Saudações, queridos leitores.
Um pequeno aviso: Esse conto não é para todos. Se você por acaso acha que minhas histórias são gore demais, vá para outro post. Essa aqui é muito, mas muito pior. Sério.
Nesta quarta-feira ensolarada, resolvi fazer um post que, em vários aspectos, é diferente dos meus habituais. Primeiro, por que não é um texto meu, segundo, por que não fala sobre vampiros, e terceiro, por que é muito mais bizarro e pesado do que o de costume.
Sim, é uma obra prima da destruição de convenções sociais, fruto da mente psicótica e doente de Chuck Palahniuk, autor de clube da luta.
A história a seguir é um conto do livro "assombro", que minha querida Anna me emprestou alguns meses atrás e que eu tive a felicidade de encontrar na internet. Reza a lenda que mais de setenta pessoas desmaiaram as leituras deste controverso e apaixonante texto, que com uma frieza e sarcasmo brutais, espoem de maneira crua e sádica situações bizarras que só seres tão mesquinhos e degenerados quanto nós, seres humanos, são capazes de propiciar.
Boa leitura.
Um amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar. Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos vendo a grande noite que ele preparou.
Então, esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para um bolo de cenoura. E vaselina.
Como se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.
Em casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.
Então, esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para descer, naquele momento.
Ele remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas debaixo da cama.
Depois do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.
Esse amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário. Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para dar um nome.
As pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês: esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa….
Enquanto você desce as escadas, então – mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter dito. A réplica mais avassaladora.
Esse é o espírito da escada.
O problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que você pensa ou faz.
Alguns atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem discutidos.
Agora que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais o encontravam, uma toalha enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos, intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.
Outro amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, na qual o mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o cabo dentro, e isso os faziam gozar melhor. De forma mais intensa.
Esse irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em russo. Dicas de punhetagem.
Depois disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque ele está no hospital.
Ele tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas. Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.
Pelo telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa, no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.
Chapado e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o trabalho.
Até mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos. Eles reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase gozando quando percebe que a cera não está mais lá.
O fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue sentir a cera dentro de seu pau.
Das escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.
Depois do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.
O garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir campainhas, pessoas gritando. Game shows.
Os raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga. Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo. Está ficando maior e mais expesso, coletando cristais de cálcio, está batendo lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina. Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.
O garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam. Sobre o que o seu irmãos mais velho da Marinha escreveu.
No telefone, nesse momento, ele começa a chorar.
Eles pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.
Enfiando coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.
O que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por dois, três, quatro minutos.
Só de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava, meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.
Depois disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.
Esse era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava ficando gorda e dando a luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas nais quais você não se preocupa que te pegam.
A melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte era ficar pelado e sentar nela.
Como os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cú chupado? Mesmo assim, num minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.
Num minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado, aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.
Num momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão no trabalho e minha irmão no balé. Ninguém estará em casa por horas.
Minhas mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento no fundo.
Faço isso de novo, e de novo.
Deve ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cú sendo chupado, eu não preciso de mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul, meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.
E então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.
Médicos de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente fica. A maioria na Flórida.
As pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não estou chegando para fora da água também.
Ainda nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no meu ouvido fica mais alto e mais forte.
As brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água, que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de alguma refeição semi-digerida.
Só há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da piscina, só esperando para me comer.
Então… eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento, mas ainda segurando firme no meu cú. Com outro chute, estou a centímetros de conseguir respirar. Ainda sentido a cobra presa no meu traseiro, estou bem próximo de escapar.
Dentro da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e ácidos graxos Ômega 3.
Ver essa pílula foi o que me salvou a vida.
Não é uma cobra. É meu intestino grosso e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.
Os médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão. O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de 180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.
O que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins e ervilhas.
Essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou, mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.
Deus proíba que meus pais vejam meu pau.
Com uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.
Se você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá para segurar.
Uma camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.
Você então vê contra o que eu lutava.
Se eu largo, sai tudo.
Se eu nado para a superfície, sai tudo.
Se eu não nadar, me afogo.
É escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.
O que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo curvado. Mergulhado na árgua turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta dele, gotas gordas de esperma.
Ou isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue, morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.
Algo sobre o qual nem os franceses falam.
Aquele irmão mais velho na Marinha, ele ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…,” os russos dizem, “Preciso disso como preciso de dentes no meu cú……
Mne eto nado kak zuby v zadnitse.
Essas histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem, qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que morrer.
Droga… mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.
Senão, o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cú. Se você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de novo.
Não é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não comeriam mais frutos do mar.
É difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a cozinhar ovos pochê.
Todas aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim….
Precisava disso como precisaria de dentes no cú.
Hoje em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e encontro aquilo intacto na privada.
Depois que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei mais do que pesava aos 13 anos.
Outro problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia, “Aquela porra daquele cachorro era maluco.”
Mesmo do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para deixar aquele cachorro sozinho por um segundo….”
E então a menstruação da minha irmã atrasou.
Mesmo depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso meus pais nunca mencionaram mais isso novamente.
Nunca.
Essa é a nossa cenoura invisível.
Você. Agora você pode respirar.
Eu ainda não.
Bem vindo, ilustre visitante. Esse é um lugar onde (vez ou outra) coloco contos de vampiro. Estou lentamente atualizando com histórias feitas com personagens da quinta edição do jogo. Boa Leitura.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Tripas - Chuck Palahniuk
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terça-feira, 27 de março de 2012
A história do amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte um.
Onze de outubro de 1944
A velha despertou, e por todo o matadouro, gritos de agonia se fizeram ouvir.
Com deliberada leveza, ela ordenou que sua forma de carne deslizasse pelo campo de abominações, sorvendo vitae e lamentos das pobres almas que em sua tentativa de fugir da guerra encontraram a sede de uma monstruosidade milenar.
