domingo, 15 de janeiro de 2012

A raiz de todo o mal, ato II: Lobos e leprosos


A indecisão tomou a vampira novamente. Ela já havia assistido as matanças de seu irmão mais de uma vez. Ele era um dos mais condecorados templários do sabá germânico e com toda certeza era o mais cruel. Seu senso estético sempre incluiu vísceras e entranhas o suficiente para chocar alguns anciões de sangue menos nobre.

Se ela o seguisse para a chacina, o que ela ganharia com isso? Mais pregos no caixão?
Ela já havia assistido recém nascidos serem presos ao ventre de suas mães, ela já sentiu a consciência falhar ao ver gemêos tornarem-se siameses e siameses tornarem-se quadrupedes profanos que usavam seus intestinos como chicotes.

Talvez ela não tivesse a coragem para ser uma Ductus do sabá. Talvez ela tenha nascido na família errada, na época errada. Ou talvez ela devesse agradecer a Freya e Baldur por ter sido trazida a morte por uma das lobas do norte, e não por um dos demônios do leste.

"Agradecer"

A sinfonia de gritos quebrou seu devaneio e a pôs em movimento. Ela imaginou a reação dos mortais a contemplarem a forma monstruosa do Tzimisce. Pavor, pavor puro. Quem seriam eles, afinal?
Fugitivos buscando abrigo no coração do sabá alemão? Espiões feridos? Almas inocentes trazidas para uma guerra que não lhes pertencia?
Havia pouco tempo para ponderar. O som de ossos partidos e lágrimas sufocadas lhe dividia a alma. Não havia o que se fazer, mas se ela não acompanhasse o irmão no combate, ela iria sofrer as consequências.
No sabá não há espaço para a misericórdia, não há espaço para corações que ainda batem com paixões por "cascas de carne".

Ela cruzou uma esquina e sentiu o sangue ferver embaixo dos olhos e transbordar. O pouco ar que ainda habitava seus pulmões foi expulso em um rugido gutural enquanto as unhas saltavam dos dedos e os ossos estalados formaram garras. Era, mais uma vez, hora de matar, pelo sabá, pela mãe Europa, e por aquele que, apesar de toda a mágoa, o Tzimisce ainda era seu amado irmão.

Sobre a forma monstruosa e familiar, estavam três criaturas caricatas e retorcidas, cobertas por trapos pretos que mal cobriam sua pele esponjosa e doente. Todos eles eram horrores especiais, formas destruídas pala maldição cruel dos leprosos de Caim.

Ela examinou a cena em um instante e calculou o angulo correto para o ataque. Por todos os lados pedaços magros e cinzentos de mortais estavam expostos como as carnes de um açougue. Entre o que um dia foram crianças, velhos e mulheres ela conseguiu distinguir alguns rostos partidos que não chegaram a ter tempo de perceber a armadilha em que tinham sido colocados.

Os mortos não eram prioridade agora. Os filhos de Caim eram os inimigos. Dos três que estavam sobre o Tzimisce, dois estavam fora de combate, as garras cruéis do vampiro penetraram seu tórax de encontro ao coração e agora os órgãos atrofiados sofriam com a pressão da força monstruosa do demônio.
Ele tinha seus próprios problemas. Em sua bocarra havia uma granada sem o pino. Um movimento e seria seu fim. E o nosferatu que estava sobre ele parecia disposto antecipar o momento. Os joelhos do leproso estavam presos nos espinhos ossudos do peito do Tzimisce, eles sangravam um liquido grosso e pegajoso que a Gangrel soube na mesmo hora se tratar de sangue semita. Era hora de agir.
"Heimdall, como tu eu sou responsável pela vigília da ponte da alma de meus irmãos, que eu seja como tua espada, e que em minha fúria eu parta os gigantes do caminho"

Ela sentiu o vitae correr por suas veias. Ele a fortalecia e renovava o calor que o beijo da morte havia lhe roubado. Com um comando mental, ordenou que seu corpo se movesse mais rápido do que o tempo.

Ela saltou, traçando um arco de morte em sua colheita profana. As garras entraram na base de sua coluna e traçaram um caminho doloroso pela carne cinzenta, rasgando ossos e tecidos podres e só parando na base das costelas. O peso do corpo da Gangrel foi o suficiente para arremessar o Nosferatu a quase dois metros de distancia. Com a queda, novos ossos foram partidos e os gritos de dor não puderam ser sufocados pela prudencia do vampiro deformado.

Ela afundou as garras enquanto rugia e mergulhava no caos da besta uivante.
"Grite, grite pra mim"
Sangue para todos os lados. Era tudo conseguia ver e cheirar. Sua vontade se contorcia de pavor.
A vampira rasgou, mordeu e retalhou o leproso como se fosse um lobo sobre o cervo abatido.
"Mate, mate a todos eles"
Sangue e mais sangue. Vísceras putréfagas misturadas a intestinos e outras partes menos reconhecíveis eram dilaceradas com voracidade por garras e dentes famintos.

