraram na loja, Sibelle os ignorou, e Yorrance deu uma rápida passeada por suas mentes;


Kartven e seus cães, servos da poderosa “resistência anarquista” da Alemanha.


Eu acho que esta na hora de fechar. Disse o que parecia ser o líder, um homem careca e alto, com uma Colt na mão esquerda.
O atendente da loja, antecipando perigo, correu para o depósito, enquanto os outros três, Vindhelvér, Erzét e Erich, se espalhavam lentamente. Erzét se deslocou até a prateleira de jogos de videogame, Vindhelvér, que carregava um taco de Baseball, se refugiou atrás do balcão, e Erich, que estava armado com uma espingarda calibre. 12 ficou ao lado do careca. 
Yorrance examinou a loja por um instante, calculou a distancia que percorreria em um segundo e quantos deles seriam destruídos no trajeto. As prateleiras eram frágeis e não serviriam de cobertura para os jovens agressores. Era hora de distraí-los.
Já estamos saindo, ela só vai escolher uma boneca.
Sabemos quem são vocês, e já que estamos aqui sem nada pra fazer, resolvemos terminar o que deveriamos ter feito há muito tempo.
Uma bala cortou o ar. O tiro não foi direcionado a Yorrance, nem a Sibelle, mas sim a boneca que ela estava segurando, o algodão se rompeu e voou para todos os lados. E um segundo depois, Kartven Montverr percebeu que cometeu um enorme erro, o ultimo e o maior de sua vida.
-Y.. Yu... Yuri...
O sacerdote se concentrou, e ordenou que o sangue fortalecesse seu corpo.


Um dos inimigos, Vindhelvér, parecia estranhamente incomodado, Yorrance caminhou sua mente e viu que ele pensava em uma garotinha de oito anos chamada Herta, e de como ela estava esperando por ele agora, ansiosa para contar que tirou A em álgebra.
- Nós temos que matar a criança Kart? Ele perguntou, e em resposta, Kartven riu.

Os olhos da pequenina transbordaram. Lágrimas escuras e viscosas que feriram as paredes da sanidade de seus algozes.
- Vá para casa, abrace sua filha e a afogue na pia do banheiro, depois se despeça de sua esposa, e com sua melhor faca, corte seus pulsos bem fundo, sangre bastante e morra.
A voz da Lasombra ecoou pela loja, trazendo as verdades do abismo consigo. O homem saiu pela porta sem dizer uma palavra.
Erzét e Erich pensaram em correr, em gritar, em implorar por misericórdia, mas não houve tempo.
De trás da prateleira de jogos de videogame uma sombra se levantou e engoliu tudo a seu alcance, e após um segundo de breu absoluto, Érzet deixou de existir.
Erich atirou duas vezes, e nas duas acertou a imensa escuridão que tomava conta de Sibelle, em resposta, a escuridão apenas se intensificou.
Yorrance sorria agora. Era bom que ela gastasse alguma energia, isso a faria ficar com fome, e possivelmente adiantaria os planos de sua rainha.
- Esperem vocês não podem fazer isso! Gritou Kartven, e continuou – Nós nos rendemos!
Aparentemente, Sibelle não ouviu.
Dois tentáculos cresceram, e agarraram Erich, que tentava desesperadamente recarregar sua arma, eles o apertaram em direções opostas, fazendo com que seus ossos torcessem e estalassem.
Yorrance tentou impedir que Sibelle matasse Kartven com um comando mental, mas ela estava furiosa demais pra ouvi-lo.
Ela juntou as mãos como em uma oração, e olhou fixamente para seu odiado inimigo, Com toda a serenidade de uma criança, ela disse:
 - Desapareça, eu quero que você deixe de existir.
Uma serpente de escuridão saiu de suas mãos, e após atravessar o peito de Kartven, se enrolou nele e mordeu fundo, rasgando seu pescoço e depois o devorando por inteiro.
Alguns segundos depois, a escuridão recuou e Yorrance pode em fim relaxar.
A loja foi destruída, os inimigos derrotados, e a criança magoada.
A atenção do sacerdote voltou a sua amada:
querida, você quer escolher outra boneca?
- Não, não quero Yuri. Eu quero sair daqui e matar todas as pessoas que esse homem mal amava.
Tudo bem meu amor, mas lembre-se, só temos até as duas da manhã, se ficarmos até muito tarde na rua mamãe vai ficar preocupada.
- Mamãe vai entender Yuri. Eu estou faminta.

Ia ser uma longa noite.

Uma noite da rainha do abismo.


A rainha do abismo despertou, e a cidade escureceu em resposta.

“Noite, amada noite, seja meu manto”.

As trevas se moveram e cobriram o corpo delicado do cardeal.