Duas centenas de mulheres, ciganos, desertores e crianças estavam atadas em uma simbiose profana e doente. No momento certo, eles se levantariam e formariam um exército de ossos e ódio. E então a Tzimisce os jogaria ao fogo e ao abismo, de encontro a morte certa em uma batalha que eles nunca desejaram travar. Mas isto não tinha importância. Adele cairia, e isso valia qualquer sacrifício.
Era uma promessa antiga e amarga que mais de uma vez roubou-lhe a convicção. E ela estava prestes a se cumprir. A pequena flor de ébano – para Kella flor de carne – deveria deixar de existir.
Era a peça que faltava. A velha explorou seu corpo e sua mente por mais de cem mil noites e alcançou toda a maestria que a potência de seu sangue grosso permitiu.
Faltava destruir um único grilhão, a ultima mácula em sua carne imperfeita.
Ela já havia sido dragão, cervo e mariposa. Já havia sido templo, torre e espada. Já havia tomado um numero infinito de formas e levado imortais de sangue forte a loucura pela simples contemplação de seu semblante. No entanto, havia um único paradigma que ela nunca ousou quebrar.
Em sua longa jornada pelos confins do oriente, a Tzimisce aprendeu com os demônios da floresta que a flor que nasce em uma clareira verdejante nunca é tão bela e imponente quanto aquela que desabrocha em um campo de cinzas e morte. A metamorfose não escolhe o sábio, o forte, ou mesmo o preparado. Ela vem de dentro pra fora. Ela escolhe o determinado.
Ela precisava desabrochar, e para isso, destruiria o único aspecto humano que restava em sua alma apodrecida.
A metamorfista sabia que precisava retornar ao tempo em que Derek, o único sob o firmamento pelo qual ela nutria afeto, não lhe significava nada. Ela precisava do ódio dele, e faria isso destruindo Adele, sua criança amada.
Em algum lugar próximo, uma massa de bocas e pavor gemia em uníssono, implorando por uma misericórdia que não existia. A matusalém destacou uma quantidade incerta de apêndices rombudos e compridos das paredes ossudas. Era hora de trabalhar.
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segunda-feira, 26 de março de 2012
A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte 2
Dresden, Treze de Fevereiro de 1945.
Kath entrou no salão de sombras, ao seu lado, Margareth Freyer, a templária mais feroz e leal da casa das sombras, protetora sacramentada de Adele, a flor do abismo e a rainha do sangue de ébano. E em seu peito, ela carregava uma notícia terrível que traria ódio e violência a alma apodrecida de uma anciã.
Quando as portas do salão de meias-noites se abriram, a Brujah sentiu as pernas perderem a força e sua convicção falhar, por toda a extensão do ambiente, a pura treva dançava a valsa fúnebre regida pela pequena anciã. Fios de sombra traçavam curvas sinuosas de encontro as carnes infantis da guardiã, cobrindo-a com uma camisola noturna e sapatinhos de laço vivo. O breu lhe penteava os cachos loiros com carinho e cuidado, e atrás dela, em um trono de medo, repousava a forma material do puro horror.
A uma altura incerta, um massa disforme e corpulenta borbulhava para dentro de si mesmo, ostentando dentes de escuridão opaca e uma quantidade de olhos e apêndices em constante mudança. A coisa flutuava pela sala, derramando breu líquido por vários orifícios de propósito desconhecido. Kath foi tomada pela estranha sensação de que sua mente estava se fragmentando, e após um segundo de hesitação dolorosa, a voz da anciã roubou sua dor solene:
- Saudações, Katherine da casa dos indomáveis. Seja bem vinda a meu santuário. Entre, por favor.
- Com sua licença, Adele, campeã da casa das sombras.
Seguida de perto por Margareth, Kath deu três passos receosos para dentro do salão de horrores. Sombras indecisas avançaram em direção a ela e subiram por suas botas militares, roubando-lhe o calor e então se distanciando com um gesto da anciã.
- Entendo que trazes noticias de nossos irmãos no sul, Brujah.
- Trago noticias pesarosas, vossa iminência. Dresden será bombardeada ainda esta noite, é hora de evacuar a cidade.
Adele Levantou uma sobrancelha, sem demonstrar muita surpreza.
- Conte-me mais
- Mil e trezentos aviões aliados cruzaram a França com quase quatro mil toneladas de bombas incendiárias e explosivas. Uma bomba para cada duas pessoas da cidade, minha senhora.
Margareth soluçou, incrédula, e calculou mentalmente qual seria a força necessária para neutralizar esse ataque, pesarosamente chegou a conclusão de que esta força simplesmente não existia naquela hora perdida. Kath continuou:
- É necessário que a senhora de a ordem de evacuação imediatamente, visando poupar nossos soldados.
Adele abaixou a cabeça, murmurando para si mesma:
- Eles tem aviões, nós temos dragões.
- Temos três, senhora, e a casa Tzimisce não concordou em sacrificá-los neste combate.
A pequenina levou a palma da mão diminuta a testa, e acariciou sua têmpora levemente.
- E quanto a Yorrance, o Koldun?
- Ele defende nossos feiticeiros em Berlim, senhora.
- E os soldados de carne de Verminal?
- Em Munique, protegendo a catedral, junto com as fúrias, o implacável, o conselho dos martelos, a rosa dos ossos e a cruz de Caim.
- E a legião das sombras da Espanha?
- Sitiada pela França, Itália e Inglaterra, bem como pelos assassinos do oriente, contratados pelos Ventrue, e pelos Giovanni.
- E a Wehrwulf?
- Detendo o avanço russo, junto com Haringoth, Hans, o bando da cicatriz e meus filhos e irmãos da rosa branca da germânia.
- Quantos temos aqui?
- Vinte e sete cainitas, nove deles com menos de dez invernos de morte. Nós três somos as mais velhas e poderosas da cidade.
- E quanto a Dorother?
- Ele levou suas crias para Hamburgo ontem, obedecendo as ordens da Cardeal.
Adele contraiu os dedos, rasgando a pele delicada do rosto. Filetes de sangue escuro desceram por seu rosto, tingindo de treva o que antes era um mar tempestuoso e azulado.