O rugido gutural que marcou o mergulho dos caninos poderosos no pescoço da criatura.
"Beba até que ele vire pó"

O êxtase rubro inundou o corpo da Gangrel, nutrindo-a com a paixão e o líbido que só em um momento da não-vida ela possuiu. O fluxo do elixir trazia-lhe a paz que a espada de Caim havia lhe negado. Era um instante de silêncio em meio a tempestade da alma. Era o fogo que queimava a garganta, fortalecendo e maculando a alma calejada da mulher.

Como todos os outros momentos de silenciosa contemplação da vida da vampira, ele acabou.
Ela sentiu a dor da alma do nosferatunosferatu, ao imaginar seu próprio corpo derretendo e sendo re-esculpido por um artista doente. Alguem como seu irmão.

Quando o controle do corpo retornou, ela estava de joelhos no chão, observando o sangue nas mãos e na alma.
Ela não sabia quantos cainitas ela já havia matado, mas este era o primeiro que ela sorvia até secar.
Embora não tenha sido a primeira vez que algo morreu dentro dela, esta foi a primeira vez em que ela tinha sido o catalizador.

A mão monstruosa de seu irmão tocou seu ombro e a pôs de pé; era hora de continuar.

Os dois não trocaram nenhuma palavra durante o percurso. Ela quiz perguntar a ele como ele se livrou da granada, o que aconteceu com os nosferatu, quem eram as pessoas mortas a seu redor, o que estava acontecendo com ela e uma infinidade de outras coisas. Mas simplesmente não havia energia o suficiente. Eles colocaram seus prisioneiros nas costas e seguiram viagem. Após duas horas sem encontrar ninguém pelas ruas de Munique, o Tzimisce quebrou o silêncio:

"Você lutou como uma Valquíria, Skadi"

Eram palavras ineficientes, calculadas. Ela se perguntou quanto tempo seu irmão levou para formulá-las.
"Obrigado Lars."
"Possuo a resposta para a duvida que lhe assombra"
A resposta para o que? Para a eternidade de brutalidade e sanguinolência há que ela foi condenada pelos caprichos de uma vadia que ficou excitada demais com o protesto de uma garota revoltada? Para a solidão eterna e o apodrecimento da alma? Para as leis impossíveis de seguir?
"Eu não tenho duvidas, meu irmão. Tenho apenas uma certeza"
Os dentes do Tzimisce encolheram e ele fechou a boca com extrema dificuldade. Os dois cruzaram mais duas quadras antes dele terminar de formular sua frase.
"E qual seria essa certeza, minha irmã?"
"Vocês são um bando de grandes filhos da puta."  

sábado, 14 de janeiro de 2012

Adalbrecht, ato IV: Um sonho no abismo da mente.

 Era um pesadelo. Isso não podia existir, não devia existir.

Aguentei com toda a minha força a vertigem, minha mente se contorceu e o pouco que restava de minha vontade cedeu. Eu cai e deixei a inconsciência me levar.

A paz do sono de morte. O torpor silencioso no mar de trevas da consciência. A eternidade na meia noite.

O devaneio onírico me leva ao cerne da tempestade da mente. Um sonho, sim, um sonho no escuro.
Eu não tinha corpo ou memória. Eu caia e caia. Eu não tinha nada.

Em mais de um momento senti a força de uma presença alienígena e antiga sobre minha mente. Algo que procurava pelo nada que eu era, pelo nada que eu seria para todo sempre.

Eu quis gritar em um único momento. Que foi quando me recordei da lição.
Não há verdades ou mentiras no abismo. Somente a escuridão.

Por quanto tempo eu cai? Será que aqui existe tempo?

"Não – aqui é uma terra de imortais, uma terra de seres mais antigos do que o tempo."

A voz soou como um trovão e um golpe de martelo. Doía. Doía muito saber que eu não estava sozinho em meu sonho.

Eu queria gritar e implorar para que a coisa devolvesse meu corpo e minha memória. Mas isso não ia acontecer. A queda continuava e o ser monstruoso era alheio a minha tormenta.

Tudo ali era alheio a mim. Eu não era mais nada.

Então eu finalmente compreendi a lição. Não significamos nada para o abismo. Todos nós não somos nada senão suas eternas crianças.

Eu acordei.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A raiz de todo mal, ato I: Um passeio entre os mortos.

Sete de março de 1937.

Os dois mortos entraram na cidade em silêncio, carregando nas costas os espólios de sua vitória.

O primeiro era a morte encarnada. Duas fileiras de ossos grossos e pontudos esticavam-lhe a pele grossa e gordurosa das costas. A cabeça pendia para a esquerda como se ele estivesse possuido, a mandibula arqueada e primitiva era incapaz de conter as tres carreiras de dentes serrilhados e amarelos. Sua lingua era bífida e pegajosa, e sempre estava banhada no elixir rubro que conferia sentido a sua existência.
Os braços compridos e escamosos terminavam em mãos de três dedos enrugados e unhas compridas como punhais. E as pernas grossas e peludas eram curvadas como as de um sátiro, e os pés oleosos e cheios de póros sustentavam com dificuldade o corpo do guerreiro.

