O vampiro deslizou pela janela com graciosidade, em um salto calculado atravessou os três metros que o separavam do chão e aterrissou com suavidade. A imundice da cidade o golpeou com força , tomando de assalto suas narinas e fazendo com que o aristocrata desejasse não possuir o olfato tão aguçado. Ele observou o feudo vagarosamente, e usando uma velha técnica que seus irmãos de armas chamavam de “contar os corpos”, ele mentalizou o número de casas, distinguiu aromas e calculou quanto tempo conseguiria se manter no pequeno vilarejo.
Infelizmente, não era muito tempo. Quatro meses, no máximo. Depois disso ele teria que abandonar seu pequeno anjo aos caprichos do destino.
O vampiro afastou o pensamento agourento concentrando-se em seu objetivo imediato. Apesar de sempre sonhar com o dia em que voltaria a fazer jorrar vitae de almas condenadas, ele sabia que neste momento não era apropriado. Ele via pouco mais do que trinta casas acabadas e tomadas por um tapete branco e opressor. Seriam os germânicos tão avessos ao pai inverno?
Não havia uma única pessoa fora de casa, nenhuma vela acesa, até mesmo os lobos agora desfrutavam do sono comatoso que só o frio do norte pode trazer.
Fazia muito tempo que o vampiro não caminhava livremente por um vilarejo. Era uma sensação desesperadora, especialmente para ele, acostumado a ser o centro das atenções sempre que deixava a máscara cair.
A máscara. As vezes ele esquecia disso, e pessoas tinham que morrer. Esta era a lei desde os tempos de seus avós – silêncio ou morte final.
E este era o maior perigo. Se algum de seus irmãos de danação considerasse o plano dele ofensivo, ele facilmente seria condenado a prestigiar o nascer do sol. Sim, seu amor pela garota era perigoso e blasfemo em mais de uma maneira – e este risco tornava o esperança de triunfo ainda mais entorpecente.
A passos largos, a fome crescia. Fugir do mar azulado dos olhos de sua amada lhe custou mais vitae do que ele havia contabilizado para aquela noite. Ao passar pelo quartel arruinado imaginou quantas patéticas desculpas para soldados ali dormiam. Meia duzia, talvez ainda menos.
“Será que eles vão ser o suficiente para livrar este pedaço gelado do inferno da anemia de meu beijo?”
Não – mesmo que fossem seis duzias de homens de fé, eles não teriam chance. A fome o compelia a ser sempre mais forte, a ser o eterno carrasco das pobres almas que cruzavam seu caminho. Era difícil conviver com isso. O vampiro tinha consciência de que era um assassino e de que mataria tudo aquilo que aparecesse em seu caminho se tivesse a oportunidade, ele não possuía respeito algum a existência alheia e mais de uma vez fez escreveu longos tratados sobre a morte da alma nos mansos de seus irmãos de armas.
E lá estava ele, desesperadamente apaixonado por uma pequena flor de carne, um anjo triste que podia encontrar seu sono de morte a qualquer instante, pouco mais do que uma boneca de porcelana na mão do mais cruel dos carrascos, o tempo.
Ele avisou um casebre do outro lado da rua, um abrigo baixo e sujo de madeira e barro. O teto fora pintado de branco e era impossível saber se as flores ao lado da porta eram rosas ou crisântemos. A neve não deixava de ser irônica.
Levantando um leve sorriso, ele encostou a bochecha pálida na porta e se concentrou nos sons que mortais nunca conseguiriam ouvir. Conseguiu distinguir sem dificuldade que haviam ao menos sete pessoas no único comodo da casa, possivelmente uma família inteira. Ele empurrou a janela para a esquerda calmamente e sem dificuldade alguma entrou na casa. O arrependimento veio um segundo depois, e ele quase chorou ao ouvir a besta gritar.
O ar da doença distribuía sua graça sem preconceitos no berço dos recém-nascidos. As duas crianças que dificilmente tinham mais de um mês de vida carregavam na face as manchas vermelhas que eram o sinal do fim. A peste estava chegando, e ela não pouparia ninguém. Sobre a cama de palha, haviam duas mulheres idosas, um homem jovem esquelético e duas meninas que deveriam ter a mesma idade de sua amada. Eles não tinham cobertas ou casacos para espantar o frio, também não tinham comida sobre a mesa ou lenha para criar o fogo libertador. E todos eles, em maior ou menor grau, estavam doentes. O vampiro moveu-se cautelosamente, controlando o impeto de matança, e abriu a boca de uma das velhas. Os poucos dentes que lhe restavam estavam podres e amarelados, e a língua tinha um aspecto cinzento e asqueroso. Ela não sobreviveria aquela noite.
Ele se perguntou sobre qual seria o procedimento adequado, e, sem obter uma resposta clara, orou ao deus do abismo que não o ouvia para que a sabedoria de sua senhora lhe tomasse por apenas um segundo, que ele tivesse o lampejo de inspiração necessário para trazer luz as trevas da alma cansada.
Aparentemente, Tchernobog não o ouviu.
Talvez a família ainda resistisse a meia duzia de noites, mas este tempo seria mais do que o suficiente para que a febre rubra se consumisse todo o feudo. Há quanto tempo será que eles sofriam em silêncio? Seriam as pessoas deste lugar maldito tão indiferentes a ponto de não perceber que a morte estava a espreita?
Ele conhecia a sensação, e não se orgulhava disso. A fome destrói o coração dos homens.
Ele levantou uma das meninas pela cintura, sentindo uma estranha dor tomar seu peito. Ela era loira, magra e frágil. Uma mancha escura repousava sobre seu pescoço e descia pelo seio em formação. Ela suspirou baixinho, um gemido doloroso e doente. Derek segurou sua mandíbula com o polegar e o dedo médio, e em um gesto carinhoso, puxou a arcada dentária com gentileza e força. O sangue ralo começou a escorrer generosamente, e em poucos segundos, ela estava morta. O vampiro a deitou no chão frio e beijou sua testa.
"Morte gera morte."
Ele chamou a noite profunda e ordenou que as trevas destruíssem em silêncio e que elas levassem os cadáveres consigo. Sete braços negros e famintos se levantaram e envolveram pescoços e peitos, apertando com toda a determinação do mundo morto. Após doze segundos dolorosos, Derek abandonou a casa e retornou ao castelo com pensamentos sombrios e verdadeiros. A peste poderia se expandir e devorar a todos neste fim de mundo, e se ele se alimentasse de qualquer um, a doença iria se propagar por seu beijo para todo o sempre. E então Adele morreria, seu mundo morreria e seu sonho se perderia em meio a solidão.
Ele se sentou no chão, ao lado da criança, e segurando sua mão diminuta, ele chorou.
Cra posso deixar uma dica: coloca um C-BOX e mais coisas tira esse 'transparente' da página e pronto...é só isso...o conteudo tah legal!! ^^
ResponderExcluirAdoraria seguir seus conselhos,mas minhas habilidades de edição são no máximo...hã...rudimentares. O que é C-box ?
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