- Derek...
- Perdão, senhora?
- Meu criador me disse uma vez que se eu continuasse com esta guerra eu acabaria abandonada por todos, enfrentaria traições de todos os lados, quebraria promessas importantes e clamaria pela ajuda dele. E disse também que ele não viria. Maldito bastardo.
- Senhora...Preciso de sua ordem, o tempo é curto.
- Vários séculos atrás, um parente de sangue meu ergueu a primeira parede de pedra que ainda hoje é parte desta cidade. Em morte, eu dediquei metade de meus anos a defendê-la. Sob meu comando, ela sobreviveu a pestes, religiões, franceses e todo esse tipo de lixo. Aqui é minha casa, e digo que vou ficar e defendê-la.
Margareth se ajoelhou, deixando que os longos cabelos escuros caíssem sobre o casaco militar.
- Hoje e sempre, sou tua espada, minha mestra.
Katherine tentou encontrar palavras para protestar e sentiu a raiva aquecer seu sangue.
- Vossa iminência, com todo o respeito a seu julgamento, não existe nenhuma chance de vitória.Um riso timido escapou dos lábios de Adele, preenchendo o salão com uma alegria infantil e alienigena. Era algo que simplesmente não deveria existir ali.
- É isso que os mestres do clã Brujah, os “indomáveis”, ensinam a suas crianças? Que estar em menor número enfrentando um inimigo com armamento superior é motivo para se render? Pobre criança...Saiba que se eu precisar pintar o firmamento com o nanquim do abismo assim o farei, e que por minha vontade nem mesmo uma única criança de peito vai perder seu sono essa noite. Entenda isso, patética desculpa para uma templária: Eu sou Lasombra, e os Lasombra nunca perdem.
Kath corou, forçando o sangue a lhe dar força e ódio “Eu...preciso...resistir” Margareth recuou um passo e puxando fios de escuridão, criou uma lâmina comprida e reta. Ela só esperava um comando.
- Senhora... Preciso saber quais são suas ordens.
- Diga a todos que quem quiser fugir não será punido, mas também não será bem vindo em minhas terras. E isto vale para aqueles que “estratégicamente” se ausentaram nas ultimas semanas.
- Sim...Entendido. Tenho um ultimo aviso, se a senhora me permitir.
- Claro, criança, fale de uma vez.
- Uma Tzimisce russa chamada “Kella” avisou ao arcebispo de Barcelona que atacaria Dresden quando os céus fossem pintados de vermelho. Por intermédio de seus mensageiros, ele ordenou que eu lhe entregasse este aviso caso a senhora se recusasse a abandonar a cidade.
A pequenina mordeu os lábios, e uma fumaça azeviche e perfumada levantou das gotículas que tocaram o chão. Não – Hrotger não mentiria para ela – Não depois de todo esse tempo.
- Ordeno que todos os cainitas a mim subordinados abandonem a cidade imediatamente, incluindo você, minha querida templária. Que seus carniçais os conduzam até Munique. Eu vou ficar e lutar.
Margareth se ajoelhou novamente, cerrando os punhos.
- Perdoe-me, senhora, mas fiz um juramento perante o abismo e perante a taça. Enquanto houver vitae em minhas veias, lutarei para garantir tua glória e teu esplendor. Sou tua espada, e súplico humildemente que não traves teu combate sem mim.
Adele levantou os cantos dos lábios com gentileza, formando covinhas brincalhonas e angelicais.
- Humildade nunca foi uma qualidade de que um Lasombra pudesse se orgulhar, minha templária. Kella é uma matusalém, e na companhia de meu senhor enfrentou dragões da Rússia e participou do ritual que levou ao sono a mais velha monstruosidade do clã Nosferatu. Ela já derrotou uma das serpentes do mundo morto e provavelmente destruiria a coragem de teu coração de guerreira simplesmente olhando em teus olhos. Ordeno que auxilies Katherine na evacuação da cidade, minha querida, e que partam imediatamente.
As duas guerreiras foram pegas de surpresa pela suavidade das palavras de Adele. Ela estava pronta para entrar em um combate que sabia que estava perdido. E ainda haviam mil e trezentos aviões rumando para a cidade.
Katherine se despediu formalmente e começou a marchar, seguida de perto pela hesitante Margareth. Acompanhada pelas trevas silenciosas, a garota cujo corpo não envelheceu mais do que quatorze invernos, manifestou seu poder de forma odiosa:
- Maldito sejas tu, Derek, que deu a mim teu amor e a ela tua lealdade. Não vou me ajoelhar e pedir ajuda – me ensinas-tes a não me curvar a ninguém – Saibas que neste momento eu te odeio mais do que tudo no mundo, e que vou rasgar, morder e violar a pele imunda de sua confidente e jogar os pedaços sangrentos dela aos cães do abismo, só pra te mostrar o quanto te desprezo e o quanto te amo. É por você, meu senhor, que vou permitir que o reino que construí desfaleça diante de meus olhos. Que os dois milhões de mortais que protejo derramem sangue e lágrimas sobre tuas mãos, que morram todos! Que sofram tanto quanto vou sofrer quando eu mesma rasgar teu peito e tomar teu coração pra mim! Maldito, mil vezes maldito! Por que você escolheu que fosse assim?
A pequenina se esvaia em lágrimas e sombras. Ela ordenou que seu servo chamasse Dagon e convocasse a legião dos famintos. Ela pagaria o preço, qualquer que ele fosse. Do lado de fora, duas templárias confusas assistiram ao nascimento de nuvens escuras, vivas e viscosas. A notícia do ataque era vomitada por rádios e torres em todos os cantos, e mortais corriam desesperadamente as centenas para seus porões. Duas duzias de vampiros foram convencidos a abandonar a cidade imediatamente pelos túneis apertados que apenas os mortos conheciam. E ao longe, uma sirene gritou de horror.
Os aviões estavam chegando.