Era um estandarte – Um simbolo de glória – Nele estavam depositados séculos de tradição, o orgulho dos anciões e a força de um clã.

A segunda não era tão impressionante. Uma garota alta e encorpada de cabelos cor de cobre e sorrizo ferido. Seu corpo parecia sufocado no uniforme militar, e o pouco que sobrava de sua disposição esvaia-se com a perspectiva da caçada que era cada vez mais eminente. Ela mediu cuidadosamente as palavras e de súbito interrompeu a caminhada.
" Sabe maninho, seria muito mais simples atravessar a cidade se não ouvessem tantos gritos de pavor incontrolável a cada grupo de mortais que aparece no nosso caminho."

"Digo que não". A voz do Tzimisce era rouca e funebre, um silvo baixo que indicava a ela que neste momento ele era imune a seus apelos.

Ela teria forças pra protestar se não estivesse carregando as carcaças de quatro jovens "anarquistas" nas costas. Uma única haste de madeira atravessava o peito dos quatro, tornando o transporte ainda mais exaustivo.
O guerreiro, por sua vez, carregava uma massa de ossos moles e pastosos que, pelas contas da garota, deveriam um dia ter sido sete ou oito cainitas.
Aos olhos dela, isso tudo era um esforço inutil. Dachau tinha pelo menos trinta prisioneiros, Auschwitz, sessenta, e só Caim sabia dizer quantas almas infortunadas habitavam a "sala de troféus" do carcere da carne. Era estratégicamente inviável manter tantos inimigos tão próximos. Mesmo que a possibilidade de um ataque a um campo de concentração fosse extremamente remotas, elas ainda existiam.
Os anciões da liga orádea queriam o fim da ocupação imediatamente. Os feiticeiros de Viena podiam interromper seu silêncio a qualquer instante, e assim que a guerra interna dos Brujah soviéticos acabasse, eles poderiam dedicar-se ha uma nova empreitada.
Passos apressados quebraram seu devaneio. Ela proferiu um sibilo baixo e seu irmão respondeu imediatamente. Os prisioneiros foram depositados no chão com extremo cuidado, e a guerreira prostrou-se como um animal e começou a farejar.
Ela sentiu o cheiro da vitae e do medo. Estavam feridos e cansados, ouviu uns poucos sussurros angustiados e pela velocidade dos passos imaginou o armamento que carregavam.

"Doze. Poloneses. Mortais. Duas quadras ao oeste."

O guerreiro contraiu os ossos da coluna e fez duas pontas serrilhadas saltarem do lugar em que um dia houveram mamilos. Não houve tempo para perguntar se isso era necessário ou se era apenas uma luxúria. Em um segundo o Tzimisce iniciou sua corrida.
Para o desânimo da vampira, a noite estava apenas começando.

A sina dos degenerados


Dorother observava a nova obra de sua cria com muita perplexidade.
"Quero ser um turco sarnento se isso for uma pintura renascentista"
O quadro retratava o dia a dia em um bordel parisiense, meretrizes oferecendo seus dotes a velhos e jovens marinheiros, aristocratas e artesãos, as paredes eram de um marrom horrível e as cortinas tão vermelhas que chegavam a ferir os olhos, pouco a pouco ele começou a identificar as figuras, o velho gordo em trajes de nobre era Haringoth, arcebispo de Frankfurt, a meretriz em seu colo era Maugham, alta sacerdotisa gangrel, o marinheiro que dançava sobre a mesa com uma garrafa de vinho em cada mão era Yorrance, mestre de koldunismo e embaixador das terras do leste, e a mulher escondida atrás da cortina com uma adaga prateada era Bertha, ductus do bando do cálice e da cicatriz.
Era horrivel, simplesmente horrível, era vergonhoso imaginar que sua cria tenha pintado algo tão estupidamente amador, simples, fútil. O que agravava a situação era que não só esse, mas cada um dos ultimos 23 quadros de Yorrlov eram do mesmo nível de incompetência.
Havia algo errado, isso era um fato.
Quando Dorother o encontrou, pintando a santa ceia com os dedos na praça das nações, há quase 15 anos atrás, ele achou que tinha encontrado o mais talentoso de todos os mortais, por meses ele observou o trabalho de Yorrlov com a mais absoluta perplexidade, quando chegou a hora do abraço Dorother sentiu um extase tão grande que imaginou que se a Gehenna viesse e os antediluvuanos o devorassem ali mesmo, ele morreria feliz.
Semanas depois ele percebeu que estava tremendamente enganado, após o abraço Yorrlov se tornou, na melhor das hipóteses, um artista medíocre.
Havia algo errado, algo muito errado, pena que Dorother estivesse deprimido demais para tentar descobrir a solução desse misterio.
Yorrlov voltaria de Berlim na semana que vem, e mais uma vez Dorother teria que fingir que amou a obra , que a achou bela e profunda, e que com certeza sera lembrada pelas gerações futuras como uma das mais belas obras produzida pelos mortos.
Dorother podia ter todos os defeitos do mundo, mas ele jamais iria destruir outra cria.

