sábado, 10 de março de 2012

A história do amor dos mortos: Lágrimas de Julho


Hrotger se espreguiçou nos restos da cama improvisada enquanto se preparava para sua noite especial. Nesta noite singela, ele comemoraria seu décimo primeiro aniversário de morte, e o quadragésimo de existência.
A seu lado, dormiam um alaude sem cordas e uma virgem sem coração. Ele a segurou com o esmero que só aqueles que odeiam a beleza acima de tudo podem ter.
Após arrancá-la do leito de palha em um silêncio sóbrio e sublime, ele a carregou nos braços através da cidade que dormia, para as imensidões dos campos além dos lobos e mortos. A viagem foi abençoada por uma noite quente e sem estrelas, daquelas que só a indiferença cruel de julho pode trazer.
Quando Hrotger alcançou seu tumulo, ele sorriu.
Sobre a terra intocada, havia uma rosa sem cor ou cheiro, e ela significava mais do que tudo no mundo. Adele ainda se lembrava.
O vampiro deitou a mulher sobre o chão, e deixou que seus lábios rachados e cheios de pus fossem de encontro aos dela, neste instante de carinho, a besta uivou forte em seu peito, sentindo que por um instante foi derrotada.
Após um longo minuto, ele percebeu que sua mão repousava sobre a cavidade que ele entalhou com as unhas no peito do cadáver. Era feia, vazia. Não havia naquele corpo um único sorriso ou desejo, o eterno sono de morte agora lhe abraçava em sua paz serena e egoísta.
Hrotger deitou-se ao lado dela, tendo o cuidado de não macular os cabelos loiros e sem vida de sua companheira com sua secreção biliosa. Uma gota furtiva tocou a pele tosca e torcida do nosferatu, e foi logo seguida por várias outras. O vampiro suspirou, tentando conter a fúria que pulsava dentro de si. Ele não havia dado a ninguém o direito de chorar por ele.

"Sangue, caminhe por mim."

Ao fim do pequeno encanto, as unhas do cainita saltaram e seus dedos se contorceram e esticaram, ficando grossas e pontudas, ele acariciou o rosto de sua amante pesarosamente, e com velocidade e determinação, ele partiu a mandibula dela.
Não havia sangue para jorrar. Era uma casa seca, debilitada, deformada. A semelhança entre os rostos dos dois açoitou com crueldade o orgulho do nosferatu. Em um sorriso torto, morto e involuntário, ele entendeu que eles tinham o mesmo vazio no peito.
Ele se entregou ao abraço da terra, e enquanto mergulhava no chão molhado da mãe Rússia, ele finalmente chorou.
Perto dali, uma garotinha apertava a mão de seu companheiro com força e tristeza. Os dois estavam envoltos no manto da ausência, e o mundo inteiro era alheio a presença deles.
Derek sorriu com gentileza.
"Creio que seja hora de partir, minha pequenina."
A garota abraçou a cintura de seu mestre sem tirar os olhos do corpo inerte da mortal.

"Eu queria dizer a ele que sinto muito."

"Isso faria diferença?"

A vampira balançou a cabeça negativamente, sorrindo.

"Sabe, amor, as vezes me pergunto se o certo é me manter distante."

"Não querida, não é. Mas é a maneira que temos de fazer com que menos lágrimas toquem o chão. O tempo e o sangue são nossos carcereiros, e só eles tem o poder de te tirar dos sonhos dele. Nós o protegeremos enquanto ele não for forte o suficiente para perceber isso."

O ancião levantou o dedo indicador e desejou que as sombras daquela noite sem luz saciassem sua fome com o corpo da mulher, e assim foi feito.

"Parabéns pelo seu aniversário, Hrotger, espero que encontres tudo aquilo que procuras."

A criança se surpreendeu com o tom mórbido que sua voz tomou, e quando ela levantou o rosto, percebeu que os olhos de seu amor, que antes eram azulados e brilhantes, agora refletiam o mar das trevas da alma em todo seu esplendor doentio. Ele estava fazendo uma pergunta ao abismo, e em breve, seus lábios perfeitos sussurrariam uma das verdades viciadas do outro lado do espelho.
A vampira esfregou sua bochecha magra nas costas da mão de seu mentor, e depois, beijou-a demoradamente.
A voz do abismo quebrou o silêncio da carícia. Era lenta, insensível e sem calor.

"Este corpo imortal irá te amar para todo o sempre, criança."

Sobre o túmulo de um leproso, uma rosa sem cor desistiu de lutar e finalmente morreu.

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