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sábado, 10 de março de 2012
A história do amor dos mortos: Lágrimas de Julho
Hrotger se espreguiçou nos restos da cama improvisada enquanto se preparava para sua noite especial. Nesta noite singela, ele comemoraria seu décimo primeiro aniversário de morte, e o quadragésimo de existência.
A seu lado, dormiam um alaude sem cordas e uma virgem sem coração. Ele a segurou com o esmero que só aqueles que odeiam a beleza acima de tudo podem ter.
Após arrancá-la do leito de palha em um silêncio sóbrio e sublime, ele a carregou nos braços através da cidade que dormia, para as imensidões dos campos além dos lobos e mortos. A viagem foi abençoada por uma noite quente e sem estrelas, daquelas que só a indiferença cruel de julho pode trazer.
Quando Hrotger alcançou seu tumulo, ele sorriu.
Sobre a terra intocada, havia uma rosa sem cor ou cheiro, e ela significava mais do que tudo no mundo. Adele ainda se lembrava.
O vampiro deitou a mulher sobre o chão, e deixou que seus lábios rachados e cheios de pus fossem de encontro aos dela, neste instante de carinho, a besta uivou forte em seu peito, sentindo que por um instante foi derrotada.
Após um longo minuto, ele percebeu que sua mão repousava sobre a cavidade que ele entalhou com as unhas no peito do cadáver. Era feia, vazia. Não havia naquele corpo um único sorriso ou desejo, o eterno sono de morte agora lhe abraçava em sua paz serena e egoísta.
Hrotger deitou-se ao lado dela, tendo o cuidado de não macular os cabelos loiros e sem vida de sua companheira com sua secreção biliosa. Uma gota furtiva tocou a pele tosca e torcida do nosferatu, e foi logo seguida por várias outras. O vampiro suspirou, tentando conter a fúria que pulsava dentro de si. Ele não havia dado a ninguém o direito de chorar por ele.
"Sangue, caminhe por mim."
Ao fim do pequeno encanto, as unhas do cainita saltaram e seus dedos se contorceram e esticaram, ficando grossas e pontudas, ele acariciou o rosto de sua amante pesarosamente, e com velocidade e determinação, ele partiu a mandibula dela.
Não havia sangue para jorrar. Era uma casa seca, debilitada, deformada. A semelhança entre os rostos dos dois açoitou com crueldade o orgulho do nosferatu. Em um sorriso torto, morto e involuntário, ele entendeu que eles tinham o mesmo vazio no peito.
Ele se entregou ao abraço da terra, e enquanto mergulhava no chão molhado da mãe Rússia, ele finalmente chorou.
Perto dali, uma garotinha apertava a mão de seu companheiro com força e tristeza. Os dois estavam envoltos no manto da ausência, e o mundo inteiro era alheio a presença deles.
Derek sorriu com gentileza.
"Creio que seja hora de partir, minha pequenina."
A garota abraçou a cintura de seu mestre sem tirar os olhos do corpo inerte da mortal.
"Eu queria dizer a ele que sinto muito."
"Isso faria diferença?"
A vampira balançou a cabeça negativamente, sorrindo.
"Sabe, amor, as vezes me pergunto se o certo é me manter distante."
"Não querida, não é. Mas é a maneira que temos de fazer com que menos lágrimas toquem o chão. O tempo e o sangue são nossos carcereiros, e só eles tem o poder de te tirar dos sonhos dele. Nós o protegeremos enquanto ele não for forte o suficiente para perceber isso."
O ancião levantou o dedo indicador e desejou que as sombras daquela noite sem luz saciassem sua fome com o corpo da mulher, e assim foi feito.
"Parabéns pelo seu aniversário, Hrotger, espero que encontres tudo aquilo que procuras."
A criança se surpreendeu com o tom mórbido que sua voz tomou, e quando ela levantou o rosto, percebeu que os olhos de seu amor, que antes eram azulados e brilhantes, agora refletiam o mar das trevas da alma em todo seu esplendor doentio. Ele estava fazendo uma pergunta ao abismo, e em breve, seus lábios perfeitos sussurrariam uma das verdades viciadas do outro lado do espelho.
A vampira esfregou sua bochecha magra nas costas da mão de seu mentor, e depois, beijou-a demoradamente.
A voz do abismo quebrou o silêncio da carícia. Era lenta, insensível e sem calor.
"Este corpo imortal irá te amar para todo o sempre, criança."
Sobre o túmulo de um leproso, uma rosa sem cor desistiu de lutar e finalmente morreu.
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segunda-feira, 5 de março de 2012
Uma alma que sorri, ato V: O deus que desceu ao inferno
Depois de dois dias em que eu estava tremendamente confuso e triste, acordei com o som de vários estranhos entrando em meu cárcere. Eu me levantei para recebê-los, mas golpearam minha cabeça rápido demais e o impacto da arma de choque na minha coxa foi forte demais. Doía pra caramba. Mas o que me incomodava de verdade era eu não conseguir me mexer enquanto um imbecil de jaleco e roupa tática enfiou a agulha no meu braço. Ele esvaziou a seringa, e eu fiquei olhando pra ele, sem entender o que estava acontecendo. Aparentemente, ele compartilhava de minha reação. Meus lábios começaram a formigar, minha visão ficou um pouco turva, e então ele colocou outra agulha no mesmo lugar e repetiu o processo. Eu perdi a consciência e mergulhei em meu sono insone.
Acordei em uma viatura que realizava uma ascendência sinuosa por colinas cheias de flores brancas e azuis iluminadas por um céu de baunilha tão claro que chegava a doer. O cheiro quente e leve daqueles campos alheios ao sofrimento me batia com mais força do que qualquer homem ou deus que já tivesse cruzado meu caminho. Era tudo tão bonito, tão puro, tão intocado, que eu simplesmente não conseguia entender. Eu não sabia o que eu tinha que fazer para roubar o sorriso jocoso de cada flor e de cada nuvem. O ar fugia de meus pulmões enquanto lágrimas azedas lavavam meu rosto. Nenhuma das obscenidades blasfemas que eu já havia presenciado era tão seco, tão bruto, tão tormentosamente cruel.