Minsc - O ultimo Ventrue da Alemanha

Uma frase definia a existência de Minsc, e era a frase que ele usou quando viu o tamanho do estrago na Spielzeuge Kaiserreich.

Que grande merda.


Ele olhou para a vitrine por um instante, tentando se lembrar de cada pequeno infortúnio que o levou a estar ali, parado em frente ao que parecia ser um pequeno apocalipse.
Bem, seu pai, Albert Von Witchestein, morreu com honra de um guerreiro, conseguiu matar três americanos antes de ter a mandíbula separada da cabeça por um tiro de Fuzil, sua mãe, Carllota, morreu como uma prostituta, e foi estuprada 14 vezes antes dos soldados se cansarem dela. Minsc assistiu a tudo das sombras, e, mesmo que sua vontade fosse outra, sobreviveu.
Sua esposa morreu a 24 anos, acreditando que ele estivesse morto há muito tempo, câncer, a doença da moda. Seu filho mais velho, Klopper, foi morto pelo Implacável, uma das bestas do Sabá, por ouvir muita musica americana. Seu filho mais novo, Mark, esta com 39 anos, internado pela terceira vez na clinica de recuperação de drogados e vagabundos em geral.


“Que vida bacana”.


Para um observador casual, a loja foi atingida por um relâmpago, um terremoto e um furacão, não necessariamente nessa ordem. Mas Minsc sabia o que aconteceu. Ele viu as armas, os ossos quebrados e as manchas de piche no chão.


O chefe vai ficar puto. Melhor eu consertar isso antes que a merda chegue ao ventilador.”


Ele passeou pelo que sobrou da loja, desinstalou uma câmera de segurança e seguiu o fio até o computador embaixo do balcão. Assistiu ao vídeo pacientemente e gravou em um CD. 
Droga Kart. Eu gostava de você, e você foi se meter logo com esse bando de imbecis.
Minsc não sabia muito sobre o Sabá, e nem queria saber, na verdade, pra ele eles eram um bando de doidos que pulavam sobre fogueiras e rezavam pro diabo. Que diferença fazia se eles eram mais velhos, mais poderosos e mais organizados que os anarquistas? 
É tudo culpa do diabo, com certeza eles venderam suas almas ou coisa assim, não existe outra explicação.
Ele caminhou até o depósito, e lá encontrou um homenzinho patético, gordo e barbudo, que choramingava sem parar sobre demônios e o fim do mundo.


-Levante-se e me diga o que aconteceu.


O homem não se levantou, e não disse nada alem de eles vão me pegar, eles vão me pegar”. 
Minsc nunca foi muito bom com esse negócio de “dominação”.
-Escuta aqui seu velho imbecil, eu estou tentando melhorar as coisas e salvar sua maldita pele, então é melhor você me contar o que aconteceu! Conte-me agora!


É o fim do mundo, vamos ser engolidos pela escuridão, ele vai acordar e nos consumir em sua fome, 
a todos nós! Procure abrigo nas veias do proscrito! Pois só ele ira sobreviver!


O homem desmaiou.


-Merda, de novo essa droga. Odeio essa baboseira esotérica sobre o fim do mundo.


Ele se lembrou da outra vez que ouviu essa história. No bairro árabe, a vergonha de Munique, um comerciante de tecidos viu aquela garotinha matar um assamita e diablerizar outro. A garotinha. Ela esteve aqui essa noite também.
Que coincidência esquisita.
Minsc não tinha certeza se o poder de apagar memórias funcionava sobre pessoas inconscientes, mas ele passou meia hora inventando uma desculpa elaborada e a implantando na mente do homem. 
Ao sair da loja pegou uma lata de spray preto do chão e escreveu “Em nome de Alah” na parede da loja.


Que se dane. Já fiz demais.


De um beco muito escuro, uma criatura gorda, feia e retorcida observava, com deleite.
Era divertido pra ela sentir o ódio dele, a indignação com essa existência, as incertezas e a vontade de acabar com tudo. Se a criatura não agisse rápido ele ia por fim a sua própria existência sozinho, e ela não queria o ventrue anarquista no quinto Círculo.

A boneca e seu sacerdote

A garotinha saltitava pela calçada, e seu guardião a observava com um largo sorriso nos lábios.