Ela se movia vagarosamente, e sentia a sede crescer dentro de si. Era uma sensação agradável, que ela aprendeu a domar com o passar dos séculos. Aquela coisa rugindo em seu peito, aquele desejo de destruir, de matar;Era quase como estar embriagada.

O aroma decadente da metrópole penetrou seus pulmões com violência. E a matusalém ficou enojada.

Desde que o chamado as armas foi feito ao sabá Germânico, o clã Ventrue deixou de existir em sua terra. Com a caçada, os cães da odiosa Camarilla foram perseguidos e destruídos com toda a paixão e determinação da espada de caim. Era difícil estipular quantos “príncipes” caíram perante as espadas e garras de seus templários e sacerdotes, mas a certeza era de que agora a “sociedade vampírica” temia o sabá como nunca antes.
Ela se concentrou em um ponto vazio e ordenou que seus prisioneiros sofressem. Por toda a catedral do abismo, gemidos sufocados foram ouvidos. Os lamentos dos cem porcos de sangue sujo que ali estavam empalados ecoaram pela mente de seus mestres, suas famílias e os amigos de seus amigos.
Alguns imploravam pela clemencia que sabiam que nunca iria chegar, outros tentavam manter o minimo de orgulho que ainda tinham sufocando as lágrimas rubras e esvaindo a pouca vontade que ainda lhes restava. A maioria, é claro, simplesmente desejava deixar de existir.

A vampira moveu-se pelo salão de lágrimas com sua graciosidade insana, e parou seu corpo perfeito em frente aquele que era o ser que ela mais desprezava em todo o firmamento.
A noite veio lhe acariciar, Jurgem, escória de Frankfurt, inimigo de meu povo e filho do lixo”
A seus pés, a criatura mais patética de todas esperava pelo chicote de sua algoz como uma prostituta espera pelo sêmen de um cliente particularmente perverso. Ele estava prostrado como um cão, e a grossa estaca que lhe penetrava o anus chegava ao meio de seu peito, paralisando-o.
Para o ancião Ventrue, havia pouco sentido em resistir.
Ia ser uma longa noite.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Adalbrecht, Ato III: Uma lição sobre a vida, a morte e o medo.


Não sei quanto tempo eu levei para parar de vomitar e chorar. A imagem do corpo retalhado se recusava a abandonar meus pensamentos e mesmo quando compreendi que não havia nada há ser feito, algo dentro de mim se recusava a compreender a magnitude da lição.

O mestre me observava, imóvel, e aparentemente desinteressado no surto de horror e emoções em que fui mergulhado.

"Levanta-te, criança, pois é hora da segunda lição"

Minhas pernas tremeram e eu senti minhas calças umedecerem. Depois veio o cheiro azedo. Se eu ainda tivesse o que vomitar, eu teria o feito.

Apoiei minhas mãos no chão para conseguir ficar de pé. Respirei fundo e tentei parar de soluçar. Não funcionou. O vampiro ignorou meu lamento e prosseguiu com o ensinamento.

"Temer o destino é inútil. Se você não cultivar seu poder, a ampulheta ou o infortúnio vão triunfar. No abismo não há morte ou medo. Há apenas o frio e a escuridão. Você será um herdeiro do abismo, esqueça seu medo e não derrame uma única lagrima por aqueles que são presos ao mundo da carne. Eles são inferiores e indignos, e, de uma maneira ou de outra, condenados a perecerem. Lembre-se, sem poder, a força é inútil."

Eu não reagi as palavras severas. Apenas tentei absorver as verdades alienígenas da existência.

"Se não fosse por meu poder, a criança teria sido vitima da adaga, da doença, da fome ou do tempo. Chorar pela morte de alguem fadado a morrer faz tanto sentido quanto chorar pelo nascimento de alguem fadado a nascer. É um insulto ha seu intelecto."

Eu não poderia, nunca, salvá-la, eu sabia que em algum momento eu iria ser tragado para o sangue e para a noite, e eu teria que abandoná-la. Apesar de inevitável, era inútil chorar.

Deus, como eu queria ter a invulnerabilidade de meu mestre, como eu invejava a imunidade que ele tinha a lágrimas e ao medo.

Era o abismo, era o conforto imortal no nada. Era a eterna morada de seus filhos e o eterno carcere de seus inimigos.

"Não há verdades ou mentiras no abismo, só existe a escuridão, que tudo consome e que tudo governa. Seja um de seus filhos ou pereça frente a seu poder indomável. Não há lágrimas ou sofrimento, apenas a mais pura das certezas: Não há como escapar."

" Venha comigo."

Não houve tempo para questionar ou protestar. A escuridão começou a borbulhar em meus pés e cobriu meu corpo por completo. Senti o ar queimando em meus pulmões e meus olhos quase serem arrancados da face enquanto meu corpo era deslocado pela masmorra.

Quando a escuridão recuou, eu gritei mais uma vez. Agora a lição fazia sentido.