Não sei bem o que aconteceu. Mais eu queria matar. Queria matar tudo que existia.
Uma cortina vermelha caiu sobre meus olhos, ódio em sua forma mais pura. Quando a consciência retornou, eu estava socando a grade de proteção com tanta força que meus pulsos sangravam. O veiculo estava parado, e eu estava só. Sem algemas, sem mordaça, sem flores.
Eu sai do carro e o que vi me fez gritar de tanto rir.
Era um hospício. Um maldito hospício. Agora sou um louco que precisa de cuidados?
Examinei o perímetro. Ao longe, murou absurdamente altos feitos de lancetas de metal não apresentavam nenhum portão a vista. Haviam três construções ali. Obras de arte da feiura e do mau gosto. Eram grandes, cinzentos, opressores. Centenas de pequenas janelas abrigavam pares de olhos imóveis que esperavam com extrema expectativa por qualquer movimento meu. Eu lhes concedi isso e me movi em direção a construção mais próxima.
Havia um peso estranho em meus pensamentos. Cansaço. Dúvida. Receio. É difícil ter certeza. A baunilha dos céus agora sangrava, em tons de vermelho e púrpura, como se deus estivesse inquieto. Curiosamente, isso não me deixou em paz.
As portas de madeira escura cederam com facilidade. Cupins haviam devorado boa parte do que um dia havia sido um entalhe de algo que eu poderia, na melhor das hipóteses, dizer que era uma serpente, uma balança e algumas outras formas menos reconhecíveis.
Eu entrei em silêncio, e percebi que mais uma vez eu estava sozinho.
Nunca, nunca mais, eu deixei de estar sozinho.
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Uma alma que sorri, ato IV: a deusa que me quer
Passei os próximos meses trancado em uma sala de paredes amareladas e feias.
O único contato que tive com outras pessoas neste período eram os guardas que semanalmente retiravam as fezes e os lençóis sujos da cela. Sete deles me imobilizavam a cada vez, permitindo que eu sentisse o calor de seus corpos e o cheiro de seu medo. Eu sorria para eles enquanto minha mente fantasiava a morte e o sexo de cada um. Eles nunca entendiam. Nunca olhavam pra mim. Nenhum deles queria minha sabedoria, e eu nunca – nunca mesmo – vou conseguir entender como alguém pode adorar a ignorância.
Em uma noite particularmente inspiradora, quer dizer, acho que era noite, fazia algum tempo que eu não via o mundo lá fora, homens armados com escudos e cassetetes entraram na sala enquanto outros me prendiam a uma maca. A curiosidade me compelia a testar a rigidez daqueles bastões contra os corpos de meus captores, mas havia pouco propósito nisso. Atravessamos o corredor e em alguns minutos eu vi aquele inferno de gente mais uma vez. Todos gritando, me ovacionando “Seu filho da puta dos infernos”, “Seu monstro maldito”, “O diabo encarnado”, “você vai virar minha puta seu doente”. Ah, sim, o companheirismo entre os encarcerados parecia estar mais forte do que nunca. Senti orgulho disso. Se eu pudesse acenar para eles, eu teria o feito. Mas me contentei em imaginar uma orgia sem precedentes. Em imaginar o horror que o deus dos outros teria em contemplá-la. Sim, era um bom plano.
Minha jornada terminou em uma pequena sala extraordinariamente limpa. Ela era dividida em duas por uma parede de vidro, e de cada lado, havia um telefone. Os policiais me deixaram o mais em pé que podiam, e encostaram o plástico frio do aparelho em meu rosto. E então eu a vi.
Era alta, magricela, loira e feia. Uma daquelas garotas espertas o suficiente para sair da faculdade sem transar com todos os professores e idiota o suficiente pra trabalhar com gente feito eu.
Ela pegou o telefone do lado dela da sala e sorriu pra mim. E por todos os motivos errados, eu a desejei demais.
Ela falava alguma coisa sobre seu interesse em “meu caso” enquanto eu imaginei o sabor de sua língua e o cheiro de sua boceta. Acho que foi ai que eu reparei que eu nunca tinha penetrado em uma mulher. Quando comecei a rir, ela parou de falar.
Eu concordei com o que quer que ela tenha dito e com a caneta na boca, assinei um X na linha que os guardas apontaram.
Quando ela saiu, tentei o máximo que pude decorar as linhas do traseiro dela. Quando me voltei a seu rosto, vi que ela me contemplava. Ela levantou os cantos dos lábios e eu vi covinhas infantis se formando. Era um desafio, um chamado. E eu precisava tê-la.
Eu me senti desejado. E isso foi maravilhosamente perturbador. Eu não sabia o que fazer e isso me atormentava.
Hoje em dia eu já não penso mais nessas coisas. Eu já entendo demais das coisas que ninguém devia saber. Eu sei o que sou, pra ela, pra todo mundo. E deus não se arrepende jamais.
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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
A essência do mal e a vertigem da queda
Escrito por meu grande amigo Davi Wasserberg, que apesar de estar em seus primeiros passos no caminho de Caim e das tradições do sangue, é um escritor talentoso e tende a se tornar o criador de muitas aberrações humanitárias e obscenas, não só em meu pequeno e feio universo austro-germânico, mas nos cenários que ele mesmo, com o tempo, irá criar.
Boa leitura.
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Pobres seres humanos, presos a suas vidas cotidianas e fúteis, nem imaginavam a complexidade do mundo que os rodeia. O terror diário é ignorado por uma parcela de conformação, de comodismo e ceticismo. Os homens se perdem achando que se encontraram, que estão no auge da descoberta.
É incrível o modismo atual sobre histórias de vampiros bonzinhos que lutam contra a sede de sangue e a própria impulsividade de sua natureza maldita... É incrível como adolescentes adoram se iludir com a ideia de um vampiro romântico, encantador, apaixonado... um vampiro humanizado... idiotizado, por assim dizer.
Se eles conhecessem nossa natureza profana, jamais teriam a coragem de escrever e propagar tais histórias sobre nossa raça.