Era divertido ver como os mortais se afastavam instintivamente da pequena Sibelle. Essa sensação esquisita que até ele, que já passou pelo inferno mais de uma vez, achava difícil de controlar. Essa maldade, essa impressão de que ela fez coisas terríveis, e de que ela fez isso sorrindo e cantando.
Ela entrou em uma loja de brinquedos chamada “Spielzeuge Kaiserreich”, e seu guardião entrou logo atrás.
A pequenina parecia perdida no paraíso, se esforçando para observar todas as maravilhas desse reino mágico ao mesmo tempo.
Nós vamos fechar logo". Disse um homem barbudo e gordo, de traz do balcão.
"Não, não vão". Respondeu o Tzimisce.
"Si-Sim senhor".
O guardião sentiu a mãe diminuta de Sibelle tocar a sua, e sua pele gelou e se contraiu, “Yuri, Yuri, venha aqui, por favor”.
Era difícil resistir a ela, muito difícil, não por algum poder sobrenatural, nem pelo senso de dever. A verdade é que Yorrance a amava, ele a amava dês da primeira vez que a viu, e isso era um sentimento muito estranho para um Koldun.
Ele a acompanhou até a estante das bonecas de pano, na seção “brinquedos antigos”.
Os olhos de Sibelle brilhavam enquanto ela examinava cada uma das pequenas obras de arte, e gradualmente, o fulgor foi substituído por tristeza.
-O que foi meu anjinho?
Você já teve uma boneca Yuri?
Sim, papai me deu uma feita com os ossos de minha bisavó, para que eu pudesse falar com ela, mas isso faz muito tempo.
Eu nunca tive uma dessas...
Você quer uma? 
O brilho purpura e febril retornou ao rosto da menina, e seu sorriso fez com que a alma de Yorrance tremesse.
Eu... Eu gostaria muito Yuri, qual você acha que eu devo levar?
Há que você quiser, querida.
Ela se esqueceu da discrição, começou a pegar, apalpar, cheirar e abraçar cada uma das bonecas como se der repente elas fossem fugir e nunca mais pudessem ser alcançadas.
Quatro homens mal encarados entraram na loja, Sibelle os ignorou, e Yorrance deu uma rápida passeada por suas mentes;


Kartven e seus cães, servos da poderosa “resistência anarquista” da Alemanha.


Eu acho que esta na hora de fechar. Disse o que parecia ser o líder, um homem careca e alto, com uma Colt na mão esquerda.
O atendente da loja, antecipando perigo, correu para o depósito, enquanto os outros três, Vindhelvér, Erzét e Erich, se espalhavam lentamente. Erzét se deslocou até a prateleira de jogos de videogame, Vindhelvér, que carregava um taco de Baseball, se refugiou atrás do balcão, e Erich, que estava armado com uma espingarda calibre. 12 ficou ao lado do careca. 
Yorrance examinou a loja por um instante, calculou a distancia que percorreria em um segundo e quantos deles seriam destruídos no trajeto. As prateleiras eram frágeis e não serviriam de cobertura para os jovens agressores. Era hora de distraí-los.
Já estamos saindo, ela só vai escolher uma boneca.
Sabemos quem são vocês, e já que estamos aqui sem nada pra fazer, resolvemos terminar o que deveriamos ter feito há muito tempo.
Uma bala cortou o ar. O tiro não foi direcionado a Yorrance, nem a Sibelle, mas sim a boneca que ela estava segurando, o algodão se rompeu e voou para todos os lados. E um segundo depois, Kartven Montverr percebeu que cometeu um enorme erro, o ultimo e o maior de sua vida.
-Y.. Yu... Yuri...
O sacerdote se concentrou, e ordenou que o sangue fortalecesse seu corpo.


Um dos inimigos, Vindhelvér, parecia estranhamente incomodado, Yorrance caminhou sua mente e viu que ele pensava em uma garotinha de oito anos chamada Herta, e de como ela estava esperando por ele agora, ansiosa para contar que tirou A em álgebra.
- Nós temos que matar a criança Kart? Ele perguntou, e em resposta, Kartven riu.