A maldição corrompe o que já é corrupto, a morte supera a vida e o gelo substitui o fogo de nossa essência. A alma de um ser humano que morre, se desprende do corpo para um novo destino, a maldição de um vampiro é ter sua essência eternamente aprisionada em sua carcaça moribunda... não mais a alma, mas a superficialidade do corpo é o que nos rege. Escravos dos desejos e dos impulsos, somos o potencial máximo da corrupção humana. Entre nós, não existem heróis, só existe quem pode mais.
Se há ou não causas nobres entre nós, não sei dizer. Tudo que sei é que também não sou um herói, sou apenas um predador rumo a próxima presa, numa noite de outono, em uma cidade satélite, residencial.
Boa leitura.
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Pobres seres humanos, presos a suas vidas cotidianas e fúteis, nem imaginavam a complexidade do mundo que os rodeia. O terror diário é ignorado por uma parcela de conformação, de comodismo e ceticismo. Os homens se perdem achando que se encontraram, que estão no auge da descoberta.
É incrível o modismo atual sobre histórias de vampiros bonzinhos que lutam contra a sede de sangue e a própria impulsividade de sua natureza maldita... É incrível como adolescentes adoram se iludir com a ideia de um vampiro romântico, encantador, apaixonado... um vampiro humanizado... idiotizado, por assim dizer.
Se eles conhecessem nossa natureza profana, jamais teriam a coragem de escrever e propagar tais histórias sobre nossa raça.
A maldição corrompe o que já é corrupto, a morte supera a vida e o gelo substitui o fogo de nossa essência. A alma de um ser humano que morre, se desprende do corpo para um novo destino, a maldição de um vampiro é ter sua essência eternamente aprisionada em sua carcaça moribunda... não mais a alma, mas a superficialidade do corpo é o que nos rege. Escravos dos desejos e dos impulsos, somos o potencial máximo da corrupção humana. Entre nós, não existem heróis, só existe quem pode mais.
Se há ou não causas nobres entre nós, não sei dizer. Tudo que sei é que também não sou um herói, sou apenas um predador rumo a próxima presa, numa noite de outono, em uma cidade satélite, residencial.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Comentários e explicações sobre a história de amor dos mortos.
Olá a todos.
Vou postar aqui a ordem de leitura dos contos, que, por sinal, esta bastante confusa.
Boa leitura a todos, e como sempre, feedback será bem vindo.
A história de amor dos mortos - um abismo de promessas viciadas
A história de amor dos mortos: Um breve preludio para os séculos de danação.
O sonho de uma princesa cativa
História de amor dos mortos: Uma noite de doença
Derek - Uma breve lembrança do pesadelo de inverno, ato I
A história de amor dos mortos: Lágrimas de julho
A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte I
A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte II
A história de amor dos mortos: Um ato de magoa simbólica
A história de amor dos mortos: Um conto sobre o fim
Vou postar aqui a ordem de leitura dos contos, que, por sinal, esta bastante confusa.
Boa leitura a todos, e como sempre, feedback será bem vindo.
A história de amor dos mortos - um abismo de promessas viciadas
A história de amor dos mortos: Um breve preludio para os séculos de danação.
O sonho de uma princesa cativa
História de amor dos mortos: Uma noite de doença
Derek - Uma breve lembrança do pesadelo de inverno, ato I
A história de amor dos mortos: Lágrimas de julho
A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte I
A história de amor dos mortos: Dragões e sombras sobre Dresden, parte II
A história de amor dos mortos: Um ato de magoa simbólica
A história de amor dos mortos: Um conto sobre o fim
A história do amor dos mortos: Uma noite de doença
O vampiro deslizou pela janela com graciosidade, em um salto calculado atravessou os três metros que o separavam do chão e aterrissou com suavidade. A imundice da cidade o golpeou com força , tomando de assalto suas narinas e fazendo com que o aristocrata desejasse não possuir o olfato tão aguçado. Ele observou o feudo vagarosamente, e usando uma velha técnica que seus irmãos de armas chamavam de “contar os corpos”, ele mentalizou o número de casas, distinguiu aromas e calculou quanto tempo conseguiria se manter no pequeno vilarejo.
Infelizmente, não era muito tempo. Quatro meses, no máximo. Depois disso ele teria que abandonar seu pequeno anjo aos caprichos do destino.
O vampiro afastou o pensamento agourento concentrando-se em seu objetivo imediato. Apesar de sempre sonhar com o dia em que voltaria a fazer jorrar vitae de almas condenadas, ele sabia que neste momento não era apropriado. Ele via pouco mais do que trinta casas acabadas e tomadas por um tapete branco e opressor. Seriam os germânicos tão avessos ao pai inverno?
Não havia uma única pessoa fora de casa, nenhuma vela acesa, até mesmo os lobos agora desfrutavam do sono comatoso que só o frio do norte pode trazer.
Fazia muito tempo que o vampiro não caminhava livremente por um vilarejo. Era uma sensação desesperadora, especialmente para ele, acostumado a ser o centro das atenções sempre que deixava a máscara cair.
A máscara. As vezes ele esquecia disso, e pessoas tinham que morrer. Esta era a lei desde os tempos de seus avós – silêncio ou morte final.
E este era o maior perigo. Se algum de seus irmãos de danação considerasse o plano dele ofensivo, ele facilmente seria condenado a prestigiar o nascer do sol. Sim, seu amor pela garota era perigoso e blasfemo em mais de uma maneira – e este risco tornava o esperança de triunfo ainda mais entorpecente.
A passos largos, a fome crescia. Fugir do mar azulado dos olhos de sua amada lhe custou mais vitae do que ele havia contabilizado para aquela noite. Ao passar pelo quartel arruinado imaginou quantas patéticas desculpas para soldados ali dormiam. Meia duzia, talvez ainda menos.
“Será que eles vão ser o suficiente para livrar este pedaço gelado do inferno da anemia de meu beijo?”