Os olhos da pequenina transbordaram. Lágrimas escuras e viscosas que feriram as paredes da sanidade de seus algozes.
- Vá para casa, abrace sua filha e a afogue na pia do banheiro, depois se despeça de sua esposa, e com sua melhor faca, corte seus pulsos bem fundo, sangre bastante e morra.
A voz da Lasombra ecoou pela loja, trazendo as verdades do abismo consigo. O homem saiu pela porta sem dizer uma palavra.
Erzét e Erich pensaram em correr, em gritar, em implorar por misericórdia, mas não houve tempo.
De trás da prateleira de jogos de videogame uma sombra se levantou e engoliu tudo a seu alcance, e após um segundo de breu absoluto, Érzet deixou de existir.
Erich atirou duas vezes, e nas duas acertou a imensa escuridão que tomava conta de Sibelle, em resposta, a escuridão apenas se intensificou.
Yorrance sorria agora. Era bom que ela gastasse alguma energia, isso a faria ficar com fome, e possivelmente adiantaria os planos de sua rainha.
- Esperem vocês não podem fazer isso! Gritou Kartven, e continuou – Nós nos rendemos!
Aparentemente, Sibelle não ouviu.
Dois tentáculos cresceram, e agarraram Erich, que tentava desesperadamente recarregar sua arma, eles o apertaram em direções opostas, fazendo com que seus ossos torcessem e estalassem.
Yorrance tentou impedir que Sibelle matasse Kartven com um comando mental, mas ela estava furiosa demais pra ouvi-lo.
Ela juntou as mãos como em uma oração, e olhou fixamente para seu odiado inimigo, Com toda a serenidade de uma criança, ela disse:
 - Desapareça, eu quero que você deixe de existir.
Uma serpente de escuridão saiu de suas mãos, e após atravessar o peito de Kartven, se enrolou nele e mordeu fundo, rasgando seu pescoço e depois o devorando por inteiro.
Alguns segundos depois, a escuridão recuou e Yorrance pode em fim relaxar.
A loja foi destruída, os inimigos derrotados, e a criança magoada.
A atenção do sacerdote voltou a sua amada:
querida, você quer escolher outra boneca?
- Não, não quero Yuri. Eu quero sair daqui e matar todas as pessoas que esse homem mal amava.
Tudo bem meu amor, mas lembre-se, só temos até as duas da manhã, se ficarmos até muito tarde na rua mamãe vai ficar preocupada.
- Mamãe vai entender Yuri. Eu estou faminta.

Ia ser uma longa noite.

Uma noite da rainha do abismo.


A rainha do abismo despertou, e a cidade escureceu em resposta.

“Noite, amada noite, seja meu manto”.

As trevas se moveram e cobriram o corpo delicado do cardeal.

Ela se movia vagarosamente, e sentia a sede crescer dentro de si. Era uma sensação agradável, que ela aprendeu a domar com o passar dos séculos. Aquela coisa rugindo em seu peito, aquele desejo de destruir, de matar;Era quase como estar embriagada.

O aroma decadente da metrópole penetrou seus pulmões com violência. E a matusalém ficou enojada.

Desde que o chamado as armas foi feito ao sabá Germânico, o clã Ventrue deixou de existir em sua terra. Com a caçada, os cães da odiosa Camarilla foram perseguidos e destruídos com toda a paixão e determinação da espada de caim. Era difícil estipular quantos “príncipes” caíram perante as espadas e garras de seus templários e sacerdotes, mas a certeza era de que agora a “sociedade vampírica” temia o sabá como nunca antes.
Ela se concentrou em um ponto vazio e ordenou que seus prisioneiros sofressem. Por toda a catedral do abismo, gemidos sufocados foram ouvidos. Os lamentos dos cem porcos de sangue sujo que ali estavam empalados ecoaram pela mente de seus mestres, suas famílias e os amigos de seus amigos.
Alguns imploravam pela clemencia que sabiam que nunca iria chegar, outros tentavam manter o minimo de orgulho que ainda tinham sufocando as lágrimas rubras e esvaindo a pouca vontade que ainda lhes restava. A maioria, é claro, simplesmente desejava deixar de existir.

A vampira moveu-se pelo salão de lágrimas com sua graciosidade insana, e parou seu corpo perfeito em frente aquele que era o ser que ela mais desprezava em todo o firmamento.
A noite veio lhe acariciar, Jurgem, escória de Frankfurt, inimigo de meu povo e filho do lixo”
A seus pés, a criatura mais patética de todas esperava pelo chicote de sua algoz como uma prostituta espera pelo sêmen de um cliente particularmente perverso. Ele estava prostrado como um cão, e a grossa estaca que lhe penetrava o anus chegava ao meio de seu peito, paralisando-o.
Para o ancião Ventrue, havia pouco sentido em resistir.
Ia ser uma longa noite.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Adalbrecht, Ato III: Uma lição sobre a vida, a morte e o medo.


Não sei quanto tempo eu levei para parar de vomitar e chorar. A imagem do corpo retalhado se recusava a abandonar meus pensamentos e mesmo quando compreendi que não havia nada há ser feito, algo dentro de mim se recusava a compreender a magnitude da lição.

O mestre me observava, imóvel, e aparentemente desinteressado no surto de horror e emoções em que fui mergulhado.

"Levanta-te, criança, pois é hora da segunda lição"

Minhas pernas tremeram e eu senti minhas calças umedecerem. Depois veio o cheiro azedo. Se eu ainda tivesse o que vomitar, eu teria o feito.

Apoiei minhas mãos no chão para conseguir ficar de pé. Respirei fundo e tentei parar de soluçar. Não funcionou. O vampiro ignorou meu lamento e prosseguiu com o ensinamento.

"Temer o destino é inútil. Se você não cultivar seu poder, a ampulheta ou o infortúnio vão triunfar. No abismo não há morte ou medo. Há apenas o frio e a escuridão. Você será um herdeiro do abismo, esqueça seu medo e não derrame uma única lagrima por aqueles que são presos ao mundo da carne. Eles são inferiores e indignos, e, de uma maneira ou de outra, condenados a perecerem. Lembre-se, sem poder, a força é inútil."

Eu não reagi as palavras severas. Apenas tentei absorver as verdades alienígenas da existência.

"Se não fosse por meu poder, a criança teria sido vitima da adaga, da doença, da fome ou do tempo. Chorar pela morte de alguem fadado a morrer faz tanto sentido quanto chorar pelo nascimento de alguem fadado a nascer. É um insulto ha seu intelecto."

Eu não poderia, nunca, salvá-la, eu sabia que em algum momento eu iria ser tragado para o sangue e para a noite, e eu teria que abandoná-la. Apesar de inevitável, era inútil chorar.

Deus, como eu queria ter a invulnerabilidade de meu mestre, como eu invejava a imunidade que ele tinha a lágrimas e ao medo.

Era o abismo, era o conforto imortal no nada. Era a eterna morada de seus filhos e o eterno carcere de seus inimigos.

"Não há verdades ou mentiras no abismo, só existe a escuridão, que tudo consome e que tudo governa. Seja um de seus filhos ou pereça frente a seu poder indomável. Não há lágrimas ou sofrimento, apenas a mais pura das certezas: Não há como escapar."

" Venha comigo."

Não houve tempo para questionar ou protestar. A escuridão começou a borbulhar em meus pés e cobriu meu corpo por completo. Senti o ar queimando em meus pulmões e meus olhos quase serem arrancados da face enquanto meu corpo era deslocado pela masmorra.

Quando a escuridão recuou, eu gritei mais uma vez. Agora a lição fazia sentido.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Adalbrecht, Ato II: A descida ao abismo do sangue e a morte de meu ultimo desejo de vida.

Enquanto eu esfolava minhas mãos e joelhos na pedra fria, meu estômago traçava curvas em angulos desconfortaveis ao ser tomado pelo cheiro de sangue, vomito e fezes.
Após o que pareceu ser uma eternidade mergulhado no aroma putrido dos mortos, cheguei ao fundo do poço. Ali era um lugar dos mortos, um lugar onde a luz não chegava, um lugar que de tão escuro era possivel sentir a treva roçar no pescoço.
Mas eu não estava sózinho. Analisei o lugar com os pés, logo senti algo gelado e grosso. Uma corrente. Segui ela com a mão até chegar a uma perna pequena e magra. Uma perna de criança.
Ela tremeu e se encolheu quando minhas mãos tentaram descobrir quem era minha companhia de cárcere.
A outra perna tambem estava presa por um pedaço de metal deselegante e impessoal. Minhas mãos subiram, enquanto eu tentava não me enojar com a urina, o vomito e as fezes que lhe cobriam as coxas feridas. Minhas mãos pararam por um segundo em sua genitália. Uma menina.
Minhas mãos subiram pelo corpo magro e sujo, sentindo varios sulcos e arranhões lhe macularem a pele fragil. Parei em seu rosto.
Era pequeno e redondo, de bochechas retas e sobrancelhas arqueadas. Usava um laço na cabeça e tinha o cabelo cacheado e bagunçado.
Era minha irmã.
Enxuguei as lagrimas de nossos rostos e a abraçei com força. Tentei falar que a amava e que a tiraria dali, mesmo sabendo que minha voz iria ser calada pelas trevas e que minhas falsas promessas não trariam a ela nenhum consolo.

Examinei mais uma vez a corrente. Estava soldada ao chão, entre restos de ossos de crianças e animais. A familiaridade estranha que eu tinha com aquele lugar alienigena começava a doer.

A voz de meu mestre interrompeu o devaneio. Era fria e aspera, como um golpe de punhal em um coração calejado pelo sofrimento. Ele invadiu minha mente com força e me explicou o motivo de todo aquele teatro de morte.

É chegada a hora da lição, meu querido sacerdote”

Minha espinha gelou e um estranho frio tomou conta de minha barriga. O ar da mortalha de trevas começava a falhar, e meu mestre não parecia se importar com isso.

A existencia, é força... Isso não deve ser contestado, é lógico o suficiente”
Esta casca de carne a seus pés existe, e tem uma espécie primitiva de força”
Agora observe o que acontece quando se tem força e não se tem poder”

A escuridão encolheu e deu lugar a uma luz amarela e desconfortavel emanada do candelabro do teto. Meus olhos arderam e quase queimaram quando abaixei o rosto e vi minha irmã.
Alguns de seus dentes tinham caido, outros estavam tortos, seu olho esquerdo tinha sido vasado e um de seus braçinhos estava fora do lugar.
As pernas estavam imundas e pela cor de sua pele ela estava faminta. E desesperada. Ela não conseguia falar nada, só gemer. Ao redor dela, ossos de ratos e pessoas que ainda possuiam restos de carne podre. Esta era a dieta dela.

Contive meu impulso de tentar tirá-la dali e me esforcei o máximo que pude para sufocar as lágrimas. Eu sabia o que iria acontecer.