Não – mesmo que fossem seis duzias de homens de fé, eles não teriam chance. A fome o compelia a ser sempre mais forte, a ser o eterno carrasco das pobres almas que cruzavam seu caminho. Era difícil conviver com isso. O vampiro tinha consciência de que era um assassino e de que mataria tudo aquilo que aparecesse em seu caminho se tivesse a oportunidade, ele não possuía respeito algum a existência alheia e mais de uma vez fez escreveu longos tratados sobre a morte da alma nos mansos de seus irmãos de armas.
E lá estava ele, desesperadamente apaixonado por uma pequena flor de carne, um anjo triste que podia encontrar seu sono de morte a qualquer instante, pouco mais do que uma boneca de porcelana na mão do mais cruel dos carrascos, o tempo.
Ele avisou um casebre do outro lado da rua, um abrigo baixo e sujo de madeira e barro. O teto fora pintado de branco e era impossível saber se as flores ao lado da porta eram rosas ou crisântemos. A neve não deixava de ser irônica.
Levantando um leve sorriso, ele encostou a bochecha pálida na porta e se concentrou nos sons que mortais nunca conseguiriam ouvir. Conseguiu distinguir sem dificuldade que haviam ao menos sete pessoas no único comodo da casa, possivelmente uma família inteira. Ele empurrou a janela para a esquerda calmamente e sem dificuldade alguma entrou na casa. O arrependimento veio um segundo depois, e ele quase chorou ao ouvir a besta gritar.
O ar da doença distribuía sua graça sem preconceitos no berço dos recém-nascidos. As duas crianças que dificilmente tinham mais de um mês de vida carregavam na face as manchas vermelhas que eram o sinal do fim. A peste estava chegando, e ela não pouparia ninguém. Sobre a cama de palha, haviam duas mulheres idosas, um homem jovem esquelético e duas meninas que deveriam ter a mesma idade de sua amada. Eles não tinham cobertas ou casacos para espantar o frio, também não tinham comida sobre a mesa ou lenha para criar o fogo libertador. E todos eles, em maior ou menor grau, estavam doentes. O vampiro moveu-se cautelosamente, controlando o impeto de matança, e abriu a boca de uma das velhas. Os poucos dentes que lhe restavam estavam podres e amarelados, e a língua tinha um aspecto cinzento e asqueroso. Ela não sobreviveria aquela noite.
Ele se perguntou sobre qual seria o procedimento adequado, e, sem obter uma resposta clara, orou ao deus do abismo que não o ouvia para que a sabedoria de sua senhora lhe tomasse por apenas um segundo, que ele tivesse o lampejo de inspiração necessário para trazer luz as trevas da alma cansada.
Aparentemente, Tchernobog não o ouviu.
Talvez a família ainda resistisse a meia duzia de noites, mas este tempo seria mais do que o suficiente para que a febre rubra se consumisse todo o feudo. Há quanto tempo será que eles sofriam em silêncio? Seriam as pessoas deste lugar maldito tão indiferentes a ponto de não perceber que a morte estava a espreita?
Ele conhecia a sensação, e não se orgulhava disso. A fome destrói o coração dos homens.
Ele levantou uma das meninas pela cintura, sentindo uma estranha dor tomar seu peito. Ela era loira, magra e frágil. Uma mancha escura repousava sobre seu pescoço e descia pelo seio em formação. Ela suspirou baixinho, um gemido doloroso e doente. Derek segurou sua mandíbula com o polegar e o dedo médio, e em um gesto carinhoso, puxou a arcada dentária com gentileza e força. O sangue ralo começou a escorrer generosamente, e em poucos segundos, ela estava morta. O vampiro a deitou no chão frio e beijou sua testa.
"Morte gera morte."
Ele chamou a noite profunda e ordenou que as trevas destruíssem em silêncio e que elas levassem os cadáveres consigo. Sete braços negros e famintos se levantaram e envolveram pescoços e peitos, apertando com toda a determinação do mundo morto. Após doze segundos dolorosos, Derek abandonou a casa e retornou ao castelo com pensamentos sombrios e verdadeiros. A peste poderia se expandir e devorar a todos neste fim de mundo, e se ele se alimentasse de qualquer um, a doença iria se propagar por seu beijo para todo o sempre. E então Adele morreria, seu mundo morreria e seu sonho se perderia em meio a solidão.
Ele se sentou no chão, ao lado da criança, e segurando sua mão diminuta, ele chorou.
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A história do amor dos mortos: Um ato de mágoa simbólica
Derek sorriu sem jeito enquanto sua companheira removia seu punho de dentro da caixa torácica do traidor recém abatido.
"Giangaleazzo, escória antitribu, una-se ao abismo em nome de Caim, do Sabá e da casa das sombras" Disse o vampiro com a habitual rispidez romântica e teatral.
"Acho que estamos ficando velhos demais pra isso, meu amigo". Disse Kella.
"Acho que estamos velhos demais pra essa guerra estupida a pelo menos nove séculos". Respondeu o Lasombra.
Eles se entreolharam, concordando em um silêncio triste e verdadeiro. Ela espalmava o sangue sujo e os pedaços de ossos podres com asco e indignação, todos os cinco olhos cinzentos da metamorfista estavam perdidos em pensamentos distantes, malignos.
"Com todo o respeito, Lorde Derek, posso lhe perguntar qual foi o motivo que levou esta criatura que agora se encontra a nossos pés a trair seu clã, aliar-se a Camarilla, caçar seus filhos e irmãos e tentar converter nossa estimada Adele?"
"Eu não tenho estas respostas, Kella, e sinceramente não me importo com nada disso. Ele é um traidor, um conspirador e um inimigo. A morte final o alcançou por isso, e agora Milão irá queimar e mais uma vez vai pertencer ao sabá."
"Você nunca foi um bom mentiroso."
Ele abaixou a cabeça e ordenou que as sombras formassem um machado em suas mãos, a lâmina fria e negra maculou a realidade daquele instante de silêncio doloroso, e os dois velhos continuaram a caminhar. Ela retomou a conversa após um curto incidente que envolveu dois ônibus de turistas, algumas viaturas, um nosferatu confuso e excessivamente confiante e quinze braços do abismo.