"Canalize o poder e abra o caminho"

E então ela morreu. De baixo da sombra de meu braço uma forma horrenda da cor do piche se levantou, ela era fálica e pegajosa, e com um golpe veloz, partiu a espinha de minha irmã. Eu me limitei a cair de joelhos, com os olhos trêmulos e labios oscilantes que se limitavam a lamuriar um protesto incoerente contra aquilo que eu me recusava a acreditar.

E então mais dois braços do abismo surgiram. Estes eram pontudos e secos. O primeiro atacou a coxa direita de minha irmã, penetrando o frágil membro sem grande dificuldade, e o segundo bateu como uma furadeira em seu seio de criança.

Não sei por quanto tempo eu observei os tres braços retalharem, profanarem e estuprarem o corpo de minha irmã. Mas sei que foi o suficiente para entender a lição.

Sem poder, aqueles que você ama vão sofrer. Sem poder, você se torna um expectador a disposição da crueldade alheia.

As trevas me agarraram e me levaram para cima do poço. A cada centimetro de distancia do cadáver de minha irmã, eu sentia meu peito apertar mais.

Se eu morresse agora, morreria menos.

Quando estava no topo do poço, meu mestre me permitiu contemplar o pequeno anjo desmembrado pela ultima vez. Irônicamente, ela parecia sorrir.
A dor dela ja havia acabado.

A minha ainda estava prestes a começar.

Adalbrecht, ato I - Uma noite qualquer na eternidade do mar de trevas.

Acho que sempre pertenci ao clã.
Minha lembrança mais importante data de meus seis anos de idade. Eu já era velho o suficiente para entender o que eu viria a me tornar. Independente de minha vontade, independente de quaisquer fatores. Eu não conhecia esperança e já há muito tempo havia deixado de sonhar com uma vida normal.
Todas as noites eram noites de lágrimas, cada minuto era um minuto de dor.
O mestre havia me convocado para o sepulcro. Era hora de mais uma lição. Enquanto eu descia pela escada parcialmente iluminada senti o aroma torpe de morte e sangue envolvendo minha carcaça de carne.
Eu já não sofria mais com a morte de estranhos, ou com a dor dos fracos. Os caminhos do abismo me mostravam que a dor e o fracasso eram o destino deles, independente de minha vontade. Eu era um aprendiz dedicado e um executor cruel. Não que eu tivesse muita escolha.
Quando alcancei o salão principal da cripta, levei um longo minuto para que meus olhos se acostumassem com a escuridão. Eu conseguia imaginar as formas das paredes e dos túmulos que decoravam essa sala de perjúrio e danação. Em cada um dos cantos, uma estátua de um dos mestres, e no centro, além dos dois túmulos, o fosso que era, e ainda viria a ser por muito tempo, a origem de meus pesadelos.
Era curioso pensar que em um dos túmulos estava a única criatura que fez com que o mestre sorrisse. Um dia ela traiu o abismo e tentou usurpar o poder dele, e agora ela descansará eternamente com uma estaca no peito.
Ela é minha avó. O mestre um dia foi meu bisavô. Ele deixou de ser qualquer coisa reconhecível quando prometeu sua alma ao abismo.
Após um passo lento e calculado, me ajoelhei no chão úmido e sujo e esperei pela ordem do mestre.
Ele desceu do teto em sua forma magistral de sombra. Deslizando por meu corpo com a graciosidade de suas duas dimensões.
Deus, como era frio.
Após uma análise cuidadosa de minha condição física, ele retornou a sua forma de carne.
Deus, como era lindo.

Concedi a mim mesmo a luxuria de contemplá-lo. Seu corpo nu era como uma escultura de mármore criada pelo mais cruel dos artistas. Cada uma das grossas veias saltadas parecia mal suportar o sangue escuro e viscoso que ele carregava, dando-lhe um aspecto dantesco e ao mesmo tempo angelical. Suas coxas roliças e poderosas despertavam em mim um desejo insano e pecaminoso que eu mal começava a compreender.
Ele avançou subitamente, levantando meu queixo com o polegar e levando meu rosto de encontro ao dele.
Era difícil definir o que eu sentia quando o fitava. Seus cabelos dourados caiam sobre o ombro com a doçura de uma nuvem de algodão doce. Os lábios largos e arqueados possuíam um leve tom púrpura que sugeria doença e líbido. E seus olhos. De todas as atrocidades obscenas que já presenciei, seus olhos eram o que me machucava mais.

As duas orbitas negras declaravam a quem quisesse ouvir que meu mestre era um acólito do abismo. A escuridão viva que residia em sua face nada mais era do que um reflexo do mundo que ele contatava com sua devoção insana e sua magica maligna. Afinal, era o abismo, o nada imortal que a tudo irá consumir.

Os olhos azeviche faiscaram em um púrpura febril quando ele violou minha vontade e ordenou que eu descesse ao fundo do fosso. Só fiquei com medo por um segundo. Depois dele minha vontade ruiu e a escuridão tomou minha mente.
E nunca- nunca mais -, a escuridão a abandonou.