"Eu não compreendo. Lutamos um pelo outro desde o tempo em que os dragões de sangue forte assombravam os sonhos dos camponeses de nosso manso e mesmo assim eu não te compreendo."
Derek parou e tentou calcular alguma resposta confortável, sem muito sucesso. Ele deslizou as costas das mãos sensíveis pelos cabelos longos e grossos de sua companheira, e então beijou demoradamente a bochecha espinhenta e ossuda da Tzimisce.
Cada centímetro do corpo profano de Kella havia sido desenhado com carinho pela caneta de um poeta louco. Os seios rosados e fartos, a cintura fina e assexuada, as pernas felinas e magras, os braços cheios de esporas pontudas...Cada detalhe foi estudado e aperfeiçoado por séculos de determinação inquebrável. Ela era, afinal, uma das mais antigas e poderosas guerreiras do clã e casa do leste, uma das mestras do sabá e a ponte fundamental entre os metamorfistas e a velha guarda do clã. O lasombra a respeitava e admirava mais do que ele era capaz de explicar, não só pelo poder da idade e da taça, mas pela lealdade e confiança que só os seculos de dores e mágoas compartilhadas são capazes de dar.
Ela ficou visivelmente chocada com a súbita demonstração de afeto e algo dentro de sua pele draconiana e escamosa tremeu quando os sete espinhos das costas ficaram eriçados e hesitantes.
"Sinto muito." Disse o vampiro em um tom anormalmente alto "Acho que deixamos nossas almas apodrecerem por tanto tempo que as vezes esquecemos que um pequeno gesto de amor pode dar sentido ao que não tem sentido. Nós estamos morrendo há muito tempo e sabemos disso. Você tem seu ofício de carne e eu tenho minha obrigação como sacerdote, mas todas as noites, quando o sol esta prestes a esmurrar nossa cara, sabemos que estamos morrendo e que tudo que nos resta é um eventual ato de amor."
Durante todo o resto da noite, eles não trocaram uma única palavra. Enquanto soldados de carne e bandos menos importantes vigiavam saídas e aeroportos, os misticos do clã das sombras do norte sitiaram uma capela e pilharam tomos de conhecimento e magia que muitos julgaram estar para sempre perdidos. Os Tzimisce de sangue ariano conduziram exércitos de cães do inferno e carniçais guerreiros pelos esgotos, auxiliados por muitos olhos e orelhas anonimas, eles varreram seis ninhadas com o conhecimento que a vida imunda do subsolo pode lhes dar.
A unica resistência efetiva veio por parte dos Giovanni, que lutaram clamando por seus mortos e seus ritos obscenos. Don Pietro foi destruído, bem como sua esposa, filhos, e os filhos de seus filhos. Nada pode resistir por muito tempo a fúria de dois matusaléns magoados.
O sol já irradiava seus primeiros raios dolorosos quando Derek conduziu sua companheira pelo abismo de volta para o refúgio ancestral em Moscou. Ao fim da viajem, Milão mais uma vez era a capital do sabá na Itália.
Os dois vampiros foram acariciados gentilmente pelo doce frio da fortaleza subterrânea. Há duzentos e cinquenta anos o santuário do Lasombra protegia os segredos mais terríveis da mãe Rússia, e a pelo menos cento e cinquenta ele era também o refugio e o laboratório de Kella. Eles se sentaram sobre a tampa de um dos quatro caixões de pedra e permitiram que a letargia diurna lhes tomasse o corpo. Instantes antes do beijo de Morpheus, A Tzimisce chiou e suspirou as palavras que lhe roubaram a mente durante toda aquela noite de conquistas dolorosas.
"Tudo aquilo que amei, amei em Caim e na metamorfose. Hoje acho que não sei mais amar. O que realmente nos resta, meu amigo?"
"Acho que se em algum momento aprendemos a amar de verdade, isso se foi com o sangue. O que nos resta, como eu disse, são eventuais atos simbólicos."
Derek Chamou as trevas e em um gesto teatral e solene, envolveu sua companheira em seus braços antes de deitar-se sobre a pedra fria. No abraço dos mortos atormentados, não havia um só pensamento ou suspiro. Eles estavam cansados e estressados demais para chegar a qualquer conclusão sobre seus próprios sentimentos atrofiados.
Em outro lugar e em outra noite, a cria pródiga de Derek ordenou que seus assassinos atacassem dois bispos da cidade do México. Ela queria acabar com aqueles conflitos inúteis, com aqueles Lasombra inúteis, e com aquela regente inútil. Ela não era a mais forte, nem a mais velha e possivelmente não era a mais adequada para assumir o controle do Sabá. Mas era um risco necessário.
A rainha das cortes de sangue estava prestes a iniciar seu plano mestre, e ao final disso tudo, ela poderia despedaçar o peito e o orgulho de seu senhor só pra mostrar a ele que ele estava errado quando disse que abraçá-la foi o maior dos erros e que os dois nunca deveriam ter feito a jura que jamais conseguiriam cumprir.
No fundo de seu coração negligenciado, ela sabia que este era o amor que só os mortos sabiam cultivar, a história de séculos de ódio e paixão dilaceradoras que consumia a vontade e condenava ao inferno cada um de seus pensamentos.
"É por você, meu sire, que levarei a espada a seu peito. É por minha devoção a você que te destruirei, farei isso chorando, e estarei chorando por tudo aquilo que nunca conseguimos ser."
A história estava chegando ao fim. A história de amor e morte que só aqueles que se apaixonam por todos os motivos errados sabem contar.
Adele chorou naquela noite, e Derek a acompanhou inconscientemente. Naquela noite fria e sem sentido, uma Tzimisce confusa travou um combate terrível contra si mesma e fez uma promessa em nome de tudo aquilo que que já não lhe significava mais nada.
"Vou matar vocês dois antes do fim, e vou gritar aos quatro malditos ventos o quanto sou grata a cada um de vocês por me ensinarem o caminho da metamorfose e o caminho do coração."
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